Qualquer
dia desses uma pessoa bem simples vai pegar a Palavra
de Deus, lê-la e crer nela, e
aí nós todos vamos ficar muito envergonhados.
É que nós adotamos a cômoda postura de que nossa
tarefa para com a Palavra é explicá-la. Na verdade, nossa primeira
atitude deve ser de crer nela (e depois obedecer).
Um
pensamento que me tem ocorrido com freqüência ultimamente é que
existe uma grande diferença entre conhecer a Palavra de Deus e o
Deus da Palavra. Não é verdade que toda vez que assistimos a
um
seminário de estudos bíblicos ouvimos uma repetição das mesmas
velhas lições, e saímos dali sem ter aumentado nem um pouco
nossa fé? É possível que Deus nunca tenha visto um grupo de crentes
tão incrédulos como os desta geração. Como isso é humilhante!
Será
que estamos como que deslumbrados com a riqueza espiritual?
Talvez sejamos como um marinheiro pobretão que cruza o Atlântico
e fica alucinado, magnetizado ao pensar que ali embaixo está
o navio Lusitânia com
muita riqueza em seu bojo, que ele poderia
pegar para si. O único problema são os metros e metros cúbicos
de água que o separam dele. Do mesmo modo, a Bíblia, que é o
talonário de cheques do crente, que lhe é dado pelo Senhor da glória,
garante: “Tudo é vosso, e vós de
Cristo, e Cristo de Deus”.
Estou-me
sentindo fortemente insatisfeito com a pobreza espiritual que
nós, os crentes, estamos vivendo na atualidade. Quantas
vezes vamos a uma reunião de oração e ouvimos uma frase
tão comum: “Senhor, tu podes fazer
isso” (referindo-se a um determinado
pedido). Mas tal afirmação é fé?
Não; é apenas o reconhecimento
da onipotência de Deus. Eu creio que o Deus vivo, o Senhor
da glória pode transformar essa escrivaninha onde estou escrevendo
em ouro maciço. Transformar água em vinho ou madeira em
ouro é coisa que está dentro da capacidade dele. Mas ele transformou
água em vinho quando houve necessidade disso.
Neste momento,
por exemplo, um milhão de dólares me seria muito útil (e não
gastaria nem um centavo para mim mesmo), nem teria do que me envergonhar
“naquele dia”. Na verdade temos muita necessidade desse
dinheiro. Mas afirmar que ele pode fazer a madeira se transformar
em ouro não opera a transformação.
E assim eu fico sem
o
dinheiro. Mas se, pela fé, eu disser: “Ele irá transformar
essa mesa em
ouro”, aí o problema estará resolvido.
Todos
nós sabemos que “o maior destes” (fé, esperança e amor) não
é a fé. Mas por que ignorar o que é menor? Onde é que se vê a fé
genuína hoje em dia? O que se vê é um mascaramento da fé. Um apelo
que se ouve com freqüência é: “Cremos que Deus deseja que estendamos
a transmissão de nosso programa a mais dez estações de
rádio. Estamos esperando dele os fundos necessários para isso.
Então,
irmãos, escrevam-nos o mais breve possível”. Isso pode até ser
uma afirmação de fé, só que com “indiretas”, e não é dirigida apenas
para Deus. Nós, os crentes, gostamos muito de citar superficialmente
aquele versículo: “E o meu Deus, segundo a sua riqueza
em glória, há de suprir cada uma (que
palavras
extraordinárias!)
de vossas necessidades” (Fp 4.19). Mas será que realmente
acreditamos nele?
Acredito
que poderíamos acrescentar um adendo ao capítulo 11 de Hebreus
(sem querer com isso diminuir o valor dele) incluindo nomes como
o de Hudson Taylor (fundador da Missão do Interior da China),
Jorge
Müller, Rees Howells, e outros que pela fé realizaram
grandes feitos.
Nessa hora difícil que vivemos, estou ficando cansado de nossas
conversas sobre nosso maravilhoso e poderoso
Senhor, quando
nós continuamos ainda terrivelmente pobres. Deus abençoa é a
nossa fé, não a sabedoria, nem a personalidade. E a fé
honra a Deus;
e Deus honra a fé. Ele vai onde a nossa fé o coloca. Num certo sentido,
que creio todos podem entender, a fé situa
Deus aqui ou ali. Ela
faz a junção da nossa impotência com a onipotência dele.
