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sábado, 19 de outubro de 2019

Quando você tenta entronizar a criatura!

Oh Cristão! Deus removeu um de seus mais doces confortos, prazeres e benesses! Pode ser que você os tenha amado demais, estimado demais e se encantado demais com eles. 

Bem pode ser que eles, muitas vezes, possuíram seu coração quando deveriam possuir apenas a sua mão. Pode ser que seus cuidados, preocupações, confiança e contentamento tenham sido postos em tais confortos e prazeres ao invés de serem postos em objetos mais nobres!

Seu coração é o leito de especiarias de Cristo, e bem pode ser que você tenha alojado nele suas próprias benesses, enquanto Cristo foi colocado para fora! A elas você dedicou o melhor de si, enquanto o pior foi relegado a Cristo!

Diz-se de Rúben que ele subiu ao leito de seu pai (Gênesis 49:4). Ah! Quão frequentemente algum conforto da criatura coloca-se entre a alma e Cristo! Quantas vezes seus queridos prazeres vão para o leito que é exclusivamente de Cristo! Suas mais próximas e estimadas benesses têm ocupado o leito de amor de Cristo — o seu coração!

Agora, se você aceitar um marido, um filho, um amigo e introduzi-lo naquele quarto da sua alma, que só pertence a Deus, Ele os amargará, os removerá ou os trará à morte. Se acontecer que o amor de uma esposa se volte mais para um criado do que para o marido, este removerá o criado, ainda que o tal criado tenha tão grande valor como o do ouro.

Agora, se Deus o privou de Sua misericórdia pelo fato de você ter muitas vezes cometido adultério espiritual e idolatria, tem você algum motivo para murmurar? Há aqueles que amam suas benesses até o túmulo, que as abraçam até à morte e lhas  beijam até que tais o matem! Em muito um homem tem arruinado suas benesses por ornamentá-las demais acima de qualquer valor! Em muito um homem tem afundado seu navio de benesses por sobrecarregá-lo. Um amor elevado pelas benesses raramente tem longa duração. A maneira de se perder suas benesses é satisfazê-las! O caminho para destruí-las é concentrar suas mentes e corações nelas. Você pode escrever amargura e morte sobre aquela primeira benesse que inicialmente tomou de Deus o seu coração.

Cristão! Seu coração é o trono real de Cristo, e neste trono Cristo será o chefe! Ele jamais suportará qualquer concorrente! Se você tentar entronizar a criatura, ela nunca lhe será próxima e querida, pois Cristo vai destroná-la! Ele vai destruí-la! Quem aspirar ao Seu trono real, Ele vai rapidamente colocá-lo no leito de pó!

“Dize à casa de Israel: Assim diz o Senhor Deus: Eis que eu profanarei o meu santuário, a glória da vossa força, o desejo dos vossos olhos, e o anelo das vossas almas; e vossos filhos e vossas filhas, que deixastes, cairão à espada” (Ezequiel 24:21).

Thomas Brooks

Você tem sido por muito tempo uma concentração de ferrugem

“Oh! Mas minhas aflições são maiores do que as dos outros homens! Oh! Não há aflição como a minha! Como posso não murmurar?”. Pode ser que os seus pecados sejam maiores do que os de outros homens. Se você tiver pecado contra mais luz, mais amor, mais misericórdias e mais promessas, não é de admirar que suas aflições sejam maiores do que a dos outros! Se este for o seu caso, você tem mais motivos para estar em silêncio do que para murmurar!

Pode ser que o Senhor considere muito necessário fazer com que suas aflições sejam maiores do que as dos outros. Pode ser que seu coração seja mais endurecido, mais orgulhoso e mais inchado do que os corações de outros homens. 

Ou que seja mais impuro, mais carnal, mais egoísta e mais mundano do que os outros; ou então mais enganoso e mais hipócrita ou mais frio e descuidado ou mais formal e morno do que outros.

Agora, se esse for o seu caso, certamente Deus considera muito necessário que suas aflições sejam maiores que a dos outros a fim de quebrar a dureza de seu coração, humilhar o seu orgulho, limpar sua sujeira para então, espiritualizar a carnalidade de seu coração. 

Por isso, não murmure!
Quando a doença é forte, o remédio deve ser forte; caso contrário, a cura nunca acontecerá! 
Deus é um sábio médico, e Ele nunca daria remédio forte se um mais fraco pudesse realizar a cura! Quanto mais enferrujado for o prego mais necessário será deixá-lo no fogo para purificá-lo. 

E quanto mais torto for, maiores e mais fortes serão os golpes necessários para  endireitá-lo.

Você tem sido por muito tempo uma concentração de ferrugem, e, portanto, se Deus está tratando assim com você, não há motivo algum para reclamar. 

“Porque o Senhor corrige a quem ama, e açoita a todo filho a quem recebe” (Hebreus 12:6)

Thomas Brooks

Uma concupiscência não mortificada!

De nada valerá suas mais fortes resoluções ou propósitos se não tiverem a graça do Espírito o qual pode dominar a concupiscência. Uma alma agitada continuará seu curso, apesar de determinarmos e dizermos que não. Era o sangue do sacrifício e do azeite que, pela lei, purificava o leproso. E por isso entendemos a respeito do sangue de Cristo e da  graça do Seu Espírito (Levítico 14:14-16). Foi o tocar das vestes de Cristo que curou a 
mulher do seu fluxo de sangue.

As suas mais fortes resoluções ou propósitos podem esconder um pecado, mas não podem  apagá-lo. Elas podem cobrir um pecado, mas não podem removê-lo. 
O remendo preto3 pode cobrir uma ferida, mas não curá-la! Também não são os purgatórios dos papistas, as  vigílias, as chibatadas, nem o beijo da estátua de São Francisco ou a lambedura da ferida  de leprosos que vão remover a lepra roedora do pecado!

Na força de Cristo e na força do Espírito, empenhe-se profundamente na mortificação de 
toda espécie de concupiscência! Oh, não abrace, não ceda, mas empenhe-se 
resolutamente na para destruir toda luxúria! 
Um vazamento num navio o fará afundar! Uma  punhalada certeira é capaz de matar um Golias tanto quanto as vinte e três que mataram  César! Uma Dalila pode fazer tão mal a Sansão quanto fizeram todos os filisteus! 

Uma  engrenagem quebrada estraga todo o relógio! Um sangramento numa artéria fará perder  todos os sinais vitais! Uma mosca vai estragar todo o pote de unguento! Uma erva amarga vai estragar todo o ensopado! Ao comer o fruto Adão perdeu o paraíso! Uma gota de mel  colocou em perigo a vida de Jônatas! Um Acã foi um problema para todo o Israel! Um Jonas  suscita uma tempestade e torna-se um fardo pesado demais para o navio inteiro!


3 Remendo preto — um pequeno pedaço de seda preta, muitas vezes de forma extravagante, usado  no rosto, quer para esconder uma falha ou, mais geralmente, para mostrar a tez por contraste. Na 
moda, especialmente entre as mulheres nos séculos 17 e 18.

Da mesma forma, uma concupiscência não mortificada atraíra fortes tempestades e muitas tormentas na alma! E, portanto, enquanto você tem uma abençoada calma e quietude em seu próprio espírito sob aguda provação, empenhem-se cuidadosamente na obra da mortificação.

Gideão teve setenta filhos e apenas um deles bastardo, apenas um, e ele destruiu todos os seus setenta filhos! Ah, Cristão! Você não sabe o que imensidão de danos uma  concupiscência não mortificada pode fazer? Portanto, não deixe nada satisfazê-lo senão apenas a morte de todas as suas concupiscências.


Thomas Brooks

Tudo deste lado do Inferno é misericórdia

Oh! Trabalhe todos os dias para vir a ser mais humilde; mais diminuto e pequeno aos seus próprios olhos. 

“Quem sou eu”, diz a alma humilde, “senão aquele sobre quem Deus faz repousar Sua misericórdia e de mim a tira, passando sobre cada misericórdia uma sentença de morte? Eu não sou digno da menor misericórdia; eu não mereço uma migalha de misericórdia; eu tenho desprezado cada misericórdia”.

Da soberba vem apenas contenção. É o orgulho que move os homens a contenderem com Deus. Uma alma humilde repousará tranquila aos pés de Deus e se contentará com as
necessidades básicas. 

O homem humilde aprecia bem um jantar de legumes, enquanto um boi cevado é apenas um prato grosseiro ao estômago do homem orgulhoso. Um coração humilde não considera alguém inferior ou pior do que a si mesmo. 

Um coração humilde olha para as pequenas misericórdias como grandes misericórdias, e para as grandes aflições como pequenas aflições, e para as pequenas aflições como se não fossem aflições, e, portanto, fica mudo e silencioso sob todas elas. Mantenha-se humilde e você ficará em silêncio diante do Senhor.

Lance fora o orgulho, a agitação e a inquietação; assim, um homem humilde manterá a mão sobre sua boca. Tudo deste lado do Inferno é misericórdia, muitas e ricas misericórdias para uma alma humilde; e, portanto, ela permanece muda debaixo da ardente vara.


Thomas Brooks

O Pai sabe o que é melhor!


“Pois eles por alguns dias nos corrigiam como bem lhes parecia; mas este, para nosso proveito, para sermos participantes da sua santidade” (Hebreus 12:10).
O que Deus, nosso Pai deseja é o melhor. 

Quando Ele quer a doença, esta é melhor do que a saúde. Quando Ele quer a fraqueza, esta é melhor do que a força. Quando quer a pobreza, esta é melhor do que a riqueza. Quando quer a repreensão, esta é melhor do que a honra. Quando quer a morte, esta é melhor do que a vida.

Posto que Deus é a própria sabedoria, assim sabe o que é melhor; sendo Ele a própria bondade, não fará nada daquilo que não seja o melhor; portanto, permaneça em silêncio diante do Senhor.

Thomas Brooks

Quando Munster estava doente


“Eu repreendo e castigo a todos quantos amo; sê pois zeloso, e arrepende-te”  (Apocalipse 3:19). “Porque o Senhor corrige o que ama, e açoita a todo filho a quem recebe” (Hebreus 12:6). Todas as aflições que vêm sobre os santos são os frutos do amor divino.


 Possivelmente Sebastian Munster (1488-1522) — um estudioso do hebraico e um parceiro do reformador Martinho Lutero. Munster morreu de peste em 1552 e a referência de Brooks possivelmente se relaciona com as feridas e úlceras resultantes da doença de que morreu.

Quando Munster estava doente e seus amigos lhe perguntaram como se sentia, ele apontou para as suas muitas feridas e úlceras e disse: “Essas são pedras preciosas e joias de Deus com as quais Ele golpeia os seus melhores amigos, e para mim são mais preciosas do que todo o ouro e prata do mundo!”.

“Foi-me bom ter sido afligido...” (Salmos 119: 71). No amor, ó Cristão, Deus o aflige! Por isso Lutero clamava “Golpeia, Senhor, golpeia, Senhor! E não poupe!”.

Thomas Brooks


Então a escória aparece!


Poucos Cristãos veem e compreendem a si mesmos corretamente. Nas provações, Deus revela grande parte da pecaminosidade de um homem a fim de levá-lo à piedade.  Quando o fogo é colocado sob a panela, logo aparece a escória. 

Assim, quando Deus prova uma pobre alma, Oh! Como... a escória do orgulho, a escória da murmuração, a escória da desconfiança, a escória da impaciência, a escória do mundanismo, a escória da carnalidade, a escória da loucura, a escória da obstinação — que se revela no coração da pobre criatura?

Os julgamentos são o espelho de Deus em que Seu povo pode ver suas próprias falhas.  Oh! Que frouxidão, que vileza, que miséria, que bacia de imundícia, que abismo de maldade que as provações revelam existir em seus corações! 

“Eis que te purifiquei, mas não como a prata; eu escolhi-te na fornalha da aflição” (Isaías 48:10).


Thomas Brooks

Todo Inferno que você alguma vez terá!


Considere Cristão, que todas as provas e problemas, calamidades e misérias, cruzes e  perdas que você encontrar neste mundo, será o único Inferno que você terá!

Aqui e agora, você tem o seu Inferno. Logo mais, você deverá ter o seu Céu! Sua pior  condição é aqui e agora; o melhor ainda está por vir!

Lázaro teve primeiro o seu Inferno, e, por último, o seu Céu; mas o Dives1 (homem rico)  teve primeiro o seu Céu e, por último, o seu Inferno. Aqui você tem todas as suas dores e mais dores, e deverá ter sempre seus estertores! Mas seus anelos, descanso e prazer ainda estão por vir!


1 Dives: uma palavra latina para “rico” ocorrendo na Vulgata, Lucas 16; comumente tomado como o nome próprio do homem rico na parábola e que é usado genericamente para “homem rico”.

