“Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus” (Salmo
46:10)
Este
Salmo soa como um hino da igreja em tempos de grande turbulência e desolações
no mundo. É por isso que a Igreja se gloria em Deus como seu amparo, sua força
e socorro bem presente, mesmo em tempos de grandes tribulações e dificuldades.
“Deus é o nosso refúgio e fortaleza, socorro bem presente na angústia. Portanto
não temeremos, ainda que a terra se mude, e ainda que os montes se transportem para
o meio dos mares. Ainda que as águas rujam e se perturbem, ainda que os montes
se abalem pela sua braveza.” (versículos 1, 2, 3).
A
igreja se gloria em Deus, não apenas por Ele ser o seu ajudador, que a defende
quando o resto do mundo se vê envolto em desgraças e calamidades, mas porque,
como rio refrescante, lhe dá ânimo e alegria, mesmo em meio da calamidade
pública. “Há um rio cujas correntes alegram a cidade de Deus, o santuário das
moradas do Altíssimo. Deus está no meio dela; não se abalará. Deus a ajudará,
já ao romper da manhã.” (vv. 4, 5). Nos versículos 6 e 8 se declara as
profundas mudanças e calamidades que agitavam o mundo: “As nações estão em
tumulto, os reinos caem, lança -lhe a sua voz, e a terra se derrete. Vinde,
contemplai as obras do SENHOR, que trouxe desolação na terra.” No texto que se
segue se expressa admiravelmente a maneira como Deus livra a igreja destas
desgraças, especialmente dos desastres da guerra e da fúria de seus inimigos:
“Ele faz cessar as guerras até ao fim da terra; quebra o arco e corta a lança;
queima os carros no fogo”. Ou seja, Ele faz cessar as guerras quando são contra
o Seu povo, Ele quebra o arco quando se verga contra Seus santos.
Segue
então estas palavras: “Aquietai-vos, e sabei que eu sou Deus”. A soberania de
Deus se manifesta em suas grandes obras, as quais aparecem descritas nos versos
anteriores. Aqueles mesmas terríveis desolações que Ele desencadeou em Seu
desígnio de livrar Seu povo utilizando meios terríveis, mostram também a Sua
grandeza e Seu Senhorio. Através de tudo isto, demonstração de poder e
soberania, e assim ordena a todos estar quietos, e reconhecer que Ele é Deus.
Porque disse: “sou exaltado entre as nações, sou exaltado na terra.”
Disto
se pode derivar observações interessantes
1. O
dever de ficar quieto diante de Deus, debaixo das mercês de Sua providência.
Isto implica que devemos manter quietude de palavras, nos resignando de falar
ou reclamar contra os desígnios da Providência, não obscurecendo a razão com
palavras de ignorância, nem usando a linguagem pomposa da vaidade. Temos de
manter a calma em nossas ações e em nossa conduta, de modo que não contrariemos
a Deus em seus desígnios. E em relação à disposição interior de nossos
corações, devemos cultivar a calma e uma serena submissão de espírito à vontade
soberana de Deus, seja ela qual for.
2.
Podemos considerar fundamentos deste dever, isto é, a Divindade de Deus. O fato
dEle ser Deus é razão mais do que suficiente para que devamos estar quietos
diante dEle, sem o menor murmúrio, sem objeção, sem oposição, mas
tranquilamente e com humildade submeter-nos a Ele. Como devemos cumprir este
dever de estar quietos diante de Deus? Simplesmente com um sentido de Sua
Divindade, compreendendo que o fundamento é o conhecimento de que Ele é Deus.
Nossa submissão é o que corresponde aos seres racionais. Deus não requer que
nos submetamos a Ele contra a razão, senão como vendo a razão e o fundamento de
fazer assim. Daí que, a mera constatação de que Deus é Deus pode ser o
suficiente para calar todas as objeções e oposição aos Seus Divinos e Soberanos
desígnios.
Tudo
isto pode ser visto considerando o seguinte:
1.
Porquanto Ele é Deus, é um Ser absoluta e infinitamente perfeito, sendo
impossível que pudesse incorrer em erro ou maldade. E, como é Eterno e não deve
sua existência a nenhum outro, não pode em medida alguma ter limitações no seu
ser nem em nenhum de Seus atributos. Se algo tem limites em sua natureza, deve
haver alguma causa ou razão pelas quais estes limites estão ali. Assim se deduz
que toda coisa limitada deve ter uma causa. Portanto, Aquele que não tem causa
deve ser ilimitado. As obras de Deus mostram com toda evidência que Sua
sabedoria e Seu poder São infinitos, pois quem fez todas as coisas do nada, que
as sustenta, governa e as dirige a todo momento e em todas as eras, sem se
cansar, tem que possuir um poder infinito. Igualmente tem que ser infinito em
conhecimento, pois se Ele fez todas as coisas, e sem cessar sustenta e governa
a todas, segue-se que Ele continuamente e num único olhar, vê e conhece
perfeitamente todas as coisas, tanto as grandes como as pequenas.
