Com efeito,
se refletirmos bem quão acentuada é a tendência da mente humana para com o
esquecimento de Deus; quão grande sua inclinação para com toda sorte de erro;
quão pronunciado o gosto de a cada instante forjar novas e fantasiosas religiões,
poder-se-á perceber quão necessária foi tal autenticação escrita da doutrina
celestial,
para que não desvanecesse pelo ouvido, ou se dissipasse pelo erro, ou fosse
corrompida pela petulância dos homens.
Como
sobejamente assim se evidencia, Deus proveu o subsídio da Palavra a todos
aqueles a quem quis, a qualquer tempo, instruir eficientemente, porque antevia ser
pouco eficaz sua efígie impressa na formosíssima estrutura do universo.
Portanto,
necessário se nos faz trilhar por esta reta vereda, caso aspiremos, com seriedade,
à genuína contemplação de Deus.
Afirmo que
importa achegar-se à Palavra onde, de modo real e ao vivo, Deus nos é descrito
em função de suas obras, enquanto essas próprias obras aí se
apreciam, não conforme a depravação de nosso julgar, mas segundo a norma da
verdade eterna. Se dela nos desviamos, como há pouco frisei, ainda que
nos esforcemos com
extrema
celeridade, entretanto, uma vez que a corrida será fora da pista, jamais conseguirá
ela atingir a meta. Pois assim se deve pensar: o resplendor da face
divina, o qual o Apóstolo proclama ser inacessível [1Tm 6.16], nos é inextricável
labirinto, a não ser que pelo Senhor sejamos dirigidos através dele pelo fio da
Palavra,
visto ser
preferível claudicar ao longo desta vereda a correr a toda brida fora dela.
Assim é
que, não poucas vezes [Sl 93, 96, 97, 99 e afins], ensinando que importa alijar
do mundo as superstições para que floresça a religião pura, Davi representa Deus
a reinar, significando pelo termo reinar não o poder do qual Deus
se acha investido e o qual exerce no governo universal da natureza, mas a
doutrina pela qual para si reivindica soberania legítima, porquanto os erros
jamais podem ser arrancados do coração humano, enquanto não for nele implantado
o verdadeiro conhecimento de Deus.