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sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

CEGUEIRA HUMANA ANTE A EVIDÊNCIA DE DEUS NA CRIAÇÃO


Ainda que no espelho de suas obras o Senhor se represente com tão grande clareza, não apenas a si próprio, mas também a seu reino imortal, entretanto, como é nossa obtusidade, sempre nos revelamos lerdos em relação a evidências tão claras,
elas se nos tornam sem qualquer proveito. Ora, quanto respeita à estrutura e disposição do universo, tão formosas, quem de nós, ao erguer os olhos para o céu ou ao estendê-los para as diversas regiões da terra, se lembra do Criador e não se põe a contemplar suas obras, sem fazer caso dele? Aliás, no que diz respeito àquelas
coisas que se processam diariamente além da ordem do curso natural, quantos não imaginam que os homens são antes rodopiados e voluteados pelo cego capricho do acaso, do que governados pela providência de Deus?
Pois, se por vezes, mediante a condução e direção dessas coisas, somos levados à consideração de Deus, o que necessariamente a todos acontece, entretanto, quando, de forma fortuita, concebemos o senso de alguma divindade, prontamente decaímos outra vez nos delírios ou insanos desvarios de nossa carne e, mercê de nossa
fatuidade, corrompemos a pura verdade de Deus.
Sem dúvida, nisto somos todos diferentes, a saber, em que cada um, por sua vez, suscita para si algum erro peculiar; todavia, nisto são muito semelhantes, a saber, em que à uma, por meio de absurdas ridicularias, todos nos desgarramos do Deus único e verdadeiro. Desta enfermidade são afetados, não apenas os espíritos vulgares e obtusos, mas ainda os mais ilustres e dotados de outra sorte de habilidade singular.

Neste particular, quão prodigamente toda a ordem dos filósofos tem sua fatuidade e inépcia! Ora, para que poupemos aos demais, os quais muito mais absurdamente engendram despautérios, Platão, entre todos o mais religioso e particularmente sóbrio, também ele próprio se perde em seu globo esférico. E que não haveria de acontecer com os outros, quando os mais destacados, a quem caberia iluminar o caminho aos demais, assim desvairam e tropeçam?
Semelhantemente, quando o governo das coisas humanas claramente dá testemunho da providência de Deus, de tal sorte que não se pode negar, os homens, contudo, não se aproveitam desse fato mais que se dissesse que a Fortuna dispõe tudo sem ordem nem concerto algum – tanta é nossa inclinação natural ao erro!19
Falo sempre em relação aos mais respeitáveis, não a esses indivíduos vulgares, que tudo fazem para profanar a verdade de Deus.
João Calvino