O
qual não é possível sem um conhecimento infinito. Sendo, pois, infinito em
conhecimento e poder, Deus tem que ser perfeitamente santo. A falta de
santidade supõe sempre defeito e pobreza de visão. Onde não há trevas nem
engano, não pode faltar a santidade. É impossível que a maldade possa coexistir
com a luz infinita. Deus, sendo infinito em poder e conhecimento, precisa ser
totalmente autossuficiente. Portanto, é impossível que Ele possa cair em
qualquer tentação ou cometer alguma falta. Não há nenhum motivo para que ele
incorra em nada semelhante. Sempre que alguém é tentado a ceder ao incorreto, é
para fins egoístas. Então, como poderia um ser Todo-poderoso — que não precisa
de nada — ser tentado a fazer algo errado por fins egoístas? Portanto, é
impossível a Deus, que é essencialmente santo, possa em sentido algum incorrer
no mal.
2.
Pelo fato de ser Deus, Ele é tão grande que está infinitamente além de toda
compreensão. Portanto, é irracional de nossa parte pretender julgar Suas
decisões, uma vez que estas são misteriosas. Se fosse um ser ao qual nós
pudéssemos compreender, não seria Deus. Seria irracional não supor nada além do
fato de que há muitas coisas na natureza de Deus, e em Suas obras e governo,
que são para nós um mistério que jamais poderemos descobrir.
O
que somos e que ideia temos de nós mesmos se esperamos que Deus e Seus
desígnios possam estar ao nível de nosso entendimento? Somos infinitamente
incapazes de tal coisa como compreender a Deus. Para nós seria menos irracional
conceber que uma casca de noz pudesse conter um oceano. Jó 11 versículo 7 em
diante diz: “Porventura alcançarás os caminhos de Deus, ou chegarás à perfeição
do Todo-Poderoso? Como as alturas dos céus é a sua sabedoria; que poderás tu
fazer? É mais profunda do que o inferno, que poderás tu saber? Mais comprida é
a sua medida do que a terra, e mais larga do que o mar”. Se pudéssemos perceber
a distância entre Deus e nós, entenderíamos a razoabilidade da interrogação do
apóstolo Paulo em Romanos 9.20: “… ó homem, quem és tu, que a Deus replicas?”.
Se
cremos encontrar faltas no governo de Deus, estamos virtualmente supondo que
somos capazes de ser seus conselheiros; quando na realidade seria mais
conveniente, com grande humildade e adoração, clamar com o apóstolo (Romanos
11.33-36): Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de
Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis os seus
caminhos! Por que quem compreendeu a mente do Senhor? ou quem foi seu
conselheiro? Ou quem lhe deu primeiro a ele, para que lhe seja recompensado?
Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele
eternamente. Amém”.
Se
houvesse meninos que levantassem a voz para criticar os órgãos legislativos de
seu país ou para colocar em causa de juízo as decisões do poder executivo, não
se estimaria que eles estavam se intrometendo em coisas demasiado elevadas para
eles? E quem somos nós senão bebês? Pois nossas inteligências são infinitamente
menores do que as dos bebês, em comparação com a sabedoria de Deus. O [mais]
sensato para nós é levar isto em conta e ajustar nosso comportamento a isso.
Diz o Salmo 131:1,2: “SENHOR, o meu coração não se elevou nem os meus olhos se
levantaram; não me exercito em grandes matérias, nem em coisas muito elevadas
para mim. Certamente que me tenho portado e sossegado como uma criança
desmamada de sua mãe”.
Esta
única compreensão da distância infinita entre Deus e nós, e entre o entendimento
de Deus e do nosso, deveria ser suficiente para nos silenciar e para acatarmos
com serenidade tudo o que Deus faz, não importa o quanto possa parecer
misterioso ou ininteligível. Também não temos direito algum de esperar que Deus
nos explique em particular a razão de Seus atos ou desígnios. Está mais do que
justificado que Deus não nos dê, vermes do pó que somos, razão se seus
assuntos, que assim possamos captar a distância que nos separa dEle, e Lhe
adoremos e nos submetamos a Ele em humildade e reverência.
Podemos
ver a este respeito por que, quando Jó padecia sofrendo, por desígnio divino,
cruéis penas, Deus lhe respondeu não explicando as razões da sua misteriosa
providência, mas fazendo-lhe ver sua condição de miserável verme, de nada; e
quão distante ele estava da altura Deus. Essa atitude Divina estava em maior
consonância com Deus do que haver entrado em algum debate com Jó, ou haver-lhe
revelado o mistério de suas dificuldades.
