pregado na
manhã de domingo, 14 de dezembro de 1856,
Por
Charles Haddon Spurgeon,
No
Music Hall, Royal
Surrey Gardens .
“Sem fé é
impossível agradar a Deus.”
Hebreus 11:6.
O Catecismo da histórica Assembleia de Westminster pergunta: “Qual o fim principal do homem? E sua resposta é: “Glorificar a
Deus e alegrar-se nEle para sempre.” A resposta é perfeitamente correta.
Ainda que também houvera sido igualmente correta, se houvera sido mais curta. O fim principal do homem é “agradar a Deus”, pois ao
fazê-lo (não necessitamos afirmá-lo, porque é um feito fora de toda
dúvida), se
agradará a si mesmo. O fim principal do homem nesta vida e na vindoura, assim cremos, é agradar a Deus, seu Criador. Se um homem agrada a Deus, faz o que mais lhe convém para seu bem-estar
temporal e eterno. O homem não pode agradar a Deus sem atrair para si muita felicidade, pois se alguém agrada a Deus, é porque Deus o aceita
como Seu filho.
Isto é assim porque Ele outorga as bênçãos da adoção, derrama sobre ele a abundância da Sua graça, o abençoa nesta vida e lhe assegura uma coroa de vida eterna, que ele usará e que brilhará
com um lustre inesgotável, todavia quando todas as coroas da glória
terrena tenham sido desfeitas. Pelo contrário, se um homem não agrada a Deus, inevitavelmente atrai para si penas e sofrimentos nesta
vida.
Coloca vermes e podridão nas portas de todas as suas alegrias.
Enche sua almofada mortuária com espinhos e aumenta o fogo eterno com carvões ardentes que vão a consumi-lo eternamente.
O homem que agrada a Deus, mediante a graça divina, vai peregrinando até a última recompensa que esperam aqueles que amam e temem a Deus. Mas o homem que desagrada a Deus tem que ser retirado da presença de Deus, e consequentemente, do gozo da felicidade. Assim diz as Escrituras. Se estivermos certos quando declaramos que agradar a Deus é ser feliz, então a única pergunta importante é: “Como posso agradar a Deus?” E há algo muito solene
no que diz nosso texto: “Sem fé, é impossível agradar a Deus.”
Ou seja, você pode fazer o que queiras, esforçar-se tanto quanto possa, viver da maneira mais excelente que queiras, apresentar os sacrifícios que deseje, distinguir-te como possa em tudo aquilo
que é honrável e de boa reputação; contudo, nada disso pode ser
agradável a Deus, a menos que leve o ingrediente da fé. Como disse o Senhor
aos judeus: “Em toda oferenda, oferecerás sal”, assim Ele diz a nós: “Em tudo o que fazes, deves trazer fé, pois do contrário, sem fé é
impossível agradar a Deus.”
Esta é uma antiga lei. Tão velha como o primeiro homem. Tão logo como Caim e Abel vieram ao mundo e se transformaram em homens, Deus fez uma proclamação prática desta lei que “sem fé é impossível agradá-Lo.” Caim e Abel, em um dia muito ensolarado erigiram dois altares, um junto ao outro. Caim tomou dos frutos
das árvores e da abundância da terra, e colocou tudo sobre seu altar.
Abel
trouxe dos primogênitos dos seus rebanhos, e colocou sobre seu
altar. Ia-se decidir qual dos sois sacrifícios Deus aceitaria. Caim havia
trazido o melhor que tinha, mas o trouxe sem fé. Abel trouxe seu
sacrifício, com
fé em
Cristo. Agora , qual seria melhor recebido? As ofertas eram
iguais em valor; no que se refere à qualidade, eram igualmente boas. Em
qual desses altares desceria o fogo do céu? Qual o Senhor Deus
consumiria com o fogo do Seu agrado? Oh, vejo que a oferta de Abel arde e que
o semblante de Caim decaiu, pois a Abel e sua oferta Deus olhou com agrado, mas não viu com agrado a Caim e sua oferta.
Assim sempre será, até que o último homem seja reunido no céu.
Nunca haverá uma oferta aceitável que não esteja temperada com a
fé. Não importa quão boa seja, com a mesma boa aparência daquela que tem fé: entretanto, a menos que a fé esteja com ela, Deus nunca a
aceitará, pois Ele declara: “sem
fé é impossível agradar a Deus.” Vou tratar de resumir meus pensamentos esta manhã e serei tão breve quanto seja possível, sendo às vezes consistente com uma explicação
completa do tema. Primeiro vou expor
o que é a fé. Em seguida vou argumentar que sem fé é impossível ser
salvo. Em terceiro lugar vou perguntar: Você tem a fé que agrada a Deus? Então,
vamos ter uma
exposição, um raciocínio e uma pergunta.
