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sábado, 22 de fevereiro de 2014

O TESTEMUNHO INTERIOR DO ESPÍRITO É SUPERIOR A TODA PROVA

É necessário reafirmar o que referi pouco atrás: a credibilidade da doutrina não se firma antes que ela nos persuada além de toda dúvida de que seu autor é Deus.
Daí, a suprema prova da Escritura se estabelece reiteradamente da pessoa de Deus falando nela. Os profetas e os apóstolos não alardeiam, seja sua habilidade, sejam quaisquer elementos que granjeiam credibilidade aos que falam, nem insistem em razões, mas invocam o sagrado nome de Deus, mediante o qual todo mundo seja
compelido à obediência. Cumpre, pois, agora ver como se poderá discernir, e não por uma opinião aparente, mas pela verdade, que o nome de Deus não seja usurpado temerariamente, nem com astúcia e engano.

Ora, se almejamos o que seja melhor para as consciências, para que não venha a ser perpetuamente levadas em derredor pela dúvida instável, ou cedam à vacilação, para que nem ainda hesitem diante de quaisquer questiúnculas de somenos importância, deve-se buscar esta convicção para além das razões, dos juízos, ou das conjeturas humanas, ou, seja, do testemunho íntimo do Espírito.
É sem dúvida verdadeiro que, se quiséssemos continuar à base de argumentos, muitas coisas poderiam ser trazidas à consideração, aquelas que evidenciam facilmente que, se há algum Deus no céu, a lei, as profecias e o evangelho dimanaram dele. Ademais, ainda que se insurjam contra homens doutos e possuídos de profundíssimo discernimento e nesta disputa apliquem e ostentem todos os poderes da inteligência, contudo, a não ser que se endureçam despudorada e extremamente, esta confissão lhes será arrancada: que sinais de Deus se verão manifestados na Escritura, a falarem nela, dos quais se patenteia que a doutrina aí contida é de teor celestial.

E, pouco adiante, veremos que todos os livros da Sagrada Escritura em muito excedem a quaisquer outros escritos. Logo, se volvermos para eles olhos puros e sentidos íntegros, a majestade de Deus prontamente nos será manifesta, à qual, subjugada nossa ousadia de contraditá-la, somos compelidos à obediência.
Entretanto, às avessas agem quantos porfiam por firmar a sólida credibilidade da Escritura através de discussões. De minha parte, já que não me destaco nem pela sublimada aptidão, nem pela eloqüência, entretanto, se houvesse de travar luta com os mais ardilosos desprezadores de Deus, um a um, os quais anseiam por mostrar se solertes e refinados em sua depreciação da Escritura, confio que não me seria difícil calar-lhes as vozes estridentes. E, se fosse proveitoso o trabalho de refutar suas vãs cavilações, não haveria grande dificuldade em lhes pulverizar as jactanciosas expostulações que em surdina murmuram pelos cantos. Contudo, se alguém desvencilha a Sagrada Palavra de Deus das depreciações dos homens, nem ainda assim lhes será infundida, imediatamente no coração, a certeza que a piedade busca.

Uma vez que aos homens profanos a religião parece firmar-se apenas na opinião, para que estulta ou levianamente não creiam em algo, desejam e requerem que lhes seja provado pela razão que Moisés e os profetas falaram movidos por Deus.
Não obstante respondo que o testemunho do Espírito é superior a toda razão. Ora, assim como só Deus é idônea testemunha de si mesmo em sua Palavra, também assim a Palavra não logrará fé nos corações humanos antes que seja neles selada pelo testemunho interior do Espírito. Portanto, é necessário que o mesmo Espírito
que falou pela boca dos profetas penetre em nosso coração, para que nos persuada de que eles proclamaram fielmente o que lhes fora divinamente ordenado. E esta correlação é expressa com muita propriedade por Isaías, nestas palavras: “Meu Espírito que está em ti e as palavras que pus em tua boca e na de tua progênie jamais falharão” [Is 59.21].

Certos espíritos nobres se deixam apoquentar de que não há à mão comprovação clara, enquanto os ímpios vociferarem impunemente contra a Palavra de Deus. Na verdade, é como se o Espírito não fosse chamado, respectivamente, selo e penhor [1Co 1.22] para com isso confirmar a fé aos piedosos; porquanto, até que ele ilumine as mentes, elas sempre flutuam em meio a muitas incertezas!


As Institutas de João Calvino