Daqui esse
horror e espanto com que, a cada passo, apregoa a Escritura terem os santos
sido tocados e afligidos, sempre que sentiam a presença de Deus. Quando, pois,
vemos aqueles que, não lhe considerando a presença, seguros e firmes se
mostravam, mas, em manifestando ele sua glória, tão abalados e aterrados
se quedavam, como se fossem prostrados pelo pavor da morte, mais até, a
tragá-los, e quase aniquilados, deve concluir-se daí que o homem não é
jamais tangido e afetado suficientemente pelo senso de sua indignidade, senão
depois de comparar-se com a majestade de Deus.
E desta
consternação temos numerosos exemplos, tanto em Juízes quanto nos Profetas.
Tanto assim, que essa expressão veio a tornar-se costumeira entre o povo de
Deus: “Morreremos, pois que nos apareceu o Senhor.” De igual modo, também a história
de Jó, com o fito de quebrantar os homens pelo reconhecimento de sua estultícia,
fraqueza e corrupção, sempre o argumento mais importante é extraído da descrição
da divina sabedoria, poder e pureza [Jó 38.1–40.5].
E não sem razão,
pois vemos como Abraão melhor se reconhece como sendo terra e pó desde que se
chegou mais próximo à contemplação da glória do Senhor [Gn 18.27]; como Elias
não ousa, de face descoberta, atentar para a manifestação [1Rs 19.13], tanto a
presença divina o moveu de terror!
E que haja
de fazer o homem, podridão [Jó 13.28] e verme que é [Jó 4.7; Sl 22.6],
quando até mesmo os próprios querubins deviam cobrir o rosto, movidos desse
pavor? [Is 6.2]. É isto com efeito o que diz o Profeta Isaías: “Enrubescer-se-á
o sol e confundir-se-á a lua, quando o Senhor dos Exércitos vier a reinar” [Is
24.23], isto é, quando revelar seu fulgor, e mais perto o trouxer,
diante dele se cobrirá de trevas tudo quanto de mais esplêndido exista [Is
2.10, 19].
Joâo Calvino