I. Em primeiro lugar, A EXPOSIÇÃO. O que é a fé?
Os antigos escritores, que eram sumamente sensatos, pois vocês deverão notado que os livros que foram escritos há uns duzentos
anos pelos velhos Puritanos, tem mais sentido em uma só linha do que se encontra em uma página inteira de nossos livros atuais, e contém
mais sentido em uma só página, que todo o sentido que se possa
encontrar em um volume inteiro de nossa teologia atual. Os antigos
escritores nos dizem que a fé se compõe de três elementos: primeiro, conhecimento; segundo, aceitação; e depois, confiança; Ou seja, apropriar-se do conhecimento ao qual lhe damos nossa aceitação e o fazemos nosso
ao confiar nEle.
1. Então, comecemos pelo princípio. O primeiro
elemento da fé é o conhecimento. Um homem não pode crer no que
não conhece. Esse é algo claro e evidente. Se eu não escutei nada acerca de algo por
toda a
minha vida e não o conheço, não posso crê-lo. E, contudo, há
algumas pessoas que tem uma fé como a do mineiro em uma mina de carvão que, quando lhe perguntaram no que ele cria, respondeu: “Eu creio
no
que crê a Igreja.” E, o que crê a Igreja? O mineiro responde: “A
Igreja crê no que eu creio.” Por favor, me diga, o que creem você e a Igreja?
“Pois nós dois cremos no mesmo.” Este homem não cria em nada, exceto que a Igreja estava certa, mas em que, ele não podia dizer. É inútil que um homem afirme: “sou
crente” e, contudo, não saiba em que crê. Eu conheci a pessoas
assim.
Um sermão foi violentamente pregado a deixar os nervos a flor da
pele. O pregador clamaou: “Creiam! Creiam! Creiam!”. E as pessoas rapidamente colocam na cabeça que eram crentes e sairam da Igreja
dizendo: “Sou crente.” E pergunte-se a eles: “Diga-me em que crês?” Não poderiam dar uma razão da esperança que há neles. Eles creem que tem a intenção de ir à Igreja no próximo domingo. Pretendem unirem-se a esse tipo
de gente. Pretendem cantar com muita emoção e ter delírios
maravilhosos.
Como consequência de tudo isso, acreditam que serão salvos. Mas
não podem dizer no que é que creem. Pois, não creio na fé de ninguém a menos que ele conheça o que crê. Se ele diz “Eu creio” e não sabe
no
que crê, como isso pode ser essa uma fé verdadeira? O Apóstolo
disse:
“Como crerão nAquele de
quem nada ouviram? E como crerão, se não há
quem pregue? E como pregarão, se não foram enviados?”
Para que haja uma fé verdadeira, é necessário que o homem saiba algo da Bíblia. Ouçam-me, essa é uma época em que não se valoriza mais a Bíblia como antes. Há uns cem anos o mundo estava saturado
de intolerância, crueldade e superstição. A humanidade sempre
corre de um extremo a outro e agora temos ido ao outro extremo. Naquela época dizia-se: “Só uma fé é a verdadeira, sufoquemos todas as
demais
por meio do tormento e da espada.” Agora, se diz: “Não importa que nossos credos se contradigam, todos são válidos.”
Se usássemos o bom senso saberíamos que isto não é assim. Mas alguns respondem: “Tal e tal doutrina não deve ser pregada e não
deve ser crida.” Então, meu amigo, se não necessita ser pregada, não necessitava ser revelada. Você despreza a sabedoria de Deus quando afirma que uma doutrina não é necessária; pois isso equivale a
dizer que Deus revelou algo que não é necessário e Deus não seria tão
sábio fazendo quer seja mais do que o necessário ou menos do necessário.
Nós cremos que os homens devem estudar toda doutrina que vem da Palavra de Deus e que sua fé deve ser baseada na totalidade das Escrituras Sagradas, especialmente em tudo relativo à Pessoa de
nosso sempre bendito Redentor.
Deve existir certo grau de conhecimento antes de que possa haver fé. “Esquadrinhas as Escrituras”, pois, “porque nelas julgais ter
vida eterna; e são elas que dão testemunho de Cristo.” Como resultado
de
esquadrinha e ler, vem o conhecimento, e pelo conhecimento vem a
fé e pela fé vem a salvação.