E
para Jó foi bom se submeter a Deus naquelas coisas que não conseguia entender,
as quais quis trazer-lhe a resposta Divina. Convém que Deus habite na escuridão
profunda, ou em luz que nenhum ser humano pode resistir, a qual ninguém viu nem
pode ver. Nada há de estranho em que um Deus de infinita glória resplandeça com
um brilho demasiado rutilante e poderoso para o olho humano. Porque mesmo os
anjos, esses espíritos poderosos, aparecem cobrindo seus rostos perante esta
luz (Isaías 6).
3.
Sendo que Ele é Deus, todas as coisas são suas, portanto tem direito de dispor
delas de acordo com Sua vontade e prazer. Todas as coisas deste mundo inferior
são suas. “Pois o que está debaixo de todos os céus é meu” (Jó 41.11). “Eis que
os céus e os céus dos céus são do Senhor teu Deus, a terra e tudo o que nela
há” (Deuteronômio 10: 14). Todas as coisas são suas porque todas procedem dEle;
são totalmente dEle e somente dEle.
Aquelas
coisas feitas por homens não são inteiramente deles. Quando um homem edifica
uma casa, não é completamente sua, nenhum dos materiais com que foi feita lhe
deve a sua origem. Todas as criaturas são total e completamente fruto do poder
de Deus.
É
lógico, portanto, que todas sejam para ele e sujeitas à Sua vontade (Provérbios
16:4). Assim, como todas as coisas são de Deus, e todos são sustentadas por
Ele, e se afundariam em ruína em um instante se Ele não as mantivesse. E todas
são para Ele: “Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas” (Romanos
11:36). “Porque nele foram criadas todas as coisas que há nos céus e na terra,
visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam dominações, sejam principados, sejam
potestades. Tudo foi criado por ele e para ele. E ele é antes de todas as
coisas, e todas as coisas subsistem por ele” (Colossenses 1:16,17). Toda a
humanidade é sua: suas vidas, seu alento, seu ser, “pois nele vivemos, nos
movemos e somos.” Nossas almas e as nossas capacidades Lhe pertencem. “Eis que
todas as almas são minhas; como o é a alma do pai, assim também a alma do filho
é minha: a alma que pecar, essa morrerá.” (Ezequiel 18.4).
4.
Posto que Ele é Deus, é digno de ser soberano sobre todas as coisas. Amiúde os
homens possuem mais do que são dignos de possuir. Porém Deus não é somente dono
de todo o universo, sendo que todo este procede e depende dEle, senão que tal é
Sua perfeição, a excelência e dignidade de Sua natureza, que é digno de ser
soberano sobre tudo. Ninguém deveria ousar a opor-se a que Deus exerça a
soberania do universo como se não fosse digno disto, pois o ser soberano
absoluto do universo não é glória ou honra demasiado grandes para Ele.
Todas
as coisas no céu e terra, anjos e homens, não são nada comparados a Ele; Todos
são como uma gota de água em um balde ou como um grão de areia na praia. É tão
apropriado que cada coisa esteja em suas mãos, para que Ele delas disponha
segundo lhe aprouver. Sua vontade e desejo são de importância infinitamente
maior do que de todas as criaturas. É correto que Sua vontade seja feita, ainda
que seja contrária a todos os demais seres, que Ele faça de si mesmo Seu
próprio fim, e que disponha de todas as coisas para si. Deus é dotado de tais
perfeições e excelências que possui o título de ser o soberano absoluto do
mundo.
Certamente,
é muito mais apropriado que todas as coisas estejam debaixo da direção de uma
sabedoria irrepreensível e perfeita do que expostas a cair em confusão ou
sujeitas a causas incontroláveis. Além disso, não é bom que nenhum negócio do
governo de Deus possa permanecer sem a direção de Sua sábia providência,
especialmente aquelas coisas de maior importância.
É
absurdo supor que Deus pudesse estar obrigado a prevenir qualquer criatura de
pecar e de expor-se a um castigo adequado. Se assim fosse, resultaria que não
pode haver tal coisa como um governo moral de Deus sobre as indivíduos
racionais, e seria arbitrário para Deus dar mandamentos já que Ele mesmo
seria a parte comprometida a observar a conduta e estaria fora do lugar das
promessas e das ameaças. Mas se Deus pode deixar que alguém peque e se exponha
à punição, então resulta ser muito mais apropriado que o assunto seja tratado com
sabedoria — quem em justiça deve a causa do pecado permanecer exposta a castigo
e quem não — que permitir que venha pela confusão ou acaso.