Aqui você tem todas as suas amarguras, mas as suas doçuras ainda estão por vir! Aqui  você tem as suas tristezas, mas as suas alegrias ainda estão por vir! ]  Aqui você tem todas as suas noites de inverno, mas os seus dias de verão ainda estão por vir! Aqui você tem todos os seus males, porém, suas benesses ainda estão por vir!

A morte porá fim a todos os seus pecados e a todos os seus sofrimentos! A morte será uma entrada para essas alegrias, prazeres e confortos que nunca terão fim! Quem pode meditar seriamente sobre isso sem que fique em silêncio sob o ardor da vara  de Deus?


Thomas Brooks

Porque o Senhor corrige o que ama


Quando Ele não demonstra ira!

Não pode haver uma maior evidência do ódio e da ira de Deus do que Sua recusa em  corrigir os homens por seus caminhos pecaminosos e por suas vaidades!

Quando Deus recusa-se a corrigir, resolve destruir! Não há homem tão perto do machado  de Deus, tão perto das chamas, tão perto do Inferno, quanto aquele a quem Deus deixa de  colocar em grande medida sob sua vara! 

“Eu repreendo e castigo a todos quanto amo; sê,  pois zeloso, e arrepende-te” (Apocalipse 3:19).

Deus mostra-se muito mais furioso quando Ele não demonstra ira! Quem pode meditar seriamente sobre isso e não ficar em silêncio sob o ardor da vara de  Deus?


Thomas Brooks


domingo, 29 de setembro de 2019

Tentação e mortificação do pecado


O Novo Testamento nos dá, indubitavelmente, ensinos claros sobre a liberdade que os cristãos têm em Cristo. Infelizmente, não é difícil alguns perverterem esse ensino. 
Lenta e deliberadamente as salvaguardas da santa lei de Deus são removidas e a liberdade cristã se transforma em licença para pecar. 

Se os cristãos percebessem logo no início do ensino par onde a falsa interpretação os estaria levando, provavelmente eles se voltariam dela horrorizados. Pode bem ser que muitos desses ensinadores, eles mesmos, não saibam para onde seus ensinamentos os estão conduzindo. A princípio o desvio da verdade parece ser pequeno e insignificante. 

Sem se aperceberem, tais ensinadores e seus seguidores se afastam mais e mais da verdade, até que se constate que “mudaram a verdade de Deus em mentira” (Rm 1.25). Em tempos de crescente impiedade, o padrão da piedade do povo de Deus decairá. Este declínio começará com alguns cristãos que se tornarão relaxados, mundanos, sendo negligentes com seus deveres cristãos. Estes cristãos questionarão os velhos caminhos e se sentirão a vontade para seguir seus desejos pecaminosos. 

Inicialmente, outros cristãos os condenarão e, talvez, até mesmo os repreendam. Depois de algum tempo, porém, maior número de cristãos se acomodará ao exemplo destes poucos cristãos. Não vai demorar muito para que seja difícil encontrar alguém que realmente seja piedoso. Este princípio, o de que “um pouco de fermento leveda a massa toda” (1Co 5.6; Gl 5.9), precisa ser levado a sério. Com apenas uns poucos cristãos influentes prosseguindo em seu declínio espiritual e justificando-se diante dos outros, logo uma multidão seguirá o exemplo deles. 

É mais fácil seguir a multidão para praticar o mal do que se colocar firme do lado daquilo que é certo. O mesmo princípio se evidencia na questão do ensino falso. Você não mortificará nenhum pecado a não ser que, sincera e diligentemente, busque lidar com todo pecado. Para colocar isto de modo bem simples, ao cristão não é dada a opção de decidir qual é o pecado na sua vida que precisa ser mortificado. Se o cristão não estiver comprometido com a mortificação de cada um e de todos os pecados na sua vida, não alcançará sucesso na mortificação de um único pecado. 

Permitam-me explicar o que quero dizer de um modo ainda mais completo. Um cristão é provado por um desejo pecaminoso. Este desejo pecaminoso (pense naquele que melhor se aplica a você) perturba o cristão. Está sempre derrotando-o e rodeando-o de modo que ele aspira por uma libertação completa. Não apenas isso, ele luta, na verdade, contra esse pecado, ora e lamenta quando é derrotado por ele. Ao mesmo tempo, contudo, há outros deveres da vida cristã que ele não leva muito a sério. Pode passar dias sem desfrutar de verdadeira comunhão com Deus. Pode ler sua Bíblia de um modo casual, negligenciando a meditação na Palavra de Deus e gasta pouco ou nenhum tempo em oração. 

Estes deveres negligenciados ou executados de modo indiferente na sua vida cristã são pecados (pecados de omissão), mas não o perturbam como o pecado do qual deseja ser liberto. Bem, o ponto que estamos procurando enfatizar é que o cristão não deve esperar obter libertação do pecado que o perturba enquanto não começar a tratar os outros pecados com a mesma seriedade. Quem quiser mortificar qualquer forma perturbadora de lascívia na sua vida, de modo completo e aceitável, deve cuidar de ser igualmente diligente na obediência a todos os deveres aos quais Deus o chama. Deve, também, saber que todo desejo pecaminoso, toda omissão no cumprimento do dever, entristece a Deus. 

Enquanto houver um coração enganoso, que esteja preparado para negligenciar a necessidade de lutar pela obediência em cada área, haverá uma alma fraca que não está permitindo que a fé execute toda sua obra. Qualquer alma que se encontre numa condição tal de fraqueza, não tem o direito de esperar o sucesso na obra da mortificação. Por que as coisas são assim? Há duas razões. Em Primeiro lugar, esta tentativa de alcançar uma mortificação parcial se baseia num raciocínio falso. Sem ódio ao pecado como pecado (e não apenas ódio das suas conseqüências perturbadoras) e um sentimento do amor de Cristo na cruz, não pode haver a verdadeira mortificação espiritual. Ora, esta tentativa de mortificação não evidencia estar sendo motivada pelo ódio ao pecado como pecado e a um reconhecimento do amor de Cristo na cruz. 

Antes, o motivo é tão-somente o amor próprio. Certo pecado em particular perturba a paz desta pessoa e o seu bem-estar, e  então ela luta contra este pecado simplesmente para obter novamente a paz e o bem-estar. A esta pessoa, um pastor fiel precisaria dizer: Amigo, você tem negligenciado a oração e a leitura da Bíblia. Você tem sido descuidado quanto ao exemplo de vida que dá aos outros. Estas coisas são tão pecaminosas e más como o pecado que você está procurando vencer. Jesus derramou Seu sangue por esses pecados também. Por que você não se esforçou para vencê-los? Se você realmente odiasse o pecado, você seria tão vigilante em relação a tudo que entristece e perturba o Espírito Santo como está sendo em relação a este pecado que perturba sua alma. 

Acaso você não percebe que sua batalha contra o pecado se volta tão somente para a busca da sua paz e do seu bem-estar? Pensa que pode contar com a ajuda do Espírito Santo para livrá-lo do pecado que lhe perturba quando não demonstra nenhuma preocupação em lidar com outros pecados que O entristecem tanto quanto esse que perturba você? O que quer que possamos pensar, a obra da mortificação que Deus requer é um comprometimento total com a mortificação de todo pecado. Se um cristão sinceramente pretende fazer o que Deus requer, pode contar com a ajuda do Seu Espírito. Se o cristão está apenas interessado em fazer sua própria obra (ou seja, simplesmente mortificar o pecado que o perturba) Deus o entregará a lutar pela sua própria força. 

O mandamento é: "purifiquemo-nos de toda impureza, tanto da carne, como do espírito, aperfeiçoando a nossa santidade no temor de Deus" (2 Cor. 7:1). Se fizermos alguma coisa, é mister que tentemos fazer todas as coisas. Leitor, você precisa deixar que estas e outras considerações semelhantes o levem a uma clara consciência da culpa pelo desejo pecaminoso que habita em você. Não subestime nem procure desvencilhar-se da sua culpa nisto, ou seu desejo pecaminoso se fortalecerá e prevalecerá sem que você o perceba. Nossa atenção deve se voltar para a dependência do cristão na obra do Espírito Santo na execução do seu dever de mortificar o pecado. A verdade que procuro enfatizar pode ser resumida como se segue: Só o Espírito Santo é competente para fazer esta obra. 

Os métodos e os meios nada podem alcançar sem a Sua ajuda. O Espírito Santo atua no cristão como Lhe apraz, para dirigi-lo e revesti-lo de poder nesta obra. Muitos remédios têm sido sugeridos; alguns deles bem conhecidos, mas que não curam ninguém. O ensino mais desenvolvido do catolicismo romano está envolvido com meios e métodos errôneos de mortificar o pecado. Este envolvimento se expressa por se vestir de panos de saco, fazer votos, jejuar, praticar penitências, etc. Todas essas coisas supostamente mortificam o pecado, mas elas não o fazem. 

Infelizmente, tais ideias sobre a mortificação não estão restritas à igreja católica romana. Há certos chamados protestantes, que deveriam saber melhor e que deveriam ter uma compreensão melhor do evangelho, os quais não procedem de modo melhor que os católicos romanos. Dedicam-se, meramente, a guardar a lei de Deus de um modo que os leve ao orgulho, sem referência a Cristo ou ao Seu Espírito. Tais supostos meios e métodos de mortificar o pecado demonstram uma profunda falta de conhecimento do poder de Deus e do mistério do evangelho. Agirmos em consonância com este chamado de Jesus é o único caminho que Deus deu para nos preservar de entrar na tentação e cair no pecado. Negligenciar este recurso significa queda na certa. 

Não se engane pensando que isso não pode acontecer com você. É possível que você já seja um discípulo experimentado, que odeie vigorosamente o pecado e pense que é impossível que venha a ser seduzido a praticar certo pecado. Não se esqueça, contudo, de que aquele que pensa estar de pé (quem quer que seja), deve tomar cuidado para que não caia. Você pode ter recebido muita graça no passado; você pode ter desfrutado de maravilhosas experiências; você pode ter tomado muitas decisões de permanecer firme. Nenhuma delas o guardará de cair a não ser que vigie em oração. "O que, porém, vos digo", diz Cristo, "digo a todos: vigiai!" (Mar. 13:37). 

Pode ser que apesar do seu descuido no passado, o Senhor o tenha preservado de entrar em tentação. Se for esse o seu caso, não presuma que o Senhor sempre manifestará Sua bondade. Acorde, seja agradecido por Sua ternura e paciência, e comece a vigiar antes que seja muito tarde. Se não desempenhar este dever, será tentado de uma maneira ou de outra, a praticar iniquidades carnais ou espirituais. Você será maculado. Quem sabe dizer quais serão as conseqüências? Lembre-se de Pedro! Lembre-se de Judas! 2 João, pregou a necessidade imediata de conversão e arrependimento (Mateus 3:8). 

O ministério de Cristo foi o mesmo. Ele disse: "Colhem-se, porventura, uvas dos espinheiros ou figos dos abrolhos?" (Mat. 7:16). As árvores só podem produzir segundo sua espécie e desse modo Cristo nos diz: "Fazei a árvore boa e o seu fruto (será) bom" (Mat. 12:33). Noutras palavras, a raiz é que precisa ser tratada. A natureza da árvore precisa ser mudada ou é impossível que a árvore produza bom fruto. Este fato é tão básico, todavia tão importante, que precisamos gastar mais algum tempo considerando alguns perigos que resultam de o negligenciarmos ou de o ignorarmos. 

Primeiro, o perigo de nos desviarmos do dever primário. Quando este fato básico é ignorado ou negligenciado há o perigo de que a mente e a alma de uma pessoa se tornem por demais preocupadas com um dever que não lhes diz respeito propriamente. O dever primário de uma pessoa é se arrepender e crer no evangelho. Enquanto isto não for feito, nenhum outro dever terá qualquer valor real. Uma pessoa pode despender todos os seus esforços tentando mortificar o pecado quando, na realidade, deveria estar concentrando os seus esforços para obter uma fé salvadora em Cristo. Em segundo lugar, perigo do auto-engano. O dever da mortificação é, em si mesmo, uma boa coisa, desde que seja efetuado somente por aqueles que têm uma fé salvadora em Cristo. O perigo é que a pessoa pode aplicar-se ao cumprimento deste dever e presumir que devido agir desta maneira, deve estar agradando a Deus.