2. Mas um homem pode saber algo, e, contudo pode não
ter fé. Pode saber algo e não crer nele. Por conseguinte, o consentimento deve acompanhar a fé; isto é, devemos crer no que conhecemos e ter a
certeza que é a verdade de Deus. Agora, para ter fé, não só basta
que eu leia as Escrituras e as entenda, mas devo recebê-las em minha alma como a própria verdade do Deus vivente. E com devoção e com todo
meu coração devo receber todas as Escrituras como inspiradas pelo Altíssimo, contendo toda a doutrina que Ele requer que eu creia
para minha salvação.
Não está permitido dividir as Escrituras e crer somente naquilo que te pareça bem. Não se lhe permite crer nas Escrituras pela
metade, pois se fazes isso de propósito, não tens a fé que unicamente vê a
Cristo. A fé verdadeira dá seu total consentimento as Escrituras.
Pega uma página e diz “não importa o que se encontre nessa página, eu
creio nela.” Passa ao seguinte capítulo e diz: “Aqui há algumas coisas
difíceis
de entender que os indoutos e os inconstantes distorcem, tal como
o fazem com o resto das Escrituras, para sua perdição. Mas por mais difíceis que sejam, eu creio nelas.”
Considere a Trindade. Não podem entender a Trindade em Unidade, mas crê nela. Vê o sacrifício da expiação. Há algo
difícil na nesse conceito, mas crê nele. E seja o que seja que esteja contido
na revelação, beije este livro com devoção e diga: “Eu o amo todo,
dou meu pleno, sincero e livre consentimento a cada uma de suas palavras,
seja uma ameaça ou uma promessa, um provérbio, um preceito, ou uma benção.” Como tudo é Palavra de Deus, tudo é absolutamente verdadeiro. Isso é o que eu creio. Todo aquele que queira ser
salvo deve conhecer as Escrituras e deve dar-lhes seu total consentimento.
3. Mas um homem pode ter tudo isto e, contudo, não
ter a fé verdadeira. Pois o principal da fé está no terceiro elemento, ou
seja, na confiança na Verdade. Não somente em crer nela,
mas em fazê-la nossa
e descansar nela para nossa salvação. Repousar na Palavra era a palavra que utilizavam os velhos pregadores. Compreenderás esta palavra apoiando-se nela dizendo: “Esta é a Verdade, a Ela confio
minha salvação.” Agora, a fé verdadeira, em sua essência mesma se baseia nisto: em apoiar-se em Cristo. Não me salvará se somente sei que Cristo é um Salvador. Mas me salvará se confio nEle para que seja meu
Salvador.
Não serei livrado da ira vindoura crendo que sua expiação é suficiente, mas serei salvo quando faça dessa expiação minha confiança, meu refúgio e meu tudo. A essência, a essência da fé
está nisto: colocar-se sobre a promessa. O salva-vidas que permanece a bordo de um barco não pode ser um instrumento de salvação do homem que está se afogando, nem tampouco a convicção que o
salvavidas é um excelente e efetivo ajudador, pode salvá-lo. Não! É necessário que ele o tenha ao redor dos seus lombos, ou em suas
mãos.
De outra maneira, se afogará. Para utilizar um velho e conhecido exemplo: suponhamos que no aposento mais alto de uma casa está acontecendo um incêndio. As pessoas se amontoam na rua. Uma pessoa se encontra na habitação que está em
chamas. Como escapará? Não pode saltar para baixo: morreria de imediato. Um homem forte exclama: “Salta em meus braços!” Uma parte da fé é crer que o homem está ali, e outra
parte da fé é crer que o homem é suficientemente forte para segurá-lo. Mas
a essência da fé está em atirar-se nos braços deste homem. Essa é a prova da fé e sua verdadeira essência.
Então, pecador, você deve saber que Cristo morreu pelo pecado. Deve compreender que Cristo pode salvar e também deve crer que
você não será salvo enquanto não confia que Ele é teu Salvador, e que o
é
para sempre. Como disse Hart em seu hino, que realmente expressa o Evangelho
“Confia nEle, confia plenamente,
Não confie em nenhum estranho.
Nada, senão somente Jesus
Pode fazer o bem ao pecador desamparado.”
Esta é a fé que salva. E sem importar quão ímpia tenha sido sua vida até agora, esta fé, se lhe é dada neste momento, apagará
todos os teus pecados, mudará sua natureza e te fará um homem novo em
Cristo Jesus. Lhe conduzirá a viver uma vida santa e fará sua salvação
eterna tão segura, como se um anjo lhe levasse nesta manhã em suas resplandecentes asas e lhe transportasse de imediato ao céu. Você
tem esta fé? Esta é uma pergunta de suma importância. Pois, enquanto
que com fé os homens são salvos, sem fé são condenados. Como disse Thomas Brooks em um de seus admiráveis trabalhos: “Aquele que crê no Senhor Jesus Cristo será salvo, ainda que seus pecados sejam muitos. Mas aquele que não crê no Senhor Jesus Cristo será condenado, ainda que seus pecados sejam poucos.” Você tem fé? Pois o texto declara “Sem fé é impossível agradar a Deus.”