Não
é digno do Governador do universo deixar as coisas ao acaso, é natural para Ele
governar todas as coisas por meio de sabedoria. E como Deus possui sabedoria
que O autoriza a ser soberano, assim também tem o poder que lhe permite
executar o que Sua sabedoria aconselha. Mais ainda, Ele é essencial e
invariavelmente santo e justo, e infinitamente bom, por isso está perfeitamente
qualificado para governar o mundo da melhor maneira possível.
Portanto,
quando ele age como soberano do mundo, o indicado para nós é estarmos quietos e
submeter-nos de boa vontade, sem objetar de forma alguma que Ele tenha a glória
de Sua soberania, pelo contrário, consciente de Sua dignidade, reconhecê-la com
gozo, dizendo: “Teu é o reino, o poder e a glória, para sempre”, e repetir com
aqueles em Apocalipse 5:13: “Ao que está assentado sobre o trono… sejam dadas
ações de graças, e honra, e glória, e poder…”
5.
Porquanto Ele é Deus, será soberano e agirá como tal. Ele se assenta no trono
de Sua soberania e o Seu reino é exercido sobre tudo. Em seu soberano poder e
domínio será exaltado, como Ele mesmo declara: “Serei exaltado entre os
gentios; serei exaltado sobre a terra”. Ele fará saber a todos que é o Supremo
Senhor de toda a terra. Ele executa sua vontade com o exército do céu e os
moradores da terra, e ninguém pode estorvar Sua mão. Não pode haver tal coisa
como frustrar, prejudicar ou invalidar Seus desígnios, pois Ele é grande em
pensamento e maravilhoso em
ação. Seu conselho prevalecerá, e fará tudo o que lhe apraz.
Não
há sabedoria, nem inteligência, nem talento em oposição ao Senhor. Qualquer
coisa que Ele quer fazer durará para sempre; nada lhe será adicionado ou
removido. Quando ele age, quem lhe fará reparos? Ele pode, se quiser, esmiuçar
Seus inimigos. Se os homens se unem contra Ele para estorvar ou opor-se a Seus
desígnios, Ele: “quebra o arco e corta a lança; queima os carros no fogo”.
Ele mata e faz viver, derruba e edifica, segundo o conselho de Sua
vontade. Ele diz em Isaías 45.6,7: “Para que se saiba desde o nascente do sol,
e desde o poente, que fora de mim não há outro; eu sou o Senhor, e não há
outro. Eu formo a luz, e crio as trevas; eu faço a paz, e crio o mal; eu, o
Senhor, faço todas estas coisas.”
Nem
os eminentes, nem ricos, nem sábios podem impedir ou torcer a vontade de Deus.
Ele despede decepcionados os doutos e não presta homenagem aos aristocratas,
nem concede privilégio aos ricos sobre os pobres. Existem muitos subterfúgios
no coração humano; porém o conselho do Senhor e os pensamentos de Seu coração
permanecem através de todas as gerações. Quando concede paz, quem pode causar
problemas? E se Ele esconde o rosto, quem pode contemplá-lO? O que Ele derruba
não pode ser reconstruído e ao que silencia assim permanece. Quando Ele Se
propõe a algo, quem O impedirá? E quando estende Sua mão, que o fará
recolhê-la? Não há, portanto, uma maneira de impedir que Deus seja soberano nem
que aja como tal. “Logo, pois, compadece-se de quem quer, e endurece a quem
quer”. (Romanos 9.18). Ele tem as chaves da morte e do inferno, e abre e não há
quem feche; fecha e não há quem abra. Isso pode nos fazer ver a loucura de nos
opormos aos soberanos desígnios de Deus, e quão sábios são aqueles que
quietamente e de bom ânimo se submetem à Sua soberana vontade.
6.
Como Ele é Deus, está em posição de se vingar daqueles que se opõem à Sua
soberania. Ele é sábio de coração e forte em poder, quem poderá endurecer-se
contra Deus e sair em paz? A isso deve responder todo o que intente contender
com Ele. E ai do miserável que quiser pelejar contra Deus; poderá defender sua
posição diante dEle? A qualquer de seus inimigos movidos de orgulho, o Senhor lhes
mostrará que está acima deles. Virão a ser como palha ao vento, ou como gordura
de carneiros; o fogo os consumirá e desaparecerão. “Não há indignação em mim. Quem me poria
sarças e espinheiros diante de mim na guerra? Eu iria contra eles e juntamente
os queimaria.” (Isaías 27:4)
Ame o Senhor Jesus
Cristo! – por Thomas Brooks
Fonte:
Puritansermons.com
Tradução:
OEstandarteDeCristo.com