Em vez de ir ao Grande Médico das almas para buscar cura mediante Sua morte na cruz, uma pessoa pode se ocupar procurando curar-se a si mesmo através da mortificação. "Quando Efraim viu a sua enfermidade, e Judá a sua chaga, subiu Efraim à Assíria e se dirigiu ao rei principal (Jarebe), que o acudisse" (Os. 5:13) e, desse modo Judá e Efraim se privaram da cura que Deus poderia lhes ter dado. Visto que o dever da mortificação parece demonstrar muita evidência de sinceridade de sua parte, a pessoa pode ser endurecida por ele numa espécie de justiça própria e pode pensar que seu estado é bom. Em terceiro, o perigo de estar desiludido pela falta de sucesso. 

Um incrédulo pode esforçar-se neste dever e tão-somente para enganar-se. Mais cedo ou mais tarde ele descobrirá que seu pecado não está sendo mortificado e que ele está mudando de um tipo de pecado para outro. Então ele se desesperará, julgando que nunca terá sucesso e consequentemente entregar-se-á ao poder do pecado. Ás vezes Deus usa um desejo pecaminoso forte e que não foi mortificado num cristão como um meio de discipliná-lo. Quando um cristão fica morno (Apoc.3:16) e descuidado no seu andar com Deus, Ele, às vezes, permite que um desejo pecaminoso cresça, fique forte no seu coração, para que se torne numa chaga e num fardo para ele. Esta pode ser uma das maneiras de Deus disciplinar um cristão por sua desobediência, ou pelo menos despertálo para que atente para seus caminhos e seja chamado a uma mortificação total do pecado.

Quando um cristão é atormentado por certo desejo pecaminoso que é tão forte que ele mal sabe como lidar com ele e controlá-lo, isto é geralmente o resultado de um andar descuidado com Deus ou de uma atitude de não levar a sério as advertências das Escrituras. Às vezes Deus usa a chaga de certo desejo pecaminoso em particular para evitar ou curar algum outro mal. Foi esse o propósito de Deus ao permitir que um mensageiro de satanás perturbasse Paulo, impedindo dessa maneira que "ele se ensoberbecesse com a grandeza das revelações" que havia recebido (2Cor12:7). De igual maneira, pode ser que o Senhor tenha deixado que Pedro O negasse, como um meio de corrigir a exagerada confiança de Pedro em si mesmo. 

Se quisermos mortificar o pecado, precisamos perceber plenamente que ele procurará prejudicar nossa percepção da culpa envolvida nele. Precisaremos, então, fixar uma compreensão correta dessa culpa em nossas mentes. Há duas coisas que devemos ter em mente que nos ajudarão nesse sentido. Em primeiro lugar, o pecado de um cristão é muito mais grave que o de um incrédulo. A graça de Deus que está agindo no cristão enfraquecerá o poder do pecado que não é mais seu mestre como, infelizmente, continua sendo dos incrédulos (Rom. 6:14,16). Ao mesmo tempo, contudo, a culpa do pecado num cristão é pior pelo fato de que o cristão peca contra a graça! "Que diremos, pois? Permaneceremos no pecado, para que seja a graça mais abundante? De modo nenhum.

Como viveremos ainda no pecado, nós os que para ele morremos?" (Rom. 6:1,2). Neste texto a ênfase está na palavra "nós" (subentendida). Como é que nós faremos isso? Sem dúvida somos piores do que qualquer outro se praticarmos o pecado. Pecamos contra o amor de Deus. Pecamos contra a misericórdia de Deus. Pecamos a despeito da promessa de ajuda para derrotarmos o pecado. Muito mais  poderia ser dito, todavia deixem que essa consideração final fique gravada nas suas mentes. No coração de cada cristão há muito mais mal e culpa no pecado que permanece lá, do que haveria em uma igual medida de pecado num coração que não tem a graça de Deus. 

Pense em como é que Deus vê o seu pecado. Quando Deus contempla as aspirações por santidade que a graça tem produzido no coração de qualquer um dos Seus servos, Ele vê mais beleza e excelência nelas do que vê nas mais gloriosas obras dos homens destituídos da graça. Sim, Deus até mesmo vê mais beleza e excelência nestas aspirações internas, do que vê na maioria dos seus atos externos. Isso é porque há quase sempre uma maior mistura de pecado nas nossas ações exteriores do que nas aspirações e desejos por santidade de um coração com a graça de Deus. Por outro lado, Deus vê grande mal no desejo pecaminoso de um cristão. Ele vê maior mal nesse desejo pecaminoso, do que vê nos atos visíveis e notórios dos ímpios. 

Ele vê ainda maior mal nele do que vê em muitos pecados externos nos quais os santos possam cair. Por quê? E porque Deus vê que há mais disposição interna contra o pecado propriamente dito, e geralmente há mais humilhação pelo pecado. É por isso que Cristo trata da decadência espiritual nos Seus filhos, indo à raiz e expondo seu verdadeiro estado. "Eu conheço..." (Apoc. 3:15). Quando os discípulos não foram bem recebidos numa aldeia Samaritana, perguntaram ao Senhor se podiam invocar fogo do céu sobre os seus habitantes. O Senhor os repreendeu dizendo: "Vós não sabeis de que espírito sois" (Luc. 9: 51-56). Se tivessem sabido, poderiam se guardar contra ele. Davi nos diz (Sal. 18:23) que ele se guardou da iniquidade, isto é, do pecado ao qual ele estava mais inclinado. Cada um tem seu perfil individual de personalidade e de temperamento. 

Quanto mais conhecermos nossos pontos fracos e nossos pontos fortes, melhor poderemos guardar nossos corações. Precisamos, também, conhecer nossos desejos pecaminosos específicos; por exemplo cobiça, egoísmo, inveja, orgulho, ira, maldade, perversão sexual e assim por diante. Devemos considerar os pecados em particular que nos parecem atraentes; ou seja, aqueles nos quais caímos mais frequentemente. Precisamos conhecer nossas fraquezas espirituais; por exemplo dúvidas, timidez, insensibilidade, espírito crítico, etc. Saber quais são suas fraquezas não é suficiente. Você precisa estar ciente, também, das maneiras como a tentação tira vantagem dessas fraquezas. 

Há ocasiões em particular, há a companhia de certas pessoas, há empregos, lugares, etc, que tornam a tentação mais forte. Por exemplo: se uma pessoa tem certa fraqueza por falar mal da vida alheia, há certas pessoas e certos lugares que ela deveria evitar. Se alguém descobre que certas reportagens ou ilustrações num jornal lhe estimulam a ter pensamentos impuros, deve se precaver contra eles. Os exemplos que poderiam ser dados são infinitos, mas não há duas pessoas que tenham que evitar exatamente as mesmas coisas. Esta é uma das razões pela qual não devemos julgar a liberdade de outras pessoas. Cada pessoa precisa saber o que dará lugar à tentação na sua vida e fazer de tudo para evitar isso. Há muitas pessoas que podem andar num campo de grama cortada sem sofrer de febre do feno. 

A pessoa que sofre de febre do feno será sábia se evitar passar por esse campo. De igual modo cada um de nós precisa conhecer suas "alergias" peculiares, que lhe trazem tentação, e buscar evitá-las. Obviamente, não é possível evitar cada ocasião de tentação. Se formos sábios, procuraremos evitar todas as que pudermos. Quando o dever ou a providência nos levar a uma circunstância de tentação, precisaremos confiar em Deus para que nos guarde. Por causa da propensão ao mal presente na natureza humana, dvemos estar cientes do engodamento do pecado. Uma pessoa pode entrar em tentação sem estar ciente que um desejo pecaminoso está sendo provocado. 

Um exemplo disso é a situação em que o coração da pessoa começa a gostar da tentação, secretamente, e vai fazendo provisão para ela e lhe dá oportunidade, de diversas maneiras, para crescer sem, contudo, cometer um pecado óbvio. Esta é uma forma muito sutil de tentação. Um exemplo nos ajudará a detectá-la. Certa pessoa começa a ser conhecida como piedosa, sábia, entendida, etc. (coisas boas em si mesmas). As pessoas a elogiam por isso, e ela começa a gostar de ser tratada dessa maneira. Tanto o seu orgulho 4 como a sua ambição são afetados. Ela passa, então, a se esforçar para burilar os seus dons e as suas virtudes. Mas seus motivos são errados: ela está querendo que sua reputação aumente. Está entrando na tentação. 

Se não reconhecer e lidar com essa situação, essa sutil tentação logo a transformará numa escrava dos seus desejos pecaminosos de desejar uma boa reputação. Você Deseja Paz sem ter que Lutar? Este é outro sintoma perigoso do poder do desejo pecaminoso para corromper o coração do cristão. Neste caso, ele cativou o coração de tal maneira que este não deseja mais destruí-lo; mesmo assim, o coração quer gozar de paz. Este sintoma pode ser reconhecido de várias maneiras diferentes. Primeiro, um cristão é perturbado nos seus pensamentos por um desejo pecaminoso. Sua consciência fica perturbada e ele se sente infeliz. Em vez de resolver mortificar este desejo pecaminoso, o cristão busca no seu coração outras evidências de que é um cristão. 

Procedendo assim espera que a despeito de estar tendo um desejo pecaminoso que ele se recusa a mortificar, ele pode ter paz de coração porque sabe que é um cristão. Quando um sintoma como este pode ser reconhecido num cristão, esse cristão está numa condição espiritual perigosa. Segundo, como no primeiro exemplo, temos um cristão que está perturbado nos seus pensamentos por um desejo pecaminoso. Sua consciência está perturbada e ele se sente infeliz. Desta vez, ao invés de se decidir a mortificar este desejo pecaminoso o cristão procura remover seu mal-estar de alma suplicando a graça e a misericórdia de Deus. 

E como se o cristão (semelhantemente a Naamã adorando na casa de Rimon - veja 2 Reis 5:18) estivesse suplicando: "Em todas as outras vezes andarei com o Senhor, menos nesta. Nisto perdoe o Senhor a teu servo". Esse comportamento é muito inconsistente com a sinceridade cristã, e é geralmente uma forte evidência de que a pessoa que está se comportando dessa maneira seja um hipócrita. Há pouca dúvida, contudo, de que alguns dos filhos de Deus podem ser pegos por este engano pecaminoso. Toda lascívia (desejo mau) é um hábito depravado, que continuamente inclina o coração para o mal. Em Gênesis 6:5, temos uma descrição de um coração no qual o pecado não foi mortificado: "era continuamente mau todo desígnio do seu coração". 

Em todo homem não convertido, há um coração que não foi mortificado e que está cheio de uma variedade de desejos ímpios, e cada um desses desejos está continuamente clamando por satisfação. Concentrar-nos-emos apenas na mortificação de um desses desejos. Este desejo (pense no pecado que mais lhe atrai) é uma disposição forte, habitual, e profundamente enraizada, que inclina a vontade e os sentimentos para certo pecado em particular. Uma das grandes evidências de tal desejo mau é a tendência para se pensar nas diversas maneiras de gratificá-lo (veja Rom. 13:14). Este hábito pecaminoso (ou seja, a lascívia ou desejo mau) opera violentamente. "Fazem guerra contra a alma" (1 Ped. 2:11) e buscam tornar a pessoa um "prisioneiro da lei do pecado" (Rom. 7:23). 

Ora, a primeira coisa que a mortificação efetua é o enfraquecimento deste desejo mau, de modo que se torna cada vez menos violento nos seus esforços para provocar e seduzir a pecar (veja Tiago 1:14,15). A perspectiva se perde na vileza do pecado e na maravilha da graça de Deus. A tendência do pecado é sempre diminuir a seriedade do pecado. A verdade bíblica perde sua empunhadura na imaginação e é reduzida a simples conteúdo cognitivo. À medida que as sensibilidades espirituais são entorpecidas, o cristão perde aquele " prazer santo" que já foi motivo primeiro em sua vida. Quando as inclinações não estão firmemente direcionadas às coisas de Deus, a atração do pecado faz sua aparição na imaginação. À medida que o pecado é contemplado sem o correspondente senso de desgosto, ele capta a imaginação e a torna positivamente desejável. 

A imaginação "rola" o prazer do pecado, "tal qual o rolar da comida, feito pela língua, para agradar o paladar". A vontade consente ao que parece ser bom à mente e cria racionalizações pra justificar o pecado que está sendo contemplado. As emoções são alteradas e inflamadas pelas representações vívidas do prazer do pecado, enquanto as convicções da consciência são aliciadas. Se essa "corrente de engano" não for quebrada, ela conduzirá a atitudes e ações pecaminosas. Mais tarde, após o pecado residente ter criado um padrão de hábito, o ciclo pode ocorrer tão rapidamente que não haverá mais quaisquer consciência dos "estágios", do "conferenciar e do seduzir". Em lugar disso, o comportamento acontecerá rapidamente e com pouca advertência.  Notamos, mais uma vez, que há um processo se desenvolvendo. 