II. Agora chegamos ao ARGUMENTO: porque sem fé, não podemos
ser salvos.
Pois bem, há alguns cavalheiros aqui presentes que dizem: “Agora veremos se o Sr. Spurgeon possui algo de lógica.” Não, senhores,
não o farão, porque nunca pretendi exercitar a lógica. Espero ter a
lógica que
possa falar ao coração dos homens. Não me inclino a usar a lógica mental, que é muito menos poderosa, se posso ganhar o coração dos homens de outra maneira. Mas se fosse necessário, não me daria medo demonstrar que conheço mais de lógica e de muitas outras coisas
que os “homenzinhos” que se incomodam em querer me censurar. Seria bom se soubessem controlar suas línguas, pois isto é, ao menos,
uma parte fina da retórica. Meu argumento será tal que confio em falar ao coração e à consciência, ainda que não agrade exatamente em tudo àqueles que gostam dos discursos bem elaborados por filosofias e silogismos –
“Quem poderia dividir um cabelo, partindo-o
Entre seu lado oeste e seu lado noroeste.”
1. “Sem fé é impossível
agradar a Deus.” Nunca aconteceu um caso registrado na Escritura de alguém que tenha agradado a Deus
sem fé. O capítulo 11 do Livro de Hebreus é o capítulo dos homens que
agradaram a Deus. Escutem seus nomes: “Pela fé Abel ofereceu a Deus o mais excelente sacrifício.” “Pela fé Enoque foi trasladado.” “Pela
fé Noé construiu a Arca.” “Pela fé Abraão ofereceu obedeceu para sair ao
lugar que havia de receber como herança.” “Pela fé habitou estrangeiro
na terra prometida.” “Pela fé Sara deu a luz a Isaque.” “Pela fé ofereceu a
Abraão a Isaque como sacrifício.” “Pela fé Moisés recusou os tesouros dos egípcios.” “Pela fé abençoou Isaque a Jacó.” “Pela fé Jacó abençoou a cada um dos
filhos de José.” “Pela fé José a beira da morte, lembrou do Êxodo dos filhos
de Israel.” “Pela fé passaram o Mar Vermelho como por terra seca.” “Pela
fé
caíram os muros de Jericó.” “Pela fé Raabe, a prostituta, não
pereceu.” “E o que mais digo? Porque o tempo me faltaria contando de Gideão, de Baraque, de Sansão, de Jefté, de Davi, assim como de Samuel e dos profetas.”
Todos estes foram homens de fé. Outros que são mencionados nas Escrituras, também fizeram algo. Mas Deus não os aceitou.
Alguns homens se humilharam e, contudo, Deus não os tem salvado. Assim
fez
Acabe, mas seus pecados não foram perdoados nunca. Muitos homens tem se arrependido e, mesmo assim, não tem foram salvos, porque
seu arrependimento nunca foi correto. Judas se arrependeu, foi e se
enforcou e, contudo, não foi salvo. Alguns homens confessaram seus pecados e não foram salvos. Saul fez assim. Ele disse a Davi: “Tenho pecado, Davi, filho meu.” E, ainda
assim, continuou como antes.
Multidões tem confessado o nome de Cristo e feito muitas coisas maravilhosas, mas, no entanto, nunca agradaram a Deus, por esta simples razão: não tiveram fé. E se não há nenhum só mencionado
nas
Escrituras, que é a história de uns quatro mil anos, não parece
provável que nos outros dois mil anos da história da humanidade houvesse havido um, quando não houve um só nos primeiros quatro mil anos.
