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sábado, 30 de junho de 2018

A Vontade de Deus é Una e Soberana


Mas, visto que até aqui mencionei apenas coisas que são transmitidas na Escritura de forma clara e sem ambigüidade, é preciso ver os que não hesitam em tisnar os oráculos celestes de sinistras marcas de ignomínia, e de que gênero de censura fazem uso. Ora, se com falsa aparência de ignorância anelam ao louvor da modéstia, que de mais altivo se pode imaginar que opor à autoridade de Deus uma opiniãozinha insignificante: “Meu parecer é outro”, ou: “Não me agrada abordar isso”? Se ao contrário se põem abertamente a maldizer, que proveito fruirão arremetendo-se contra o céu a cuspir? Certamente não é novo o exemplo desta petulância, porquanto têm havido em todos os séculos homens ímpios e profanos que, de raivosa boca, ladrassem contra este aspecto da doutrina. Mas haverão de sentir realmente que é verdadeiro o que o Espírito proclamou outrora pela boca de Davi [Sl 51.4]: que Deus vence quando é julgado. Davi indiretamente espicaça a insânia dos homens nessa exorbitância tão desenfreada, visto que, de seu atoleiro, não só litigam contra Deus, mas ainda arrogam para si poder de condená-lo! Enquanto isso, adverte ele em termos breves, que as blasfêmias que vomitam contra o céu não atingem a Deus, senão que, dissipadas as nuvens de suas cavilações, ele faz brilhar sua própria justiça. Também nossa fé, já que está alicerçada na Sagrada Palavra de Deus, paira acima de todo o mundo [1Jo 5.4], de sua alturas despreza essas nuvens.
Ora, facilmente se refuta o que objetam, em primeiro lugar, isto é, que se nada acontece a não ser que Deus o queira, há nele duas vontades contrárias, porquanto, de seu desígnio secreto, decreta o que abertamente proibiu através de sua lei. Contudo, antes que eu responda, quero de novo prevenir os leitores de que esta cavilação
não se volta contra mim; ao contrário, é contra o Espírito Santo que, de fato, ditou ao santo varão Jó esta confissão: “Como aprouve a Deus, assim se fez” [Jó 1.21]. Como fora despojado por ladrões, reconhece no dano e malefício que fizeram o justo azorrague de Deus.
Que diz a Escritura em outro lugar? “Os filhos de Eli não obedeceram ao pai, porque Deus os queria matar” [1Sm 2.25]. Proclama ainda outro Profeta: “Deus, que habita no céu, faz tudo quanto quer” [Sl 115.3]. E, com clareza suficiente, já mostrei que todas essas coisas que esses censores querem que aconteçam somente por sua permissão passiva, Deus é chamado o autor de todas elas. Ele testifica que cria a luz e as trevas, que forma o bem e o mal” [Is 45.7]; que nada de mau acontece
que ele mesmo não o tenha feito [Am 3.6].
Rogo, pois, que digam se Deus exerce seus juízos porque assim o quer, ou a despeito de não o querer? Mas, da mesma forma que Moisés ensina [Dt 19.5] que, por eficiência divina, aquele que é morto pelo desvio acidental de um machado foi entregue à mão do que o fere, assim também diz à Igreja toda, em Lucas [At 4.28], que Herodes e Pilatos se mancomunaram para fazer o que a mão e o desígnio de
Deus haviam decretado. E, com efeito, a não ser que Cristo houvesse sido crucificado porque Deus assim o quis, donde teríamos redenção?
Contudo, nem por isso Deus se põe em conflito consigo mesmo, nem se muda sua vontade, nem o que quer finge não querer; todavia, embora nele sua vontade seja uma só e indivisa, a nós parece múltipla, já que, em razão da obtusidade de nossa mente, não aprendemos como, de maneira diversa, o mesmo não queira e queira que aconteça. Paulo, onde disse que a vocação dos gentios era “um mistério
escondido” [Ef 3.9], acrescenta, pouco depois [Ef 3.10], que nela manifestara a polupoi,kilon [p(lypoíkil(n multifária] sabedoria de Deus. Porventura porque, em decorrência da lerdeza de nosso entendimento, a sabedoria de Deus se afigura múltipla, ou, como a verteu o tradutor antigo, multiforme, deveríamos nós, por isso, sonhar no próprio Deus qualquer variação como se mudasse de plano ou divergisse de si mesmo? Antes, quando não apreendemos como Deus queira que se faça o que proíbe fazer, venha-nos à lembrança nossa obtusidade, e ao mesmo tempo consideremos que a luz em que ele habita não em vão se chama inacessível [1Tm 6.16], já que de trevas é rodeada. Logo, de bom grado, aquiescerão a esta ponderação de Agostinho131
todos os piedosos e despretensiosos: “Por vezes, com uma vontade boa, um homem quer algo que Deus não quer, como, por exemplo, se um bom filho quer que o pai viva, a quem Deus quer que morra; por outro lado, pode acontecer que, de má vontade, um homem queira o mesmo que, de boa vontade, Deus quer, como, por exemplo, se um filho mau queira que o pai morra, e isso também Deus queira. Isto é,
aquele quer o que Deus não quer; este, porém, quer o que também Deus quer. E no entanto a piedade daquele, ainda que a querer coisa diferente, mais se coaduna com a vontade boa de Deus, do que a impiedade deste a despeito de querer o mesmo.
Tanto importa que seja próprio ao homem querer, que o seja a Deus, e a que fim se inclina a vontade de cada um, de sorte que ou seja aprovada ou seja reprovada. Ora, mediante as vontades más de homens maus Deus executa o que quer de boa vontade.
Aliás, pouco antes Agostinho havia dito que, por sua revolta, os anjos apóstatas, e todos os réprobos, quanto respeita a si próprios, haviam feito o que Deus não queria; quanto, porém, respeita à onipotência de Deus, isto de modo algum teriam podido fazer, porque, enquanto o fazem contra a vontade de Deus, lhe é feita a vontade no que a eles se refere. Donde exclama: “Grandes são as obras de Deus, excelentes em todas as suas vontades [Sl 111.2]; e assim, de maneira mirífica e
inefável, não se faça, exceto por sua vontade, o que se faz mesmo contra sua vontade, porque não se faria se ele não o permitisse; nem o permite, como se de qualquer forma não o quisesse; ao contrário, porque o quer; mesmo sendo bom não permitiria que mal se fizesse, exceto que, onipotente, até em relação ao mal pudesse fazer bem.”