No início, dirigida pela voz da consciência, a razão se opõe a tentação. Tendo a tentação entrado na alma, constatamos que progressivamente a razão vai agindo a favor da tentação. Dentro de pouco tempo, a razão, que previamente não podia contemplar esse pecado, começa lentamente a pensar no prazer que o pecado trará. Passo a passo a razão é induzida para afugentar o temor e o medo do pecado. Finalmente, ela estará incentivando e justificando o próprio pecado que antes não podia sequer contemplar. É amedrontador considerar o poder da tentação em perverter o uso da razão, com vistas aos seus fins iníquos. Se uma pessoa é tentada, existem várias considerações que lhe poderiam trazer alívio, porém a tentação é tão forte que domina sua mente e sua imaginação. 

Ele é incapaz de se concentrar nas coisas que a libertaria. É como uma pessoa dominada por um problema. Há muitas maneiras de elaborar uma solução para o problema mas ela está tão preocupada com o problema que está cega para as possíveis soluções. Sempre que uma pessoa permite que seus desejos e suas emoções controlem o seu entendimento, ela deixará de pensar com clareza. Muitas vezes a tentação cativará de tal maneira seus desejos e suas emoções, que ela não mais será capaz de controlar a razão. Antes de um homem entrar numa tentação em particular, é possível perceber que certo curso de ação está errado. No entanto, quando a tentação chega nos seus desejos e nas suas emoções, ele já não mais pensa claramente. Logo estará pensando em maneiras de justificar ou desculpar suas ações pecaminosas. Não somos ignorantes quanto aos desígnios de Satanás, declara o apóstolo (2Co 2.11). 

Nem deveríamos ser ingênuos quanto às sutilezas da nossa carne. Quando Agague aparece alegremente dizendo: "Certamente, já se foi a amargura da morte" (1 Sm 15.32); quando quer ser amigo e declarar fim às hostilidades — é nessa hora é que devemos ser mais imperativos ainda, e atacá-lo, e despedaçálo cruelmente diante do Senhor. O pecado não é mortificado quando é simplesmente encoberto, interior, trocado por outro ou reprimido. Ele não é mortificado até que a consciência se tranqüilize. Por que é que “a hora da provação” é tão forte? Há dois poderes em ação quando somos tentados. Um é o poder da tentação que está fora de nós. O outro é o desejo pecaminoso do coração. 

Na “hora da provação” estes dois poderes se encontram e cada um deles fortalece o outro. Por causa da tentação nossos desejos pecaminosos são fortalecidos; devido eles serem assim fortalecidos, o poder da tentação para nos levar a cair fica ainda mais forte. Talvez a tentação o tenha surpreendido e o tenha apanhado nas suas ciladas. Se for esse o caso, o que é que pode ser feito para evitar que você seja completamente vencido e derrotado pela tentação? Em primeiro lugar, faça o que o apóstolo Paulo fez, suplique a Deus continuamente para que Deus a retire (2 Cor.l2:8). 

Se persistir nisto, ou Deus o libertará ou fará como fez com Paulo e lhe dará graça suficiente para que a resista e a vença. O cristão pode regozijar-se na prosperidade (Ecl. 7:14), mas nunca deve esquecer que a prosperidade traz perigos reais que precisam ser objeto de vigilância e oração. Pensemos por alguns momentos em alguns desses perigos. Na prosperidade nossa vida cristã corre o risco de perder sua realidade interior. Isso, como já observamos no capítulo seis, pode deixar a alma vulnerável a muitos tipos de tentações poderosas. Na prosperidade corremos o risco de nos satisfazermos e nos deleitarmos demais nos confortos desta vida. 

Tal satisfação e deleite já foi adequadamente descrita como "o veneno da alma". A prosperidade pode nos tornar duros e insensíveis na nossa vida cristã. Se não nos guardarmos contra isso, ela nos fará uma presa fácil do engano do pecado e propensos a cair nas ciladas de satanás. Em tempos de prosperidade seja grato a Deus mas esteja alerta aos seus perigos e se dedique a "vigiar e orar". O fracasso em proceder desta maneira tem levado muitos santos a caírem. A sabedoria exige que aprendamos de suas tristes experiências. Feliz é o homem que sempre teme, e que procede assim de modo especial nos tempos de prosperidade. Corra para Cristo. Corra para Ele pela fé, lembrando-se especialmente de que Ele sabe tudo sobre a tentação. Implore junto a Ele para que receba "misericórdia e ache graça para socorro em ocasião oportuna" (Heb. 4:16). 

Quando tentado e pronto para se entregar, quando desejar ajuda e sentir que ou você a recebe ou morre - enfoque sua fé no Cristo que também foi tentado. Lembre-se das tentações que O atacaram. Lembre-se que Ele venceu todas elas. Mais que isso, lembre-se de que foi por nós que Ele Se permitiu ser tentado, e que foi por nós que Ele venceu a tentação. Ao suplicar, tenha certeza de que Ele Se 6 compadecerá, e virá ajudá-lo. Lance-se aos Seus pés, torne sua situação conhecida dEle, permita que Ele saiba tudo, suplique Sua assistência, e isso não será em vão. Olhe confiantemente para Aquele que prometeu libertação. Pense na fidelidade de Deus. 

Deus prometeu que "não permitirá que sejais tentados além das vossas forças" (1 Cor. 10:13). Deus não pode falhar conosco! Lembre-se de todas as promessas que Deus deu, de nos ajudar e nos libertar, e considere-as. Tenha a certeza de que Deus dispõe de inúmeras maneiras, incluindo muitas que nós desconhecemos, de nos dar libertação. O pecado não é mortificado quando é meramente encoberto. Você pode ocultar o pecado da vista dos outros, mas isso não é o mesmo que mortificação. Se o pecado foi simplesmente embrulhado com hipocrisia, que vantagem há nisso? Se a consciência somente encobriu erros, estamos num estado muito mais perigoso que antes.

 "O que encobre as suas transgressões jamais prosperará; mas o que as confessa e deixa alcançará misericórdia" (Pv 28.13). Em relação ao pecado, você não fará a tarefa completa enquanto não o confessar e o deixar. O pecado não é mortificado quando é somente interior. Se você deixa a prática aparente de algum pecado e ainda continua a ruminar seus prazeres, cuidado. Você pode ter removido seu pecado para a privacidade da sua imaginação, onde ele se torna conhecido apenas de Deus e você. Porém o pecado não foi mortificado. Jesus censurou os fariseus exatamente por isso. Eles odiavam o assassinato mas toleravam o ódio. Abstinham-se da fornicação, mas perdiam-se em pensamentos sensuais. Jesus declarou que eram merecedores do inferno (Mt 5.22-28). 

O pecado não é mortificado quando é trocado por outro. Qual é a vantagem em trocar a concupiscência da carne pela concupiscência dos olhos? A concupiscência não foi mortificada, apenas mudou de forma. O puritano Thomas Fuller disse: " Alguns pensam que se tornaram mais piedosos porque trocaram a abundância e o prazer pela avareza". Se você ceder a essa tática, seu coração corre o perigo de ser endurecido pelo engano do pecado (Hb 3.13). Precisamos aprender a falar, freqüentemente, conosco mesmos lembrando-nos de coisas tais como: "Eu sou pobre e fraco; satanás é sutil, poderoso, ardiloso e está sempre de olho numa oportunidade adequada para me tentar. 

O mundo, especialmente quando satanás se vale dele como seu instrumento, é atraente, persistente e cheio de modos enganosos de me tentar. Minha própria natureza pecaminosa é forte e está sempre pronta para me trair na hora da tentação. Tudo ao meu redor é uma variedade provocadora de oportunidades adequadas para satisfazer meus desejos pecaminosos. Sou lento em perceber o que está acontecendo. Se for deixado sozinho serei presa fácil, antes mesmo que perceba. Só Deus pode me guardar de pecar. Preciso orar, com confiança, Aquele que é capaz de me guardar de entrar na tentação”. Perturbe sua consciência com a culpa de seu desejo mau. O que significa isso e como é que pode ser efetuado? Significa que você precisa fazer mais do que meramente reconhecer a culpa do seu desejo mau. Precisa perturbar sua consciência com a culpa do seu desejo mau em particular. 

Como é que pode fazer isso? Pensemos sobre duas maneiras gerais e duas específicas. Primeiro, exponha sua consciência à luz escrutinadora da lei de Deus. Ore pela obra do Espírito Santo, a qual produz convicção; que Ele use a lei de Deus para lhe convencer da magnitude da sua culpa. Que o terror da lei de Deus penetre na sua consciência. Pense em como Deus seria justo se punisse cada uma das suas transgressões de Sua lei. Não permita que seu coração enganoso argumente que a lei de Deus não pode condená-lo porque você "não está debaixo da lei, e, sim, da graça" (Rom. 6:14). Diga à sua consciência que enquanto um desejo mau que ainda não foi mortificado permanecer no seu coração, você não poderá ter uma certeza válida de que está livre do seu poder de condenação. 

Deus deu a lei para condenar o pecado onde quer que ele fosse encontrado. A lei de Deus foi dada para expor a culpa do pecado de um cristão tanto quanto do pecado de qualquer outra pessoa. A lei de Deus quer despertar  coração e do engano do pecado. Previna-se de pensar que a libertação da penalidade da lei de Deus significa que ela não mais deve dirigir sua vida ou expor seus pecados. Este é um erro perigoso que tem arruinado muitos cristãos professos. Se você se diz pertencer ao Senhor, recuse-se a pensar dessa maneira. Antes, procure persuadir sua consciência a ouvir cuidadosamente o que a lei de Deus diz sobre seus desejos pecaminosos e práticas  pecaminosas. Oh, se fizer isso, tremerá e se prostrará! Se realmente quer mortificar seus desejos pecaminosos, permita que a lei de Deus perturbe sua consciência até que esteja convencida da terrível culpa dos seus desejos pecaminosos. 

Não se satisfaça antes de poder dizer com o penitente Davi: " Eu conheço as minhas transgressões, e o meu pecado está sempre diante de mim" (Sal. 51:3). Pense na infinita paciência de Deus e na Sua longanimidade para com você. Pense em quão facilmente Deus poderia tê-lo exposto à vergonha e à reprovação deste mundo. Contudo, na sua misericórdia, Ele tem ocultado seu pecado dos olhos do mundo e freqüentemente impedido que você pratique pecados públicos. Quão facilmente Deus poderia ter dado fim à sua vida pecaminosa e mandado você para o inferno. A despeito de toda Sua bondade para com você destas maneiras. Você tem continuamente permitido que seus desejos pecaminosos se manifestem. Quão freqüentemente você tem provocado a Deus recusando- se a fazer qualquer esforço, fazendo pouco esforço para mortificar seus desejos pecaminosos. Continuará provocando Deus e testando Sua paciência? Permita que o evangelho condene e mortifique seus desejos pecaminosos. 

Pense em tudo que deve ao evangelho. Diga a si mesmo: "Deus me tem mostrado tanta graça, amor e misericórdia e o que tenho eu feito? Tenho desprezado e pisado em Sua bondade para comigo. Seria dessa maneira que demonstro meu apreço pelo amor do Pai e pelo sangue do Seu Filho? Como poderia macular o coração que Cristo morreu para limpar, e no qual o bendito Espírito Santo veio habitar? O que posso dizer ao meu amado Senhor Jesus? Será minha comunhão com Ele de tão pouca importância que eu possa deixar meu coração se encher de desejos pecaminosos a tal ponto que quase não mais exista lugar para Ele? Como posso diariamente entristecer o Espírito Santo de Deus, no qual fostes selados para o dia da redenção" (Ef. 4:30). Considere estas coisas cada dia e, com a ajuda do Espírito Santo, você se sentirá enojado com a maldade dos seus desejos pecaminosos e desejará mortificá-los. Pense nas vezes quando tem deliberadamente planejado como gratificar seus desejos pecaminosos e Deus graciosamente o impediu. 

Pense nas vezes quando se entregou tanto aos desejos pecaminosos que sua consciência o alarmou e lhe fez sentir temor de que Deus não mais tivesse misericórdia de você. Contudo, Deus já teve misericórdia de você e lhe tem trazido novamente ao arrependimento e à fé. Pense nas repetidas manifestações graciosas de Deus para com você. Pense em quão freqüentemente a misericórdia de Deus tem salvo você de ser endurecido pelo engano do pecado. Pense nas muitas ocasiões em que se deparou com frieza na sua vida espiritual; ocasiões nas quais seu prazer nos caminhos de Deus, na oração, na meditação na Palavra de Deus e na comunhão com o povo de Deus tem quase que desaparecido. Pense nas ocasiões quando de diversas maneiras tem se afastado de Deus e, contudo, Deus o tem resgatado e restaurado. 

