Também na
segunda classe de suas obras, isto é, aquelas que ocorrem além do curso
ordinário da natureza, as evidências de seus poderes são, em muitos aspectos, muitíssimo
claras.11 Ora, ao dirigir a sociedade humana, de tal modo regula sua providência
que, embora seja, de inúmeras maneiras, benigno e benévolo para com
todos,
declara ainda, mediante provas manifestas e diárias, que sua clemência para com
os piedosos e sua severidade para com os iníquos não são dúbias, de modo
que não se demonstra obscuramente ser protetor, e até mesmo vingador da
inocência,
enquanto,
em virtude de sua bênção, faz próspera a vida dos bons, os socorre em suas
necessidades, os alivia e os mitiga em suas dores, os atenua em suas
adversidades e em tudo os encaminha à salvação.
Sem dúvida,
tampouco deve toldar-lhe a perpétua norma da justiça o fato de que, mui
freqüentemente, permite por certo tempo que os iníquos e malfeitores exultem
impunes, além de tolerar que os probos e inocentes sejam abalados por muitas
coisas adversas, até mesmo oprimidos pela maldade e iniqüidade dos ímpios.
Antes, pelo
contrário, deve acudir-nos à mente pensamento muito diverso: quan do, contra um
só ato mau, sua ira se volta em evidente manifestação, é que a todos aborrece;
quando a muitos deixa passar sem castigo, é que outro juízo haverá para os
atos maus que devem ser punidos.
Igualmente,
nos fornece farta matéria para que consideremos sua misericórdia, quando muitas
vezes não deixa de outorgar por tanto tempo sua misericórdia a pobres e
miseráveis pecadores, até que, vencendo sua maldade com sua doçura e brandura mais
que paternal, os atrai a si!
João Calvino