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terça-feira, 25 de dezembro de 2018

A CORRUPÇÃO DA SÉ ROMANA NOS DIAS DE CALVINO ERA AINDA MAIOR QUE A DENUNCIADA POR GREGÓRIO, O GRANDE (540?–604) E BERNARDO DE CLAREVAL (1091–1153)

Mas para que não me veja obrigado a perseguir e examinar cada caso particular, de novo apelo para estes que hoje querem ser tidos não só como melhores, mas também os mais fiéis patronos da sé romana, se porventura não se envergonham de defender o presente estado do papado, que é evidente ser cem vezes mais corrupto do que o foi nos séculos de Gregório e Bernardo, o qual, no entanto, então desagradava tão deploravelmente àqueles santos varões. Queixa-se Gregório, a cada passo, de ser além da medida distraído por ocupações alheias, de sob o apanágio do episcopado ter sido reconduzido à vida secular, onde se sujeitasse a tantos cuidados terrenos, aos quais não se lembraria de jamais haver se dedicado na vida leiga; de ser premido pelo tumulto dos negócios seculares a tal ponto que de modo algum sua mente se elevava às coisas eternas; de ser sacudido por muitas ondas de causas e afligido pelas tempestades de uma vida tumultuosa, de modo que diz, com razão: “Penetrei na profundeza do mar.” É verdade que entre essas ocupações terrenas ele podia, no entanto, ensinar a seu povo mediante sermões, admoestar e corrigir em particular àqueles a quem isto se impunha, manter em ordem sua igreja, dar conselhos aos colegas e exortá-los ao dever. Além destas coisas, restava-lhe algum tempo para escrever, e contudo deplora sua calamidade, de que se submergiu em um mar mui profundo. Se a administração daquele tempo foi um mar, que se haverá de dizer do papado atual? Ora, que semelhança têm entre si? Aqui, nenhum sermão, nenhuma preocupação de disciplina, nenhuma dilegência para com as igrejas, nenhuma função espiritual, afinal nada, senão o mundo. Este labirinto, no entanto, é louvado exatamente como se nada mais se possa achar ordenado e disposto! Bernardo, porém, se derrama em queixas, emite lamentações, enquanto contempla os vícios de sua época! Ora, e se ele contemplasse este nosso século de ferro, e algo ainda pior que o ferro? Que perversidade é esta, não só em defender pertinazmente como sacrossanto e divino o que, à uma voz, todos os santos sempre desaprovaram, mas depois o papado também abusou de seu testemunho em sua defesa, o qual é patente que lhes era inteiramente desconhecido? Se bem que em relação ao tempo de Bernardo confesso que então a corrupção de todas as coisas foi tão grande, que não parecia muito diferente do nosso. Carecem de todo pejo, porém, aqueles que, desse período intermédio, isto é, de Leão e de Gregório, e de outros afins, buscam algum pretexto, pois fazem exatamente como se, para corroborar a monarquia dos Césares, alguém louvasse o estado antigo do império romano, isto é, tomasse de empréstimo os louvores da liberdade para engalanar a tirania.

João Calvino