Pense nas muitas maravilhosas manifestações da providência de Deus na sua vida. Pense nas provações que Ele transformou em bênçãos para você e nas provações das quais Ele o poupou. Pense em todas as maneiras como Deus o tem abençoado. Depois de todas estas manifestações da graça de Deus por você, poderia continuar a permitir que os desejos pecaminosos endureçam seu coração contra tal graça? Perturbe sua consciência com a ajuda de tais pensamentos, e não pare enquanto seu coração não estiver profundamente tocado pela sua culpa. Enquanto isso não se der, nunca fará esforços 
vigorosos para mortificar estes desejos pecaminosos. Algumas questões para auto-exame: 

1) Que benefícios você está auferindo da sua leitura das Escrituras? Está aproveitando tanto quanto costumava? Exteriormente, pessoas poderão não notar nenhuma diferença, mas seus devocionais estariam levando-o a experimentar maior comunhão com Deus? 2) Seu zelo se esfriou? Pode ser que ainda esteja praticando as mesmas obras de antes; porem, estaria seu coração aquecido pelo amor de Deus? Praticar essas obras ainda aquece espiritualmente seu coração, como o fazia no princípio? (Apoc. 2:2-4). 3) Você estaria se tornando negligente nos deveres da oração e de ouvir a Palavra de Deus? Talvez ainda esteja observando esses deveres; mas os cumpre com o mesmo entusiasmo e vigor de outrora? (veja Luc. 8:18; Rom. 12:12c). 8 4) Estaria se cansando da vida cristã? Se ainda mantém o mesmo ritmo, qual é o motivo para assim proceder? Acaso você deseja secretamente que não fosse um caminho tão estreito (2 Cor. 4:16-18; 5; 14,15)? 5) Seu amor e seu prazer junto com o povo de Deus estariam diminuindo ou esfriando? Seu amor por ele estaria se transformando de um amor fraternal para um amor carnal? 

Fundamenta-se nas coisas que você aprecia nele ou nos benefícios da sua amizade ao invés de ser na semelhança dele com Cristo (1 Tess. 4:9,10; 1 Ped. 1:22; 3:8)? Nas suas respostas a estas perguntas despontam razões que o levam a se preocupar? Nesse caso é hora de despertar da sonolência antes que caia numa tentação que o incapacitará espiritualmente para o resto da sua vida. É muito bom se o amor dos nossos corações é vivificado ao mesmo tempo em que os nossos entendimentos são iluminados. Mero conhecimento e falta de amor nos levam a uma formalidade vazia, mas p amor exagerado e falta de conhecimento levam à superstição.

Tentação e mortificação do pecado

John Owen 

terça-feira, 3 de setembro de 2019

O Pecado da Incredulidade


por
Charles Haddon Spurgeon


Um Sermão (Nº 003)
Pregado na Manhã de Domingo, 14 de Janeiro de 1855 pelo
Reverendo C. H. Spurgeon
No New Park Street Chapel— Southwark—Inglaterra

 Um capitão, em cujo mão o rei se apoiara, respondeu ao homem de Deus: ainda que o Senhor fizesse janelas no céu, poderia suceder isso conforme essa palavra? E ele disse: eis que tu o verás com os teus olhos, porém disso não comerás” 
(2 Reis 7:19)

Um sábio pode salvar uma cidade inteira; um justo pode libertar multidões. Os crentes são o sal da terra; graças à sua presença entre os ímpios, estes são poupados. Se os filhos de Deus não atuassem como preservadores das massas, a raça humana não mais existiria. Na cidade de Samaria, onde nosso texto nos leva, havia um justo: era Eliseu, homem de Deus. A piedade havia completamente desaparecido da corte. O rei Jorão era um pecador mergulhado nos mais negros vícios; suas iniqüidades eram gritantes e infames. Ele seguia o caminho de Acab, seu pai, e servia publicamente aos falsos deuses. Como seu monarca, os habitantes de Samaria tinham sido infiéis. Eles tinham abandonado a Jeová, e esquecido o Santo de Israel. A antiga divisa de Jacó: O Eterno seu Deus é o único Senhor (Deut 6:4), não era para eles mais que uma letra morta, e se curvavam diante das divindades abomináveis dos pagãos. Por isso o Deus dos Exércitos fez Israel cair sob as mãos de seus opressores; ele permitiu que Samaria fosse atacada por um exército estrangeiro, ao mesmo tempo castigada por uma fome terrível, de sorte que as maldições pronunciadas sobre o monte Hebal, se cumpriram à letra, e se viu nos muros de Samaria a mulher mais suave e delicada, que não teria, por delicadeza, tentado por a planta de seu pé sobre a terra, olhar, com cobiça nos olhos, seus próprios filhos; e rendida ferozmente pela fome, devorar o fruto de suas entranhas. (Deut 28:56-58).

Entretanto, nesta horrível conjuntura, o profeta do Altíssimo tornou-se um instrumento de salvação para a cidade pecadora. Deus usou o sal para conservar Samaria; ele foi o libertador de todo um povo sitiado. Por causa de Eliseu, de fato, e por sua instrumentalidade, Deus prometeu solenemente que, a partir do dia seguinte, os alimentos, que só se podiam obter a peso de ouro, seriam vendidos a preço vil nas portas da cidade. Imaginem, meus irmãos, a alegria da multidão ao ouvir esta predição sair da boca do santo homem. Todos reconheciam nele um profeta do Eterno; suas credenciais estavam marcadas com o selo divino; tudo o que ele havia predito se realizou. Assim, ninguém poderia duvidar, que nesta ocasião ele estivesse, mais uma vez, falando em nome de Deus.
Certamente os olhos do monarca brilharam de alegria e a multidão esfomeada saltou de júbilo, à perspectiva de uma libertação tão próxima. “A partir de amanhã”, todos eles devem ter gritado, “a partir de amanhã nossa fome será saciada! A partir de amanhã mataremos nossa fome!”.

Mas entre a alegria geral, uma voz se fez ouvir com palavras de incredulidade. Era a voz daquele capitão sobre o qual o rei se apoiara.  Não nos é dito, notemos, que uma única pessoa do povo comum tenha desconfiado da predição de Eliseu; mas um alto personagem ousou fazê-lo. É uma coisa estranha, meus caros ouvintes, mas é um fato incontestável, que Deus escolhe raramente os grandes deste mundo; na verdade parece que o alto status e a fé em Cristo dificilmente estão de acordo. “Impossível!”. Gritou o oficial da corte; e somando a ironia à incredulidade, acrescentou: “eis que ainda que o Senhor fizesse janelas no céu, poder-se-ia isso fazer conforme essa palavra?”. Este foi o seu pecado: não creu na declaração do profeta, ainda que os milagres antes operados, testemunhassem da maneira mais estrondosa que ele era enviado de Deus.

Sem dúvida, o capitão de Samaria havia assistido à maravilhosa derrota de Moab; sem dúvida lhe haviam contado como Eliseu tinha descoberto os segredos de Ben-Hadad; como ele tinha abatido com cegueira os soldados enviados para lhe prender; como os tinha levado até aos muros de Samaria. Não podemos imaginar que a ressurreição do filho da Sunamita, ou a história dessa viúva, cujo óleo miraculosamente foi multiplicado pelo homem de Deus e bastou para pagar sua dívida, não fossem de seu conhecimento; e quanto à cura de Naamã; ela deve ter sido, certamente, o assunto de todas as conversas da corte (2 Reis 3, 2Reis 4, 2 Reis 5, 2 Reis 6). Entretanto, na presença de tamanha quantidade de evidências, diante dessas provas irrefutáveis da missão divina do profeta, o capitão não depositou fé em sua palavra. Pior ainda, ele a ridicularizou. Foi então que o Senhor, pela boca daquele mesmo que acabara de proclamar a libertação, fez ouvir sua sentença de condenação: “Tu verás com os teus próprios olhos, mas não comerás”. E a Providência, que sempre cuida em fazer cumprir a palavra de sua profecia, tão fielmente quanto o papel reproduz os caracteres nela impressos, - a Providência, dizíamos, fez morrer esse homem. Pisoteado nas ruas de Samaria, pereceu às portas da cidade, tendo contemplado com seus próprios olhos a abundância prometida, mas não podendo aproveitá-la.

As circunstâncias que ocasionaram esta morte trágica são desconhecidas. Talvez a forma orgulhosa e insultante do infeliz, tenha exasperado a povo; talvez ele tenha tentado impedir a multidão que se precipitava em direção às portas; talvez, ainda, tenha sido atropelado por um simples acidente (como comumente se diz); o que quer que tenha sido, o que permanece certo é que ele viveu para ver a profecia justificada pelo acontecimento, mas não o bastante para desfrutar dos benefícios anunciados pela palavra do profeta.

Eu me proponho, meus caros ouvintes, a chamar sua atenção neste dia, sobre dois pontos principais: o PECADO do homem e o seu CASTIGO. Pode ser que ao tratar do meu tema, eu não faça, exceto raramente, alusão ao homem que acabei de lhes lembrar nesta emocionante história; entretanto, espero que esse caso em particular, me ajude a melhor extrair as verdades gerais que quero lhes apresentar.


I. Em primerio lugar, o PECADO.
Primeiramente, dissemos já uma vez, que O PECADO desse homem foi a incredulidade. Ele não depositou fé na palavra de Deus; ele duvidou da veracidade e do poder do Altíssimo. Em outros termos, ele acreditava que o Senhor não cumpriria sua promessa, ou que a coisa prometida estava fora dos limites da possibilidade.

Nada é mais complexo que a incredulidade; ela possui mais fases que a lua e mais nuanças que o camaleão. Segundo uma crença popular, o diabo se mostraria às vezes de uma forma e ora de outra. O que é falso quanto a Satanás em pessoa, é perfeitamente verdadeiro quanto à incredulidade, esta filha primogênita de Satanás. Pode-se dizer dela, com toda a verdade, que seu nome é legião, porque suas formas são várias. Ora a incredulidade me aparece disfarçada em anjo de luz; ela se cobre com o nome de humildade e fala algo parecido com estes termos: "Deus me guarde da presunção ! Deus me guarde de afirmar que o Senhor me perdoa; eu sou um pecador grande demais para ousar contar com sua graça". Com freqüência os cristãos mesmos se deixam levar por esta artimanha de Satanás, e louvam a Deus por ter abençoado uma alma com tão bons sentimentos. Mas, longe de louvar a Deus, eu gemo por essa alma, porque sob esse agasalho emprestado, reconheço o demônio da dúvida.

Outras vezes, a incredulidade coloca em questão a fidelidade de Deus: "É verdade que o Senhor me ama, se diz; mas quem pode dizer se ele não vai me rejeitar em seguida ? É verdade que ontem ele me socorreu e me ponho ainda sob a sombra de suas asas; mas quem pode dizer se ele amanhã não me abandonará ? Quem pode dizer se ele sempre se lembrará de sua aliança e não esquecerá sua compaixão ?" Outras vezes ainda, a incredulidade inspira dúvidas sobre o poder de Deus. Alguém encontra em seu caminho novos entraves, ou é enlaçado por uma rede de dificuldades e pensa em seu coração: "Certamente o Senhor não saberia nos livrar". Então tenta por si mesmo se desembaraçar de seu fardo, e por que não consegue, imagina que o braço de Deus é tão curto quanto o nosso, e que sua força tão fraca como a força humana.

Mas, se essas diversas formas de incredulidade são perigosas no mais alto grau, porque elas retêm as almas longe de Jesus e levam-nas a duvidar de seu poder ou de seu amor, o que dizer daquela incredulidade terrível, confessada, mais revoltante, que, orgulhosamente e em suas cores verdadeiras, blasfema contra Deus e nega atrevidamente sua existência? O deismo, o ceticismo e o ateísmo, tais são os frutos maduros e envenenados da árvore da dúvida; essas são as mais terríveis erupções do vulcão da incredulidade. Sim, pode-se dizer verdadeiramente que ela atingiu sua perfeita estatura, que ela encontrou seu apogeu, esta incredulidade que, tirando toda a máscara e deixando de lado todo o disfarce, percorre insolentemente a terra dando seu grito de revolta: "Não há Deus !" E que levantando o braço contra Jeová, tenta abalar o trono da divindade, e em sua inconcebível loucura, parece não aspirar nada mais que se fazer Deus. Entretanto, meus amigos, notem bem que a incredulidade se manifesta sob formas mais ou menos grosseiras, mais ou menos atenuadas, mas sua natureza permanece a mesma; a seiva é a mesma, ainda que os ramos sejam infinitamente variados.

