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quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Idolatria

Assim rui desmantelada essa frívola defesa com que muitos costumam acobertar a própria superstição. Pois pensam que é bastante nutrir mero zelo pela religião, seja qual for sua natureza e por mais falsa que seja. Não levam em conta, porém, que a verdadeira religião deve ser conformada ao arbítrio de Deus como a uma norma perpétua: que Deus, em verdade, permanece sempre imutável em seu ser; que ele não é um espectro ou fantasma, que se transmuda ao talante de cada um. E pode-se ver meridianamente de quão enganosas aparências a superstição zomba de Deus
enquanto intenta render-lhe preito aprazível.

Pois, apegando-se quase exclusivamente àquelas coisas que Deus tem testificado não serem de seu interesse, a superstição
ou tem com desdém ou então não rejeita dissimuladamente aquelas que ele prescreve e ensina que lhe são do agrado.
Portanto, a seus próprios delírios cultuam e adoram quantos a Deus alçam seus ritos inventados, pois de modo algum assim ousariam gracejar com Deus, se já antes não tivessem moldado um Deus congruente com os absurdos de suas ridicularias.

E assim o Apóstolo sentencia ser ignorância de Deus essa vaga e errônea opinião com respeito à divindade: “Quando desconhecíeis a Deus”, diz ele, “servíeis aos que por natureza não eram deuses” [Gl 4.8]. E, em outro lugar [Ef 2.12], ensina que os efésios haviam vivido sem Deus durante o tempo em que se achavam distanciados
do reto conhecimento do Deus único. Tampouco vem muito ao caso, pelo menos neste ponto, se porventura concebes a um só Deus ou a muitos, porque sempre te apartas do Deus verdadeiro e dele careces quando, deixado ele de parte, nada te resta senão um ídolo execrável. Portanto, com Lactâncio nos impõe concluir que nenhuma religião genuína existe, a menos que esteja em harmonia com a verdade.

João Calvino