2. O seguinte argumento é que a fé é a graça que submete o pecador e não há nada que possa fazer que um homem se humilhe sem fé. Agora, a menos que uma pessoa se humilhe, seu
sacrifício não pode
ser aceito. Os anjos sabem disso. Quando adoram a Deus, cobrem seu rosto com suas asas. Os redimidos também sabem disso. Quando louvam a Deus, lançam suas coroas nos pés de Deus. O homem que
não tem fé dá provas que não pode inclinar-se. Por esta razão é
que não tem fé: porque é muito orgulhoso para crer. Ele declara que não inclinará sua mente, que não se converterá em uma criança crendo
mansamente no que Deus disse que ele deve crer. Ele é muito
orgulhoso e não pode entrar no céu, porque a porta do céu é tão baixa que ninguém pode passar por ela a menos que incline a cabeça. Nunca
houve um homem que pudesse caminhar de maneira ereta até a salvação. Devemos ir até Cristo de joelhos. Pois ainda que Cristo
seja uma porta suficientemente grande para que o maior dos pecadores possa entrar, Ele é uma porta tão baixa que os homens têm que inclinarem-se caso queiram ser salvos. Por isso que é necessária a
fé, pois a incredulidade é uma evidência certa de falta de humildade.
3. E agora, mais razões. A fé é necessária para a
salvação porque a Escritura nos ensina que as obras não podem salvar. Contarei a vocês uma história muito conhecida para que o mais simples dos meus
leitores possa entender o que digo: um ministro saiu para pregar
um dia. Subiu uma colina que se encontrava em seu caminho. Ao pé
dessa colina viviam alguns povos, adormecidos em sua beleza, rodeados de douradas plantações banhadas pelo sol. Mas ele não os pôde ver,
pois sua atenção se concentrou em uma mulher que se concentrava na
porta de uma casa que, ao vê-lo, chegou muito perto dele e disse: “Senhor, tens aí alguma chave que possa me emprestar? Quebrou-se a chave do meu armário, onde há coisas que necessito urgentemente.” O
ministro respondeu: “Não trago nenhuma chave.” A senhora sentiu-se
frustrada, pois pensava que todo mundo devia trazer chaves consigo. “Mas,
ainda supondo,” disse o ministro, “mesmo que tivesse algumas chaves,
podia ser que não funcionassem em sua fechadura e, portanto, não poderia pegar os objetos que queria. Mas não se desespere, alguém vira com uma chave.” “Mas”, disse ele, tratando de aproveitar a ocasião, “alguma vez você ouviu falar sobre a chave do céu?” “Pois, sim”, disse ela
“tenho vivido o suficiente e tenho frequentado à igreja suficientemente
para saber que, se trabalhamos duro, se conseguimos o pão de cada dia mediante o suor de nossa testa e, se atuamos de maneira correta
com nosso próximo. Se nos comportamos como diz o Catecismo, com humildade e reverência diante de nossos superiores, e se cumprimos com nosso dever no lugar onde Deus quis nos colocou; e se oramos
comregularidade, seremos salvos.” “Ah,” disse o bom ministro, “Minha cara senhora, essa é uma chave quebrada, pois você tem transgredido os mandamentos, não tem cumprido com suas obrigações. É uma boa chave, mas você a tem quebrado.” “Rogo-lhe, senhor”, disse ela, crendo que ele entendia
do assunto e se sentindo assustada, “Que tenho feito de errado?”
Disse ele: “O mais importante de tudo: o sangue de Jesus Cristo. Por acaso
você não sabe que a chave do Reino se encontra em Seu cinturão? Ele
abre e ninguém fecha. E ele fecha e ninguém abre.” E explicando-lhes mais
claramente, disse: “É Cristo e somente Cristo quem pode abrir a
porta do céu para você. Não suas boas obras.” “O que?”, disse ela, “são por acaso inúteis nossas boas obras?” “Não”, disse ele, “não, depois da fé. Se você primeiramente crê,
você poderá ter tantas obras como queira. Mas se você crê, você nunca
confiará nelas. Pois se confiar nas boas obras, já as teria
corrompido e não serão mais boas obras. Tenha tantas boas obras como desejar,
mas deposite sua confiança em nosso Senhor Jesus
Cristo. Se não fizer
assim, sua chave nunca abrirá a porta do Céu.”
4. Pois bem, queridos leitores, devemos ter uma fé
verdadeira, porque a velha chave das boas obras está tão danificada por todos
nós que nunca poderemos entrar no paraíso utilizando esta chave. Se
algum
de vocês pretende não ter pecado, eu direi com sinceridade,
engana-se a si mesmo e a Verdade não está nele. Se vocês pensam que mediante suas boas obras vão entrar no céu, não poderiam estar mais enganados. No último Grande Dia, vocês se darão conta que suas esperanças não valiam nada e que como as folhas secas das árvores
no outono, o vento levará todas as suas boas obras. Ou serão
queimadas
pelas mesmas chamas que vocês deverão sofrer eternamente. Cuidem sempre de suas boas obras! Façam-nas depois da fé e lembrem-se, o caminho para a salvação é simplesmente crer em Jesus Cristo. Outra vez digo: sem fé é impossível
serem salvos e agradar a Deus, porque sem fé não há união com Cristo. E a união com Cristo é indispensável para nossa salvação. Se eu chego diante do Trono de Deus com minhas orações, elas nunca serão respondidas, a menos que leve a Cristo comigo. Os habitantes de um antigo reino – os
molossos1 – quando não podiam obter um favor de seu rei, empregavam um método
muito singular. Pegavam o único filho do rei em seus braços e
caindo de joelhos, exclamavam: “Oh, rei, por teu filho, concede-nos o que
lhe pedimos.” O rei sorria e dizia: “Não nego nada àqueles que me
pedem
algo em nome de meu filho!” Assim é com Deus. Ele não negará nada
ao homem que de braço dado com Cristo. Mas se vem só, será lançado fora.