Há neste mundo certas pessoas muito estranhas, para dizer pouco, que sustentam que a incredulidade não é pecado. E o que é mais inexplicável, é que há pessoas que apesar de uma fé religiosa robusta, caem nesse erro. Conheço um jovem que entrou um dia em uma reunião de amigos e ministros do Evagelho, no momento em que se discutia muito seriamente esta questão: "É pecado o homem não crer no Evangelho ?" Pasmo, o jovem tomou a palavra e disse: "Senhores, estou ou não na presença de cristãos ? Vocês crêem ou não crêem na Bíblia ?" – "É inegável que nós somos cristãos", responderam todos de uma só voz. "Então, retomou o jovem, por que esta discussão ? A Escritura não diz, expressamente, que o mundo será convencido do pecado, porque não crerá em Cristo ? Ela também não denuncia a condenação de todo o pecador que recusa crer no Filho de Deus ?"
Este arrazoado, meus irmãos, não lhes parece tão simples quanto conclusivo ? Quanto a mim, lhes confesso, não posso compreender que homens que dizem ter respeito pela palavra inspirada, não aceitem implicitamente o que ela ensina. Eu não posso compreender que sob o pretexto de aliar a verdade com não sei quais dados da razão humana, se tenha ousadia de negar as declarações divinas. A verdade é uma torre forte que não tem necessidade de ser apoiada pelo erro. A Palavra de Deus saberá muito bem permanecer em pé, apesar dos ataques de seus inimigos e sem os sofismas de seus pretensos amigos. Pois a Escritura declara nestes termos a causa da condenação: que a luz veio ao mundo e os homens amaram mais as trevas do que a luz; lá nós lemos palavras como estas: aquele que não crê, já está condenado, porque não crê no nome do Filho de Deus; eu não temo afirmar da maneira mais positiva, com a Palavra de meu Mestre, que a incredulidade é um pecado.

Sejamos razoáveis, são necessários grandes argumentos para demonstrar esta verdade ? Ela não se prova, por si mesma, a todo espírito racional e sem preconceito ? O quê ? Não é uma coisa medonha, que uma criatura ouse colocar em dúvida a Palavra daquele que a formou ? Não é um crime e um insulto à Divindade, que eu, miserável átomo, grão de areia perdido nesta imensidão, ouse desmentir o Todo-poderoso ? Não é o cúmulo da arrogância e do orgulho, que um filho de Adão diga em seu coração: "Deus ! Eu duvido de tua graça, duvido de teu amor, duvido de teu poder !" Oh ! Meus queridos ouvintes, creiam-me; ainda que fosse possível amalgamar, por assim dizer, os mais vergonhosos delitos; ainda que vocês pegassem os assassínios, a blasfêmia, a cobiça, o adultério, a fornicação, em resumo, tudo o que há de mais vil, de mais imundo, de mais revoltante sobre a terra, e que todos estes crimes reunidos, vocês pudessem deles fazer um único crime monstruoso, esta massa hedionda de corrupção e de impureza, seria menos ainda que o pecado de incredulidade. Sem opositor, esse é o pecado rei; ele é a quintessência de tudo o que é mal; o princípio e o veneno de todo o vício; a escória de toda a maldade, a obra-prima de Satanás. Mas para melhor lhes fazer compreender a excessiva malignidade desse pecado, permitam-me entrar com alguns desenvolvimentos.

1. Primeiramente, observem que a incredulidade pode ser chamada, e com justiça, a mãe de todos os outros pecados. De fato, não há crime que ela não possa engendrar. A ela deve ser imputada, em grande parte, a culpa pela queda de nossos pais. O quê ? -pergunta o tentador à Eva – Deus disse para vocês não comerem de toda a árvore do jardim ? Ele insinua habilmente uma dúvida em sua alma - "Seria correto lhes fazer uma restrição como essa ?" parece lhe dizer.
A incredulidade foi como a parte mais afiada da lâmina mortal, que Satanás introduziu no coração de Eva; foi ela quem abriu passagem à curiosidade, à cobiça e a todo tipo de maldades pensadas. E desde o dia, nunca suficientemente lamentado, quando o pecado entrou no mundo, e pelo pecado a morte, quem poderia contar as iniqüidades sem número, às quais a incredulidade deu origem ? Todo incrédulo é capaz de cometer o mais negro dos crimes que jamais tenha poluído a terra. A incredulidade, meus irmãos, foi ela que endureceu o coração de Faraó, ela que descontrolou a língua de Rabsaquê, ela que tornou-se deicida e crucificou o Rei da Glória ! Não é a incredulidade, que a cada dia ainda, afia a faca do suicida, prepara a taça envenenada, conduz à prisão milhares de criminosos, e faz descer à tumba ignominiosa o pecador contumaz que se lança ao encontro de seu Juiz, com as mãos ainda tintas de sangue ? Aponte-me um homem incrédulo; me assegurem de que ele despreza a Palavra de Deus, que ele não deposita fé nem em suas promessas, nem nas suas ameaças; e postas estas premissas , eu não temeria concluir que, a menos que um poder preventivo extraordinário seja exercido sobre esse homem, algum dia ele será culpado dos excessos mais vergonhosos. A incredulidade é o Belzebu dos pecados; como o príncipe dos demônios, ela não anda só; mas quando ela penetra no coração, traz sempre em seguida um longo cortejo de maus espíritos. Nela encontramos o germe de todos os vícios, a semente de toda a iniqüidade; em resumo, não há nada mais odioso, mais vil, mais degradante no mundo, que não esteja incluído nesta única palavra: INCREDULIDADE.

E este é o momento de dizer que a incredulidade que se introduz em alguns momentos no coração do filho de Deus, é absolutamente da mesma natureza daquela do não convertido. Sem dúvida, suas conseqüências finais serão bem diferentes, porque a incredulidade do cristão lhe será perdoada... Que digo eu ? Ela já está perdoada ! Ela foi colocada, com todas as suas transgressões, sobre a cabeça daquele cujo símbolo era o bode emissário; por conseqüência, ela foi expiada e apagada para sempre. Entretanto, repito, quanto à sua natureza, ela não difere em nada da outra incredulidade. Digo mais: se há um pecado mais odioso ainda que a incredulidade do mundano, certamente deve ser a incredulidade do filho de Deus. Que alguém ponha dúvida na Palavra de seu Mestre, aquele que recebeu inumeráveis testemunhos de seu amor, de garantias reiteradas de sua misericórdia, mostre desconfiança em seu Pai celeste, oh! não é isso, lhes pergunto, uma iniqüidade sem nenhum paralelo ? No cristão, não menos que no mundano, a falta de fé é a raiz de toda a sorte de maldade. Quando eu for perfeito na fé, serei perfeito em relação a tudo. Obedecerei sempre os preceitos de Deus, se eu sempre crer em suas promessas. Eu peco, porque minha fé é fraca. Que eu seja pobre, abatido por preocupações, desprovido de tudo, mas se posso com confiança levantar minhas mãos ao alto e dizer: “o Senhor proverá”, ninguém me verá jamais recorrer a meios iníquos para melhorar minha posição; mas, ao contrário, se não deposito fé nas promessas divinas, o quê virá ? Talvez pudesse furtar, ou cometer alguma ação desleal para escapar dos meus credores, ou mergulharia nos hábitos da intemperança para afogar minhas ansiedades. Tirem-me a fé, e meu ser moral não terá mais freio. Ora, como controlar sem freios nem rédeas, um cavalo indócil ? Tal como a fábula nos apresenta o carro do sol conduzido por Faeton, assim nós seríamos sem a fé – errantes ao acaso e indo para a perdição. É, portanto, correto dizer que a incredulidade é a mãe de todos os vícios; é o pecado por excelência, porque traz em seu seio todos os outros.

2. Mas não é tudo. Não somente a incredulidade dá origem aos pecados, mas ainda os alimenta e conserva. Vocês nunca se perguntaram, meus amados ouvintes, como os homens continuam vivendo segundo os ditames de seu próprio coração, mesmo tendo sobre seus ouvidos as ameaças do Sinai ? Como se explica, por exemplo, que quando um Boanerges (isto é, filho do trovão, Mc 3:17), sustentado pela graça de Deus, levanta a voz e grita do alto da tribuna da verdade: “Maldito todo aquele que não permanece em todas as coisas escritas no Livro da lei, para praticá-las” (Gl 3:10; Deut 27:26); como se explica que o pecador escute sem tremer as terríveis ameaças da justiça divina, e permaneça em seu endurecimento e nada mude em seu mau caminho ? Vou lhes dizer, meus amigos, é simplesmente porque a incredulidade está no fundo de seu coração; é ela que impede as ameaças de Deus tocarem seu coração. Quando nossos mineiros trabalhavam diante de Sebastopol, eles não podiam, e vocês sabem por que, trabalhar tranqüilamente diante dos muros da cidade; assim, o que fizeram eles ? Primeiro eles tiveram o cuidado de construir as trincheiras atrás das quais poderiam responder ao fogo inimigo e prosseguir seu trabalho embaixo da terra sem perigo. Acontece o mesmo com o não convertido. Sua trincheira é a incredulidade. Satanás lhe dá este abrigo, a fim de que as exigências da lei não atinjam sua consciência. Ah ! Pecador que hoje está envolvido por uma orgulhosa indiferença, se nunca o Santo Espírito se dignar a converter sua incredulidade, se ele não se dirigir a você com uma demonstração de espírito e de poder, com que força a Palavra de Deus salvará sua alma ? Virá o dia quando os homens serão fortemente convencidos que a lei é santa e que o mandamento é santo, justo e bom; quem poderia marcar limites ao poder da Escritura sobre seus corações ? Eles se veriam constantemente suspensos em cima do inferno; eles levariam a sério às ameaças divinas. Então, não haveria mais, na casa de oração, nem indiferentes, nem sonolentos, nem ouvintes desatentos; então, depois de ouvir a Palavra, ninguém a esqueceria tão rápido. Sim, eu digo isto com plena convicção, sem a incredulidade, nenhuma exigência lançada pelas temíveis baterias da lei, deixaria de atingir seu alvo e grande seria o número daqueles que seriam mortos pelo Eterno. (Is 66:16).

Como é possível que os homens possam ouvir os doces, tocantes convites da cruz do Calvário, sem vir a Cristo ? Como é possível que quando os pregadores do Evangelho tentem lhes expor os sofrimentos inexprimíveis de Jesus, quando lhes falam de sua paixão e de sua agonia, e terminem por lhes dizer da parte de Deus – há ainda lugar; venham porque tudo foi feito – digam, meus caros ouvintes, como é possível que seus corações não lhes sejam quebrantados ? Por que vocês não gritam, batendo no peito:

Ó Cristo, teu amor profundo
Toque, penetre nosso coração;
Tu morreste pelos pecados do mundo,
Só tu és nosso Deus e Salvador ?

E no entanto me parece que a cena do Calvário é comovente o suficiente para amolecer o mármore mais duro! Creio que o lúgubre drama do Gólgotha faria chorar até as pedras, e deveria arrancar lágrimas de arrependimento e de amor ao miserável mais endurecido! Mas vejam. Nós lhes falamos e falamos estas coisas e onde estão aqueles que se afligem ? Onde estão aqueles que choram ? Oh ! Humilhante insensibilidade do coração do homem ! Até as rochas se fenderam ao ver Jesus morrer; e vocês, que a cada dia o contemplam, por assim dizer, crucificado de novo sob seu olhos, assistem a este espetáculo com tanta despreocupação que ele não lhes diz mais nada ! Oh ! Vocês todos que passam, olhem e vejam. Não lhes importa que Jesus esteja morto ? "Não. Isso não nos toca", na maioria das vezes vocês respondem. Por que é assim, meus amigos ? Ah ! É por que entre vocês e a cruz do meu Salvador, há pensamentos de incredulidade. Se o véu espesso da dúvida não lhes furtasse a figura divina de Jesus, seu olhar de amor derreteria o gelo de seus corações. Mas a incredulidade neutraliza, de alguma maneira, o poder do Evangelho; ela o impede de agir sobre a alma e somente quando o Santo Espírito expulsa essa incredulidade, quando Ele dá um golpe mortal no ceticismo natural do coração humano, então o pecador pode se aproximar de Jesus e pôr nele sua confiança.

