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sexta-feira, 30 de março de 2018

A Bíblia foi maravilhosamente preservada por Deus


O que, porém, trazem à baila da história dos Macabeus, com vistas a denegrir da credibilidade da Escritura, é tal que não se pode conceber nada mais relevante para estabelecê-la. Em primeiro lugar, contudo, diluamos o pretexto que apresentam; em seguida, voltaremos contra eles o aríete que assestam contra nós.
Uma vez que, dizem eles, Antíoco determinou que fossem queimados todos os livros [1 Macabeus 1.56, 57], donde provieram os exemplares que agora temos? Eu, porém, por minha vez, lhes pergunto: em que escritório poderia tê-los produzido tão imediatamente? Ora, é evidente que continuaram a existir logo após sustada a perseguição, e que foram reconhecidos sem controvérsia por todos os piedosos, os quais, criados em sua doutrina, os conheciam intimamente. Até pelo contrário, quando, quem sabe tramada uma conjuração, tenham todos os ímpio tão desabridamente invectivado aos judeus, ninguém, entretanto, jamais ousou atirar contra eles a pecha de forjadores de livros falsos. Ademais, de qualquer natureza que, em sua opinião, seja a religião judaica, reconhecem, no entanto, que Moisés é seu autor.
Portanto, que outra coisa senão que seu descaramento mais que canino traem esses paroleiros, enquanto acusam mentirosamente de serem espúrios livros cuja sagrada antigüidade é atestada pelo consenso de todas as historias? Mas, para que, ao refutar tão torpes cavilações, não dispenda esforço em vão, além do que se faz
necessário, aqui ponderemos, antes, quão grande cuidado exercera o Senhor em conservar sua Palavra, quando, além da expectação de todos, como se por um real incêndio, a livrou da truculência do mais cruel tirano; que revestiu de tão alentada constância a sacerdotes piedosos e a outras pessoas, de sorte que não hesitaram em transmitir este precioso tesouro aos pósteros, redimidos, caso houvesse necessidade, pelo custo da própria vida; o que frustrou a acérrima busca de tantos dignitários e seus esbirros.
Quem não reconhece como insigne e maravilhosa obra de Deus que esses documentos sagrados, os quais os ímpios haviam se convencido de que pereceram inteiramente, bem logo retornaram, por assim dizer, com direitos readquiridos e certamente
com dignificação ainda maior? Pois, seguiu-se a tradução grega, que os divulgaria por todo o orbe. Nem o milagre se manifestou somente nisto: que Deus livrou as tábuas de sua aliança dos sanguinários editos de Antíoco, mas ainda que, por entre as calamidades tão multíplices do povo judeu, pelas quais foi continuamente
triturado e devastado, bem logo quase reduzido ao extermínio, não obstante essas tábuas permaneceram sãs e salvas. A língua hebraica não só jazia sem lustre ou prestígio, mas até quase desconhecida e havia quase de todo perecido. Quanto,
pois, os judeus se haviam desviado do real uso da língua pátria desde o tempo em que retornaram do exílio, transparece dos profetas dessa época, o que é especialmente proveitoso de se observar, porquanto desta comparação mais claramente se
evoca a antigüidade da lei e dos profetas.
E através de quem Deus nos preservou a doutrina da salvação compreendida na lei e nos profetas, para que, a seu tempo, Cristo houvesse de manifestar-se? Através
dos mais ferozes inimigos do próprio Cristo, os judeus, a quem, por isso, Agostinho merecidamente chama de os bibliotecários da Igreja Cristã, pois que nos subministraram leitura de que eles próprios não se servem.


João Calvino