A união com Cristo é, depois de tudo, o principal ponto da salvação. Permitam-me contar uma história para explicar isto: as estupendas Cataratas do Niágara são famosas em todas as partes do mundo. E, ainda que seja maravilhoso escutar seu estrondo, e seja
um magnífico espetáculo, elas têm sido muito perigosas para a vida humana, especialmente quando de maneira acidental alguém é arrastado por suas águas. Há alguns anos, dois homens, um barqueiro e um trabalhador das minas de carvão, navegavam em um bote e foram arrastados de maneira vertiginosa pela correnteza e ambos, inevitavelmente,
cairiam no abismo e seriam despedaçados. Umas pessoas na margem os viram, mas nada podiam fazer para resgatá-los. Finalmente, a um dos dois homens lançaram uma corda, a qual ele se agarrou. No mesmo
instante que a corda chegou em suas mãos, um tronco passou flutuando perto do outro homem. O imprudente e confundido barqueiro, em vez de pegar a corda que já estava com seu companheiro, se agarrou no tronco. Foi um erro fatal. Ambos estavam em perigo iminente, mas o companheiro foi arrastado até a margem porque pôde agarrar-se na
corda que as pessoas que estavam em terra firme seguravam,
enquanto que o outro, agarrado ao tronco, foi arrastado irremediavelmente e nunca mais se soube dele.
Vocês não vêem nesta história uma ilustração prática? A fé nos une a Cristo. Cristo está na margem do rio, segurando a corda da
fé, e, se nós nos agarramos nela com a mão da confiança, Ele nos levará
até a margem. Mas nossas boas obras, sem nenhum vínculo com Cristo, sãoarrastadas até o abismo da mais terrível desesperação. Não importa quão forte nos agarremos a essas boas obras, não poderemos nos
salvar o mínimo possível. Seguramente, vocês percebem o que quero
mostrarlhes.
Alguns põem objeções as minhas ilustrações. Eu as seguirei utilizando até que eles cansem de se opor. A verdade nunca é proclamada com mais poder aos homens do que quando se diz a eles, como Cristo também fez, uma história de certo homem com dois
filhos, ou a de certo proprietário que saiu de viagem e dividiu sua
fortuna e deu a um homem dez talentos e a outro homem um talento. A fé,
então, é a união com Cristo. Tratem de alcançá-la. Pois, se não o
fizerem, agarrados às suas boas obras serão arrastados pela correnteza. Abracem suas obras e se afundarão no abismo! Perdidos, porque suas boas obras não estão unidas a Cristo e não tem vínculo nenhum com
o bendito Redentor! Mas você, pobre pecador, carregado com todo seu pecado, se a corda rodeia teu corpo e Cristo a sustenta, não temas –
“Sua honra está comprometida a salvar
A pior de suas ovelhas.
Todo aquele que seu Pai Celestial lhe deu
Suas mãos certamente segurarão.”
5. Somente um argumento mais e terei terminado. “Sem fé é impossível agradar a Deus.” Porque sem fé é impossível
perseverar na santidade. Que grande multidão de cristãos de conveniência temos hoje em
dia! Muitos cristãos parecem com alguns marinheiros, que em bom clima navegam na superfície do mar em um esplêndido esquadrão, como os poderosos barcos. Mas, no mesmo instante que o vento forma
ondas, baixam as velas e se afundam nas profundezas do mar. Muitos cristãos atuam dessa maneira. Em boa companhia, nos salões evangélicos, em lugares cristãos, nas capelas e nas
sacristias, são tremendamente religiosos. Mas se os expõem um pouco ao
ridículo, se alguém zomba deles, e lhes chamam Metodistas, Presbiterianos,
ou algo parecido, neste instante se acaba sua religião até o próximo
dia bom. Depois, quando o dia é agradável outra vez e a religião lhes
é útil para seus propósitos, novamente acendem suas velas e voltam a ser piedosos como antes.