3. Uma terceira consideração que nos fará compreender bem apropriadamente o quanto a incredulidade é odiosa, é que ela nos incapacita para toda boa obra.
Estas palavras do Apóstolo – tudo o que não é feito com fé, é pecado (Rm 14:23) - são verdadeiras em mais de um sentido. Deus não se agrada quando não dou valor à moralidade ! Deus se agrada quando eu me refiro à probidade, à temperança ou qualquer outra virtude humana, com elogio e respeito. Mas depois de ter dado a essas coisas seu legítimo valor, sabem o quê eu acrescentarei ? Isto: todas as virtudes puramente humanas, são parecidas com aquelas pequenas conchas que servem de moeda em certas partes da Índia. Eles servem para comprar na Índia, mas na Europa não têm valor algum. Analogamente, as virtudes humanas podem servir como moeda corrente aqui embaixo, mas no alto não servem para nada. Se você não tem algo melhor que sua própria excelência, você não entrará jamais no céu. Sem dúvida, se devesse passar minha vida no meio do povo indiano, eu teria que ter muitas conchas; mas se devo viver num país civilizado, uma outra moeda me é necessária. Assim, a probidade, a temperança e outras coisas semelhantes, são muito boas para a terra, e quanto mais vocês as possuírem, mais lhes valerá. Todas as coisas que são justas, puras, amáveis e de boa reputação, eu lhes exorto, meus irmãos, à procurar e praticar; mas ao mesmo tempo lhes declaro, lhes é necessário mais para entrar no céu. Sem a fé, todas essas coisas reunidas não têm nenhum valor diante de Deus. As virtudes, sem a fé, são pecados caiados por fora e nada mais. A obediência sem a fé – (admitindo que isso fosse possível) – não seria mais que desobediência disfarçada. A incredulidade anula tudo. É a mosca que deteriora o perfume (Ecc 10:1); é a erva venenosa que envenena o jarro (2 Reis 4:38-41). Se possuíssemos todos nós a pureza mais amável, a filantropia mais generosa, a simpatia mais desinteressada, o gênio mais nobre, o patriotismo mais devotado, a integridade mais conscienciosa, mas não tivéssemos a fé, não temos nada. Sem a fé, diz o Apóstolo, é impossível agradar a Deus.
E esta incapacidade para o bem, inseparável da incredulidade, é encontrada entre os cristãos mesmos, por conta de uma fé fraca.

Permitam-me, meus irmãos, lhes contar uma simples história, um fato narrado nos Evangelhos. Um certo homem tinha um filho possuído de espírito maligno. Jesus estava no monte Tabor, na glória de sua transfiguração. Não podendo chegar até o Mestre, o infeliz pai conduziu seu filho aos discípulos. A primeira atitude deles foi dizer: "Sim. Nós expulsaremos o demônio!" e logo lhe impuseram as mãos. Mas de repente uma dúvida surgiu em seus corações. "Será que vamos conseguir?" questionaram uns aos outros com inquietação. Logo o possuído começou a espumar; rangia os dentes, e rolava por terra, se debatia em terríveis convulsões. Evidentemente, o espírito maligno ainda estava lá. Em vão os discípulos redobraram os esforços. Como um leão na caverna, o demônio parecia lhes desafiar. “Espírito impuro! Sai deste homem!” gritaram com nova energia; mas ele não saiu. “Espírito das trevas! Volte para o seu lugar !" repetiram; mas ele não lhes obedeceu. Os lábios incrédulos dos discípulos não podiam incomodar o Maligno, que pronto lhes pôde dizer: "Eu conheço a fé e conheço Jesus, mas não sei quem são vocês." Se os discípulos tivessem a fé somente como um grão de mostarda, eles teriam expulsado o demônio; mas sua fé era fraca; por isso eles foram incapazes.
Vejam, ainda, o que aconteceu ao Apóstolo Pedro. Ele cria na palavra de Jesus e andou sobre as ondas. Que andar admirável, que me faz freqüentemente invejar o apóstolo. Se sua fé não tivesse enfraquecido, quem poderia dizer até onde Pedro teria ido ? Com a fé para sustentá-lo, ele teria podido atravessar o Atlântico e atingir o Novo Mundo ! Mas eis que, depois de um momento, Pedro vê uma onda ameaçadora que vem em sua direção e ele se pergunta aterrorizado: "Ela não vai me engolir ? " Depois ele pensa: "Que presunção a minha em ousar me aventurar assim sobre as ondas ?" Logo, Pedro começa a afundar. A fé era a corda que o mantinha em cima da água. Com ela, seu passo estava firme; sem ela, começou a perder o pé. Será sempre assim conosco também, meus amados irmãos. Todos, quantos sejamos, temos de andar sobre as águas. O quê é sua vida ou a minha, senão um andar constante em meio às ondas furiosas? Você queria permanecer de pé em meio ao mar tormentoso ? Tenha fé em Deus. No momento em que você deixar de crer, as águas da aflição entrarão em sua alma e você afundará. E por que, então, você ainda duvida, ó gente de pequena fé ?

A fé desenvolve todo o bom pensamento, todo o bom sentimento; a incredulidade, ao contrário, os mata. Quantas orações não foram sufocadas desde seu nascedouro! Quantas santas aspirações não foram abatidas de morte, antes mesmo de verem o dia! Quantos louvores não teriam alimentado os corações celestes e foram rechaçados pelo sopro ímpio da dúvida! Quantos nobres projetos, concebidos no coração, foram tristemente abortados por causa da incredulidade ! Aquele homem seria talvez um missionário devotado; aquele outro, um ousado pregador do Evangelho, se a incredulidade não tivesse esfriado seu generoso propósito. Mostre-me um gigante espiritual incrédulo, e logo ele se tornará um anão. A fé é, para o cristão, o que era sua cabeleira para Salomão. Tire-lhe a fé e você poderá lhe furar os olhos e reduzi-lo a uma completa incapacidade.

4. Observem ainda, meus caros ouvintes, que o pecado de incredulidade deve ser de uma natureza odiosa, porque em todos os tempos o Senhor o puniu severamente. Para nos convencermos desse fato, abramos as Escrituras.
Eu vejo um mundo cheio de brilho, beleza e esplendor, onde suas montanhas riem ao sol e seus vales são banhados por uma atmosfera de ouro. Virgens dançam sob as sombras e jovens cantam em coro. Oh! Maravilhosa visão!
Mas, subitamente um velho de aspecto grave e respeitável aparece em cena. Ele levanta sua mão e grita : “Em breve um dilúvio vai cair sobre a terra e as fontes do grande abismo se romperão; as águas cobrirão todas as coisas. Estão vendo esta arca? Durante 120 dias trabalhei com minhas próprias mãos para construí-la. Apressem-se e nela busquem refúgio e serão salvos”. “Ah ! Velho crédulo, que temos nós contigo? Lhes respondem zombando. Deixe-nos aproveitar a vida em paz. Pensaremos no dilúvio quando ele vier. Mas ele não virá, nós sabemos. Vá profetizar a outros. “E a multidão despreocupada, retoma seus cantos e danças. Mas ouçam, incrédulos! Vocês ouvem esse barulho surdo e estranho? As entranhas da terra começam a perturbar-se; seus vastos flancos estão sendo devastados por terríveis convulsões internas. Cedendo a uma tensão enorme, elas eclodem, e águas concentradas, que desde o dia em que Deus as confinou no interior do globo, jamais haviam aflorado, escapam por todas as partes em torrentes impetuosas. E a abóbada celeste! Ela é fendida ao meio. E chove, não apenas gotas de água, mas torrentes de nuvens inteiras. Uma catarata, mais potente que a de Niágara, se precipita do firmamento com um clamor terrível. Os dois abismos – o abismo de cima e o abismo de baixo – se encontram e dão as mãos. Onde estão vocês agora, ó incrédulos ? Eu olho, procuro, e não vejo mais que um único homem; em pé sobre uma ponta de rocha, que se eleva solitário acima das águas. Por longo tempo sua mulher se agarrou a seu corpo, mas seu esforço foi em vão! Ela acaba de ser arrastada. Ele mesmo perde rapidamente o pé. A água atinge seu peito. Ouçam seu último grito! Ele sucumbe, se afoga e é levado pela correnteza. Então Noé, olhando da arca, não vê nada, mais nada. Reina o vazio, o caos, o nada! Os monstros marinhos se batem dentro dos palácios dos reis. Tudo está revirado, submerso, revolvido sob as águas. Qual é a causa desta terrível catástrofe? Meus irmãos, vocês disseram: é a incredulidade! Pela fé, Noé foi salvo. Pela incredulidade, o mundo pereceu.

Abramos, ainda, a Escritura. Eis aqui dois grandes servos de Deus, Moisés e Arão. Eles receberam a missão de introduzir o povo de Israel na terra de Canaã, mas, coisa estranha, eles mesmo não puderam entrar. Por que isso? A Palavra de Deus vai nos dizer. Eles não honraram o Eterno diante do povo, nas águas de contestação. Eles bateram na rocha com um gesto de impaciência, ou seja, eles foram incrédulos; e o Senhor os condenou a morrer antes de entrar na terra da promessa, naquele bom país pelo qual eles haviam suspirado e sofrido (Nm 20: 1-13).  

Um outro exemplo. Deixem-me lhes conduzir, meus irmãos, por aquele meio selvagem e desolador que Moisés e Arão andaram. Como o beduíno nômade, tornaram-se filhos do deserto. Viajantes cansados, errantes pelas areias escaldantes do deserto da Arábia. Ali, jaz um esqueleto ressecado pelo sol; aqui, podemos ver um outro; mais distante, um terceiro; mais longe ainda, outros vários. O que são esses ossos ressequidos? De onde vieram tantos restos humanos? Quem me explicará sua presença neste lugar ? Certamente, o vento do deserto ou o fogo inimigo fez perecer aqui, em uma única noite, um potente exército. Não, esses ossos são os ossos de Israel; esses restos são das velhas tribos de Jacó. Elas não puderam entrar no país da promessa, por causa do medo e da incredulidade. Elas não depositaram confiança em Deus. Os espias tinham declarado que a conquista de Canaan era impossível e o povo creu neles mais que em Jeová (Nm 13).  

Eis por que os corpos mortos daquela geração caíram em sua solidão. Não foram os descendentes de Hanaque que destruíram Israel; o vento em brasa do deserto não consumiu aquela gente de elite e as águas do Jordão não puseram obstáculo à sua entrada em Canaan; nem os Heveus, nem os Jebuseus os exterminaram. A incredulidade somente, foi a causa de sua perdição. Oh ! Infeliz Israel ! Depois de quarenta anos de marcha penosa no deserto, ver-se excluída da terra prometida, em punição de sua incredulidade !
E sem ter medo de multiplicar, além da medida, a quantidade de exemplos do mesmo gênero que a Bíblia me fornece, vejam Zacarias, o pai do Precursor. Ele duvidou, vocês sabem, e imediatamente o anjo o fez ficar mudo; sua língua foi amarrada, por causa de sua falta de fé.

Mas queiram, meus queridos amigos, contemplar, sob as cores mais sombrias, as terríveis manifestações de incredulidade. Vocês querem saber de que maneira o Senhor castiga uma nação que não crê? Venham comigo à Jerusalém, a este massacre assustador, sem precedentes na história! Vejam os Romanos pondo no chão as muralhas da santa Cidade; vejam-nos fazendo passar ao fio da espada ou vendendo como escravos nos mercados públicos, todos os habitantes que encontraram na cidade. Releiam a história comovente da destruição de Jerusalém cumprida por Tito. Detenham-se no relato trágico da morte desses judeus desesperados que, antes de cair nas mãos dos Romanos, se golpearam mutuamente. Mas, por que temos necessidade de olhar o passado? Os julgamentos de Deus não pesam ainda sobre o seu povo ? Hoje ainda, Israel não está dispersa sobre a face da terra, errante, exilada, sem nacionalidade e sem pátria ? Ela foi cortada, como um sarmento é cortado do cepo. E vocês sabem por que ? Foi em punição por sua incredulidade. Aqui e em nenhum lugar mais, está a causa das calamidades que foram derramadas sobre esse povo. Também, toda a vez que vocês encontrarem um judeu com olhos sombrios e tristes; toda a vez que vocês o virem, filho de uma terra longínqua, pisando, como um proscrito, um solo estrangeiro, digam a vocês mesmos: “Foi a incredulidade, ó Israel, que lhe fez tornar-se assassina de Cristo; foi ela que lhe dispersou entre as nações; e só a fé – a fé no Nazareno crucificado – poderá lhe fazer entrar outra vez em sua pátria e lhe dar seu antigo esplendor.”

Oh! Sim, Deus odeia a incredulidade com um ódio todo particular. Como Caim, Ele a marcou na fronte com o sinal de sua cólera. Ele a abateu com rudes golpes no passado e a aniquilará completamente no fim. A incredulidade desonra o Senhor. Qualquer outro crime não toca, por assim dizer, Seu território, mas este ousa atacar sua divindade mesma; ele vai contra a Sua verdade, nega Sua misericórdia, insulta Seus atributos, desfigura Seu caráter. Por isso repito, não há nenhum pecado tão abominável aos olhos de Deus como o pecado da incredulidade, sob qualquer forma que ele seja produzido.