A
ciência já rompeu a barreira do som. E a
sociedade que nos cerca,
uma sociedade permissiva, sequiosa de prazer, clama para nós
que também já rompeu a barreira do pecado.
Agora, vamos nós também,
com a ajuda de Deus, com fé simples, firme, vamos romper a
barreira da incredulidade. A
dúvida retarda a ação da fé, e até a destrói.
Mas a fé também destrói a dúvida. A verdade que a Palavra de
Deus ensina não é “Tudo é possível ao que sabe expor
bem as Escrituras”.
Nesta vida terrena, será inútil tentar definir a pessoa de
Deus,
e, possivelmente, nem na eternidade conseguiremos entendêlo, nem
tampouco seus atos. Mas o que diz a Bíblia, esse Livro que é tão
imutável quanto seu Autor, é: “Tudo é
possível ao que crê”.
Muitas
vezes ouvimos pessoas (que se candidataram a um emprego
para o qual se julgavam altamente capacitadas, e foram rejeitadas)
dizerem, não sem certa amargura: “Hoje em dia o que conta
não é o que a gente sabe, mas quem
se conhece”. Não pretendo
entrar no mérito da questão, com relação ao mundo dos
negócios;
mas tenho certeza de que no plano espiritual é a mais pura verdade.
Os fatos que sabemos sobre Deus nestes dias dão
para encher
uma biblioteca. (Não queremos com isso depreciar o verdadeiro conhecimento, e menos ainda a sabedoria que vem lá do alto).
Mas conhecer fatos sobre Deus é uma
coisa; conhecer a Pessoa
dele é outra muito diferente. Paulo não tinha nada, e, no entanto
possuía tudo. Que sublime
paradoxo! Que abençoada pobreza!
Esse grande homem era espiritualmente riquíssimo. O fato de
estar edificando o reino de Cristo e de estar escrevendo os oráculos
de Deus nunca lhe subiu à cabeça. E a despeito de tudo que fez,
já quase ao fim de sua carreira, ele diz: “Para conhecê-lo e o poder
da sua ressurreição e a comunhão dos seus sofrimentos, conformando-me
com ele na sua morte” (Fp 3.10). O
maior empecilho que existe para que os crentes transformem em realidade
diante dos olhos do mundo as promessas de Deus é esse
nosso
desprezível ego. Mas Paulo declara que seu
antigo senhor, o ego,
foi destronado e — o
que é melhor — foi anulado na
cruz (Gl 2.20).
Então Cristo pôde ser entronizado em sua vida. E para que nos
purifiquemos
e estejamos preparados para que ele assuma o controle é
preciso que o egoísmo, a autocompaixão, a justiça própria, a autosatisfação, a
importância própria e tudo que tenha a ver com o ego
sejam
entregues à morte. Não importa quem nós
somos, nem o que nós
sabemos. O que realmente importa é o que somos diante
do inescrutável
Deus. Se desagradarmos a Deus, não importa a quem vamos
agradar. E se agradarmos a ele, não importa a quem vamos desagradar.
Aquilo que podemos chegar a ser pela
nossa união com Cristo
é uma coisa; mas aquilo que somos é
outra muito diferente.
Encontro-me
profundamente insatisfeito com o que sou. Se você está satisfeito,
então tenha compaixão deste seu irmão mais fraco, e ore por
mim. Existe
um tipo de fé que é natural, intelectual e lógica; e existe também
a fé que é espiritual. De que adianta pregarmos a Palavra, se no
momento em que a anunciamos não temos uma fé viva para comunicar-lhe
vida? “A letra mata”. Iremos nós adicionar mais morte à
morte? O maior benfeitor do homem hoje será aquele que puder trazer
o inestimável poder de Deus para esse cristianismo orgulhoso
e sem
poder que vivenciamos hoje. A promessa de Deus ainda está de
pé: “O povo que conhece ao seu Deus se tornará forte e ativo” (Dn 11.32).
E se algum de nós conhecer a Deus, então “coitado de você, Lúcifer!”