Acreditem, esse tipo de religião é pior que a falta de religião. Aprecio muito a um homem que é justo: um homem íntegro. E se algum homem não ama a Deus, não lhe permita que ele diga que ama. Pois,
se
é um verdadeiro cristão, um seguidor de Jesus, que assim o diga e sustente sua fé e palavra. Não há razão de envergonhar-se disso. A única coisa que devemos nos envergonhar é a hipocrisia. Sejamos honestos quando professamos nossas crenças e isto será nossa
glória. Ah, o que fariam sem fé em tempos de perseguição? Vocês, pessoas “boas” e “piedosas” e sem fé, o que fariam se a forca fosse
colocada
novamente para perseguir os cristãos de Smithfield e se novamente
os santos do Senhor fossem jogados na fogueira até virarem cinzas? Que fariam se prendessem novamente os Lolardos, esses antigos reformadores? Ou se os instrumentos de tortura fossem usados novamente? Que fariam se o cepo fossem utilizado para pegar os cristãos, como já foi outrora utilizado por uma igreja protestante
do passado2, dando testemunho a perseguição em contra de meu predecessor Benjamim Keach, que foi posto no tronco em Ayslesbury
por escrever um livro sobre o batismo infantil? Ainda assim, se a
forma mais benigna de perseguição reaparecesse, tenho certeza que muitas pessoas se dispersariam por diversas partes! E muitos pastores
abandonariam seus rebanhos.
Uma história mais, que confio que lhes fará ver a necessidade da fé, e que me conduz à última parte de meu discurso. Uma vez, uma americano que possuía escravos, na ocasião da compra de mais um, perguntou ao vendedor: “Diga-me honestamente quais são seus defeitos.” O vendedor respondeu: “Não tem nenhum defeito, que eu saiba, exceto um, e esse defeito é que ele ora.” “Ah!”, exclamou o comprador, “isso não me agrada, mas sei de algo que o curará logo desse mal”. Então, na noite seguinte, Cuffey (assim se chamava o escravo) foi surpreendido na plantação por seu novo amo enquanto orava pedindo por seu novo dono, sua esposa e sua família. O homem escutou a oração e na hora não disse nada. Mas, na manhã seguinte chamou
Cuffey e disse-lhe: “Não quero discutir contigo, homem, mas não aceitarei orações em minha propriedade. Então, abandone esta
prática.” “Meu amo,” respondeu o escravo, “não posso deixar de orar. Eu devo
orar sempre.” “Se insistes em orar, te ensinarei a fazê-lo.” “Meu amo, devo continuar fazendo isto.” “Bem, então te darei vinte e cinco açoites por dia, até que deixe de fazer isto.” “Meu
amo, ainda que me açoites cinquenta vezes, devo orar.” “Pois, por causa
de toda insolência que responde ao seu amo, receberá os açoites de imediato.” Então, amarrando-o, lhe deu vinte e cinco açoites e lhe perguntou se iria orar de novo. “Sim, meu amo, devemos orar
sempre, não podemos deixar de orar.” O amo o olhou para ele assombrado.
Não podia entender como um pobre homem poderia continuar orando, quando não parecia fazer-lhe nenhum bem e só lhe trazia
perseguição. O senhor contou á sua esposa o que aconteceu.
Sua esposa lhe disse: “por que não permites que o pobre homem ore? Cumpre muito bem com seu trabalho. A você e a mim não nos interessa o tema da oração, mas não há nada de mal em deixá-lo
orar,
sobretudo, se continua realizando bem seu trabalho.” “Mas a mim
não agrada,” respondeu o amo. “Espantei-me tremendamente. Se você tivesse visto como ele me olhava” “Estava com raiva?” “Não, isso
não me incomodaria. Mas depois de tê-lo açoitado, me olhou com lágrimas
nos olhos como se tivesse mais pena de mim, do que dele mesmo.” Nessa mesma noite o senhor não conseguiu dormir. Dava voltas na cama de um lado a outro. Lembrou-se dos seus pecados. Lembrou que havia perseguido a um santo de Deus. Levantando de sua cama, falou: “esposa, podes orar por mim?” “Nunca orei em minha vida,” respondeu ela, “não posso orar por ti.” “Estou perdido,” disse ele, “se
alguém não orar por mim. Eu não posso orar por mim mesmo.” “Não conheço ninguém na plantação que saiba orar, exceto Cuffey,” disse a
esposa.