5. Emfim, para fechar esta parte de meu tema, eu lhes faria notar, meus amigos, que a incredulidade é um pecado irremissível. O Evangelho nos fala de um pecado pelo qual Cristo não morreu: é o pecado contra o Espírito Santo. Mas existe um outro pelo qual Jesus jamais fez expiação: o pecado da incredulidade. Digam-me, um após outro, todos os crimes que figuram no catálogo do mal, e lhes citarei as pessoas a quem esses crimes foram perdoados; mas perguntem-me se um homem que morre incrédulo pode ser salvo, eu lhes responderei sem hesitar: “Não, não há perdão, não há salvação possível para esse homem!”. Sem dúvida, a incredulidade do filho de Deus foi expiada, porque ela é temporária; mas para aquela incredulidade final, que jamais se arrepende, eu lhes repito, não foi feita expiação por ela. Examinem a Bíblia do começo ao fim; em seu todo vocês encontrarão que o homem que morre sem possuir a fé, não pode esperar nada mais que condenação eterna. Ele está fora da graça divina. Se foi dado como culpado de todos os outros pecados, mas havia possuído a fé, ele foi salvo; mas se não a possuiu, por conseqüência está condenado. Demônios, ele lhes pertence! Espíritos infernais, precipitem-no no abismo! Ele não creu e foi para convidados como esse que o inferno foi preparado. O inferno é o quinhão dos incrédulos; é sua herança, seu patrimônio, a prisão que em todos os tempos lhes foi destinada. As cadeias eternas estão marcadas com seus nomes, e eles reconhecerão, como nunca, a verdade desta palavra de Cristo: Aquele que não crer será condenado!

II. Isto nos conduz naturalmente a abordarmos a segunda parte de nosso temam, ou seja, o CASTIGO.
Nós pedimos sua atenção  sobre a natureza e sobre alguns dos principais caracteres do pecado no qual o capitão de Samaria se fez culpado; nos falta constatar qual foi seu CASTIGO. “Eis que tu o verás com os teus olhos, porém disso não comerás” – tal foi a sentença da parte de Deus que Eliseu lhe pronunciou.

Ouçam esta sentença, ó incrédulos, porque se vocês não se converterem, ela será também a sua ! Sim, vocês também, vocês verão com os seus olhos, mas não comerão jamais. E isto, em certas circunstâncias, pode ser aplicado mesmo aos filhos de Deus. Quando sua fé é flácida, eles contemplam as maravilhas da graça divina, mas não podem delas nutrir-se. Assim, por exemplo, se pode dizer que naquela terra do Egito, há agora trigo em abundância; entretanto, há muitos cristãos que no domingo, ao entrar na casa de Deus, dizem com tristeza : “Eu não sei em verdade se o Senhor estará comigo hoje”. Outros ainda, ouvindo o pregador, pensam em suas mentes: “Certamente o Evangelho foi fielmente anunciado, mas não sei se penetrará nos corações”. Estes cristãos estão sempre a duvidar e a temer; a temer e a duvidar. Também lhes pergunte, ao sair do culto divino, se suas almas encontraram o alimento que precisavam. “Não”, lhes responderão suspirando, “não havia nada que nos convencesse”. Eh! É tudo muito simples, meu irmão. Você viu com os seus olhos o pão da vida, mas não o pôde comer, porque você não tinha fé. Se você tivesse trazido à casa de Deus um coração simples e confiante, você teria se alimentado bem. Eu conheço cristãos que se tornaram tão extremamente exigentes e refinados, que se a carne espiritual que lhes apresentam, permitam-me a expressão, não foi destacada de suas imaginações, ou servida através da pesquisa mais esmerada, eles não a querem. Então, não ficarão totalmente subnutridos? E que tomem cuidado, porque isto acontecerá com eles muito provavelmente, se continuarem a se mostrar tão difíceis. Ou talvez, as ervas amargas da aflição estimularão seus apetites enojados ou Deus lhes obrigará a jejuar durante algum tempo, após o que, eles se verão como muito felizes ao receber o alimento mais ordinário e simples. Ora, onde procurar a causa secreta desse espírito descontente e crítico que impede também os filhos de Deus de aproveitar da pregação do Evangelho, se não na incredulidade? Se vocês cressem, meus amados, vocês ouviriam uma única promessa de Deus, e isso lhes bastaria. Bastaria apenas dirigir a vocês uma boa palavra diretamente do trono de Deus; porque não é o que ouvimos, mas o que nós nos apropriamos, por uma fé real e viva que traga proveito à alma.

Mas é, sobretudo, aos não convertidos que se aplica esta terrível ameaça : tu verás com os teus olhos, mas não o comerás. De fato, os filhos do mundo vêem cumprir-se sob seus olhos as obras magníficas do Senhor, e permanecem completamente estranhos. Hoje mesmo uma grande multidão veio a este lugar de culto para ouvir a pregação da Palavra, mas quantos, infelizmente retornarão com a alma tão vazia quanto entraram ! O homem não pode nutrir sua alma pelas orelhas, mais do que seu corpo pelos olhos. E, no entanto, a maioria de nossos ouvintes, vem à casa de Deus por pura curiosidade. “Vamos ouvir aquele orador, dizem eles; vamos ver aquele caniço agitado pelo vento”. Assim, eles vêm e voltam; eles vêm, vêm, vêm de novo, mas não recebem nenhuma bênção. Ao redor deles, há talvez pessoas que se convertem. Aqui, uma alma foi chamada pela graça soberana de Deus; ali, um pobre pecador se derrete em lágrimas sentindo a sua culpa; acolá, um coração contrito implora a graça divina e além dele uma voz repete a oração do arrependido: Oh! Deus, tenha misericórdia de mim, pecador. Mas quanto àqueles, nada os toca. Eles permanecem frios e impassíveis. É assim que, neste momento em que lhes falo, uma bela obra se processa neste rebanho; mas a maior parte de vocês, daquilo não sabe nada, nem se interessa, porque nenhuma obra é feita em seus próprios corações. E como poderia ser diferente, meus amigos ? Vocês julgam esta obra impossível; duvidam do poder de Deus; não crêem em sua ação regeneradora; em outros termos, vocês são incrédulos. Disso vem, que neste tempo de glorioso avivamento e de efusão da graça, o Senhor, que nunca prometeu agir em favor daqueles que não o honram, permite que suas almas permaneçam sem arrependimento, sem vida e sem salvação. Vocês vêem com seus olhos, mas não comem.

Mas não é tudo, ó pecadores ! O mais terrível cumprimento desta sentença, ainda está por vir. Conta-se que o ilustre pregador Whitefield levantava, às vezes, suas duas mãos aos céus, gritando com todas as suas forças – e como eu gostaria que me fosse dado a gritar neste instante mesmo – “A cólera virá ! A cólera vem!”. O que é a cólera do tempo presente, comparada com aquela que caíra sobre vocês no futuro? Oh! Então, verdadeiramente vocês verão com seus olhos, mas não poderão comer. 

 Parece que o grande dia do julgamento é chegado. O tempo já não existe; eu ouço vibrar seu sino fúnebre; sua última hora soou; a eternidade tomou lugar. O mar está em ebulição; suas vagas batem com um estrondo sobrenatural. Eu vejo um arco-íris, uma nuvem densa que atravessa o espaço. Sobre essa nuvem está um trono, e sobre o trono está sentado alguém semelhante ao Filho do Homem. Sim, é ele, eu o reconheço ! Em sua mão, ele segura a balança da justiça divina. Diante dele estão os livros – o livro da Vida, o livro da Morte, e o livro das memórias. Eu vejo seu esplendor, e me regozijo; eu contemplo a pompa de sua chegada e estremeço de alegria por aquele que, enfim, veio para ser admirado por todos os seus santos. Mas eu percebo, no fundo do quadro, uma multidão de infelizes, tremendo, perdidos, tomados de horror. Eles curvam suas frontes até ao pó; eles tentam se esquivar de todos os olhares. “Rochas, caiam sobre nós ! “ - eles gritam. “Montanhas, escondam-nos de sua face ! “ Sua face ? Que face é esta que lhes causa tanto medo? “É a face de Jesus, daquele que foi morto e que agora veio para julgar. Mas é em vão, ó pecadores, que vocês procurem fugir da presença do Filho do Homem; é necessário que vocês contemplem Aquele que vocês traspassaram. Vocês não se sentarão à direita do Senhor, vestidos de roupas fulgurantes, mas vocês serão testemunhas de sua glória; e quando o cortejo triunfal de Jesus aparecer sobre as nuvens do céu, vocês não poderão participar, mas verão com seus olhos. Oh! Eu creio que o vejo neste instante mesmo, o poderoso Redentor, subindo aos céus, em seu corcel de vitória ! Vocês ouvem este barulho estrondoso? Esses são os passos de seu poderoso exército, que ressoa sobre as colinas eternas. Um cortejo vestido de branco vem após ele, e nas rodas de sua carruagem estão atados Satanás, a morte e o inferno. Vejam como estes resgatados batem palmas; ouçam seus gritos de alegria. “Tu subiste às alturas; levaste cativo o cativeiro” (Sl 58:18), dizem eles. Admirem o esplendor de sua aparência; observem as coroas que cingem suas frontes; vejam suas túnicas brancas como a neve; notem a piedade que transpira de suas faces. Ouçam ! Eles entoam um canto sublime: Aleluia, o Senhor Deus onipotente reina ! (Ap 19:6). E a voz do Eterno lhes responde: Eu me regozijarei por tua causa com grande alegria; eu me regozijarei por tua causa, com um canto de triunfo, porque te esposei para sempre! (Sf 3:17; Os 2:19).

E onde estão vocês durante esse tempo, ó incrédulos? Vejam a multidão dos resgatados, mas onde estão vocês? Infelizmente! Vocês vêem com seus olhos, mas não podem comer. O banquete de núpcias está pronto; o fruto da vinha foi servido; os convidados tomam lugar à mesa do Rei; mas vocês, infelizes e famintos, não podem provar do festim eterno. Oh! Eu creio que lhes posso ver, torcendo suas mãos de desespero!
Se ao menos lhes fosse possível comer como os cães, das migalhas que caem sob a mesa do Mestre; mas não, até isto lhes foi impedido !
Um pensamento mais e termino.

Pecador impenitente, eu lhe vejo agarrado a um rochedo nas profundezas do inferno; a alma destroçada pelo cruel abutre do remorso. Você eleva os olhos e reconhece Lázaro, descansando no seio de Abraão. “Isto é possível ?” – você grita. “O que ? Este mendigo que se deitava sobre o esterco; este miserável que os cães vinham lamber suas feridas; hei-lo no céu, enquanto eu, rico quando vivia, estou no inferno pela eternidade ! Pai Abraão, tenha piedade de mim, e envie Lázaro a fim de que molhe seus dedos na água, para me refrescar a língua.” Mas sua súplica é vã, ó pecador ! E se pode haver no inferno um sofrimento mais intenso que qualquer outro, será aquele que você provará ao ver os santos regozijarem-se com uma felicidade da qual você jamais poderá ter parte. Oh ! Jovem, olhe. Veja sua mãe no céu, enquanto que você foi jogado fora ! Veja seu irmão, aquele que dormiu no mesmo berço que você e brincou no mesmo lar; veja seu próprio irmão elevado à glória, enquanto que você foi baixado até o abismo ! Marido, veja sua mulher entre os bem-aventurados, e você, contado com os perdidos ! Pai, veja teu filho em pé diante do trono, e você, maldito de Deus e dos homens, está no fogo eterno ! Oh ! Quem poderia dizer o que passará no coração do condenado, quando ele vir seus pais, seus amigos, saciados com as delícias inefáveis e o que sentirá em ser privado dessas coisas por toda a eternidade ! Tu verás com os teus olhos, mas nunca o comerás !

E agora, eu lhes conjuro, meus queridos ouvintes, - pela morte de Cristo; pela sua agonia e seu suor sangrento; por sua cruz e paixão; por tudo que há de mais sagrado sobre a terra, mais santo no céu, mais solene no tempo e na eternidade; pelos horrores indizíveis do inferno; pelas alegrias inexprimíveis do paraíso; - eu lhes conjuro, levem estas coisas a sério e lembrem-se que, se sua alma for perdida, será a incredulidade a razão de sua perdição. 
Sim, se vocês perecerem, será porque vocês recusaram crer em Jesus Cristo; e a gota mais amarga de sua dor, será o pensamento que você não quis entregar-se a este Salvador amoroso que diz a todos em sua Palavra : de maneira nenhuma lançarei fora aquele que vier a mim !