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domingo, 2 de fevereiro de 2014

PROPÓSITO DESTE CONHECIMENTO

Daí, conhecimento como este deve não só incitar-nos à adoração de Deus, mas ainda despertar-nos e alçar-nos à esperança da vida futura. Quando, porém, atentamos para o fato de que os exemplos que o Senhor oferece, tanto de sua clemência, quanto de sua severidade, são meramente rudimentares e incompletos, convém que reputemos, não dubiamente, que ele assim preludia coisas ainda maiores, cuja manifestação e plena exibição são deferidas à outra existência.
Por outro lado, quando vemos os piedosos acossados pelas aflições provenientes dos ímpios, espicaçados de injúrias, oprimidos de calúnias, lacerados de insultos e vitupérios, enquanto, em contrário, os iníquos florescem, prosperam, alcançam lazer com dignidade, e isso impunemente, conclui-se imediatamente que haverá
outra vida na qual lhes está reservada não só a punição pela iniqüidade, mas ainda a recompensa pela justiça. Ademais, quando observamos que os fiéis são quase sempre castigados pelas varas do Senhor, sem dúvida, com certeza ainda maior, nos é necessário estabelecer que muito menos haverão os ímpios um dia de escapar de seus látegos. Ora, conhecido é este dito de Agostinho:16 “Se agora fosse todo pecado punido por castigo público, poder-se-ia pensar que nada fica reservado ao Juízo Final.

Por outro lado, se Deus não punisse agora claramente a nenhum pecado, poder-se-ia crer que não existe nenhuma providência divina.”
Portanto, é preciso confessar que nas obras de Deus, uma a uma, de modo especial, porém em sua totalidade, estão estampados, como que em painéis, os poderes operativos de Deus, mercê dos quais seu conhecimento, e daí a verdadeira e plena felicidade, é convidado e atraído todo o gênero humano. E ainda que as virtudes de Deus estejam retratadas ao vivo e se mostrem em todo o mundo, só entendemos ao que elas tendem, quanto valem e para que servem, quando penetramos em nós mesmos e consideramos os caminhos e modos em que o Senhor descerra para nós sua
vida, sabedoria e virtude, e exerce em nós sua justiça, bondade e clemência.
Ora, ainda que, com justiça, se queixa Davi [Sl 92.5, 6] de que os incrédulos se mostram destituídos de entendimento, já que não ponderam os desígnios profundos de Deus no governo do gênero humano, contudo mui verdadeiro é o que, em outro lugar [Sl 40.12], diz o mesmo Davi, a saber, a admirável sabedoria de Deus
neste ponto excede aos cabelos de nossa cabeça. Como, porém, se haverá de tratar deste argumento mais adiante e de maneira pormenorizada, no devido lugar, deixo de fazê-lo agora.
João Calvino