Fizeram soar a campainha e trouxeram a Cuffey. Tomando a mão de seu escravo, o amo falou: “Cuffey, podes orar por mim?” “Meu amo,” respondeu o escravo, “tenho orado pelo senhor desde que mandou-me
Fizeram soar a campainha e trouxeram a Cuffey. Tomando a mão de seu escravo, o amo falou: “Cuffey, podes orar por mim?” “Meu amo,” respondeu o escravo, “tenho orado pelo senhor desde que mandou-me
açoitar e tenho a intenção de seguir orando sempre pelo senhor.” Cuffey pôs-se de joelhos e derramou sua alma em lágrimas e tanto a esposa como o marido foram convertidos. Este negro não poderia conseguir isto sem fé. Sem fé, não teria sustentado sua
decisão, e teria exclamado: “meu amo, neste momento deixo de orar. Odeio os açoites do homem branco.” Mas por causa da perseverança por sua
sua fé, o Senhor o honrou e deu-lhe a alma de seu amo em recompensa.
III. E agora como conclusão, A
PERGUNTA, a pergunta vital. Querido leitor: você tem fé? Crê no Senhor Jesus Cristo de todo seu coração? Se é assim, então pode confiar que é salvo. Sim, você
pode concluir com absoluta certeza que nunca verá a perdição. Tem fé? Ajudo-lhe a responder esta pergunta. Vou lhe submeter a três
provas, que serão muito breves, para que não se canse, e logo nos despediremos.
Quem tem fé, renunciou sua justiça
própria. Se você põe um átomo de confiança em si mesmo, não tem nenhuma fé. Se põe uma partícula de confiança em qualquer outra coisa que não seja a obra de
Cristo, não
tem fé. Se confia em suas obras, essas obras são Anticristo, e
Cristo e Anticristo não podem estar juntos. Para Cristo é tudo ou nada. Ele
deve ser o Salvador suficiente ou não o será completamente. Se tem fé,
então podes dizer –
“Nada em minha mãos trago,
Somente à Cruz me agarro.”
A fé verdadeira pode ser reconhecida por isto: expressa um grande estimação pela Pessoa de Cristo. Ama a
Cristo? Darias tua vida por Ele? Buscas servi-lo? Ama o povo de Deus? Pode dizer:
“Jesus, amo Teu nome encantador,
É música para meu ouvido.”
Oh, se você não ama a Cristo, então não crê nEle, pois, crer em Cristo produz amor. E ainda digo mais: aquele que tem fé
verdadeira terá submissão verdadeira. Se um homem diz ter fé e não tem obras,
está mentindo. Se alguém declara crer em Cristo e não vive uma
vida santa, mente. Pois, ainda que não confiemos nas boas obras, sabemos que a fé sempre gera boas obras. A fé gera santidade. E não tem como
produzir nada de bom, se não ama a Cristo. As bênçãos de Deus são dadas com ambas as mãos, são duplas. Com uma mão Ele dá o perdão. Com a outra mão, sempre dá a santidade. E nenhum homem pode ter uma bênção sem a outra.
E agora, meus queridos leitores, devo colocar-me de joelhos e implorar-lhes, em nome de Cristo, que responda cada um desta pergunta no silêncio do seu quarto: você tem fé? Oh,responda: Sim
ou
não? Por favor, não digas “não sei” ou “não me importa.” Ah, um
dia você vai se importar, quando a terra trema e o mundo se sacuda de
um lado para outro. Você se importará quando Deus lhe chame a juízo e
condene aos incrédulos e aos ímpios. Oh, sejas sábio, que se
importe agora. Se algum de vocês sente que necessita de Cristo, rogo a
vocês, em nome de Jesus, que busque fé nEle, que é exaltado nas alturas,
para dar arrependimento e remissão dos pecado. E se Ele lhe deu arrependimento, lhe dará também a remissão dos pecados.
Oh, pecadores que conhecem seus pecados! “Creiam no Senhor Jesus e serão salvos.” Descansem no Seu amor e em
Seu sangue, em Sua obra e em Sua morte, em Seus sofrimentos e em Seus méritos. E
se
assim você fizerem, jamais cairão, mas serão salvos agora e serão
salvos nesse grande dia, quando não ser salvo será verdadeiramente
terrível. “Convertei-vos,
convertei-vos; por que morrereis, casa de Israel?”
Descansem nEle, toquem nas orlas de Suas vestes e serão salvos.
Que Deus os ajude a fazerem assim. Por Cristo nosso Senhor. Amém,
Amém.
Ame o Senhor Jesus Cristo! – por Thomas Brooks
Fonte: Puritansermons.com
Tradução: OEstandarteDeCristo.com