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terça-feira, 25 de dezembro de 2018

O ABSOLUTISMO PAPAL FORMALMENTE CONDENADO POR CIPRIANO E GREGÓRIO, O GRANDE

Não tratarei com eles nos termos mais estritos. Qualquer outro poderia opor-se à proposição de Cipriano, de que fez uso diante dos bispos, cujo concílio estava presidindo: “Nenhum de nós se diz bispo dos bispos, ou, com tirânico terror, força os colegas à necessidade de obedecer-lhe”; objetaria o que pouco depois foi decretado em Cartago: “Que não se chamasse alguém príncipe dos sacerdotes ou primeiro bispo”; coligiria das histórias muitos testemunhos, muitos cânones dos sínodos, muitas declarações dos livros dos antigos, mercê dos quais o pontífice romano fosse compelido à devida posição. Eu, porém, me abstenho de mencionar essas coisas para não parecer acossá-los de maneira estrita demais. Entretanto, que os excelentíssimos patronos da sé romana me respondam: com que fronte ousem defender o título de bispo universal, quando o vêem tantas vezes sendo condenado com anátema por Gregório. Se o testemunho de Gregório tem alguma valia, ele declara que o Anticristo é que fez de seu pontífice o bispo universal. Também o título cabeça foi muitíssimo comum naquele tempo. Ora, assim fala em alguma parte: “Pedro foi o membro primordial no corpo; João, André, Tiago foram cabeças de grupos particulares; todos, contudo, são membros da Igreja sob um cabeça único. Com efeito, os santos antes da lei, os santos sob a lei, os santos na graça, todos completando o corpo do Senhor, foram constituídos em membros, e nenhum deles nunca quis ser universal.”93 Quanto à autoridade de mandar que o pontífice reivindica para si, está mui longe de ser compatível com aquilo que Gregório diz em outro lugar. Ora, como Eulógio, bispo de Alexandria, dissesse que foi por ele mandado, responde-lhe assim: “Peço-vos que não me permitas ouvir esta palavra mandado, pois sei quem eu sou e quem sois: em posição, somos irmãos; nos costumes, somos pais. Logo, eu não mandei; ao contrário, apenas tentei indicar aquelas coisas que me pareceram úteis.”94 Que sua jurisdição se estende sem fim, nisso faz grave e atroz injúria não apenas aos demais bispos, mas também às igrejas, uma a uma, as quais, desse modo, rasga e dilacera para que sua sé edifique sobre suas ruínas. Mas para que eximir a todos os juízos, e de maneira tirânica deseja de tal forma reinar, que tem por lei sua própria vontade, na verdade isso é mais indigno e alheio à ordem eclesiástica do que se possa de qualquer modo sustentar, porque isto discrepa inteiramente não só do sentimento de piedade, mas até mesmo do senso de humanidade.

João Calvino