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domingo, 10 de junho de 2018

A Providência de Deus no âmbito dos fatos naturais


Afirmo ainda que os eventos particulares são, em geral, testemunhos da providência especial de Deus. Este suscitou no deserto um vento sul que levasse ao povo abundância de aves [Ex 16.13; Nm 11.31]. Quando quis que Jonas fosse lançado ao
mar, enviou um vento, suscitando para isso um furacão [Jn 1.4, 6]. Os que não crêem que Deus sustenta o leme do universo dirão que isso se processou fora do curso natural das coisas. Daí, porém, concluo que vento algum jamais surge ou se desencadeia a não ser por determinação especial de Deus.
Aliás, nem doutra sorte seria isto verdadeiro: que aos ventos faz seus mensageiros, e ao fogo flamejante, seus ministros; que faz das nuvens suas carruagens e cavalga sobre as asas dos ventos [Sl 104.3, 4]; a não ser que, por seu arbítrio, revolvesse tanto as nuvens quanto os ventos e neles manifestasse a presença especial de
seu poder. Assim também, em outro luar [Sl 107.25, 29], se nos ensina que, sempre que ao sopro dos ventos referve o mar, essas agitações atestam a presença especial de Deus; que ele ordena e suscita o alento da procela e ao alto eleva as vagas do oceano; então, faz quedar-se em silêncio a tempestade para que cessem as ondas para os que navegam; assim como declara em outra parte [Am 4.9; Ag 1.11] que flagelara o povo com ventos candentes.
De igual modo, embora aos homens seja por natureza infundido o poder de procriar, entretanto Deus quer que seja reconhecido sua graça especial que a uns deixa sem progênie, a outros agracia com descendência; pois que o fruto do ventre é dádiva sua [Sl 127.3]. Por isso dizia Jacó à esposa: “Estou eu, porventura, no lugar de Deus, para que te dê filhos?” [Gn 30.2].
Para concluir, de uma vez, nada mais corriqueiro na natureza é nos alimentarmos de pão. Todavia, o Espírito declara [Dt 8.2] que o provento da terra não é só dádiva especial de Deus, como também o fato de que “não só de pão vivem os homens” [Dt 8.3; Mt 4.4]; porquanto não é a própria fartura que os sustenta, mas a bênção secreta de Deus, exatamente como, em contrário, ameaça que pode sustar a provisão do pão [Is 3.1]. Aliás, nem se poderia, de outra maneira, conceber essa prece solene quanto ao pão de cada dia, se de sua mão paternal não nos provesse Deus o alimento. Portanto, para persuadir aos fiéis de que, em saciando-os, Deus cumpre o papel do melhor chefe de família, o Profeta insta que “ele dá o alimento a toda a carne” [Sl 136.25]. Finalmente, quando ouvimos [Sl. 34.15, 16], de um lado: “Os olhos do Senhor estão sobre os justos e seus ouvidos atentos às suas preces”; de outro, porém: “Os olhos do Senhor estão sobre os ímpios para extirpar-lhes da terra a lembrança”, saibamos que todas as criaturas, em cima e embaixo, se postam prontas à obediência, para que ele as acomode a qualquer uso que lhe apraz.
Do quê se conclui que sua providência geral não apenas vigora nas criaturas, de sorte a continuar a ordem natural, mas ainda, por seu admirável desígnio, se aplica a um fim definido e apropriado.

João Calvino