João Calvino

A Eficiência da Providência Divina na mente e coração de todos


No que tange a estas injunções secretas, o que Salomão declara do coração do rei [Pv 21.1], de inclinar-se para cá ou para lá conforme apraz a Deus, na verdade deve estender-se a todo o gênero humano e equivale a tanto como se dissesse que tudo quanto concebemos na mente é dirigido para seu fim pela inspiração secreta de Deus. E de fato, a não ser que operasse na mente dos homens interiormente, não se poderia com razão haver dito que retira a prudência dos lábios dos verazes e dos anciãos [Is 29.14; Jr 7.26]; que remove da terra o coração dos príncipes, para que vagueiem pelos ermos [Jó 12.24; Sl 107.40]. E a isto é pertinente o que se lê muitas vezes: os homens são atemorizados conforme o terror que lhes domina o coração [Lv 26.36]. Assim, do acampamento de Saul, sem que ninguém o percebesse, se
retirou Davi, porquanto a todos acometera um sono de Deus [1Sm 26.12]. Nada, porém, mais claro se pode desejar que isto: tantas vezes declara que ele cega o entendimento dos homens e os fere de vertigem [Dt 28.21], embriaga-os de um espírito de torpor, lhes infunde loucura [Rm 1.28], endurece o coração [Ex 14.17, passim]. Muitos, porém, lançam estes fatos à conta da permissão, como se, ao rejeitar aos réprobos, Deus os deixasse entregues a Satanás para que os cegasse. Todavia, uma vez que o Espírito Santo declara expressamente que cegueira e insânia são infligidas pelo justo juízo de Deus [Rm 1.20-24], essa solução se torna muitíssimo frívola.
Está escrito que ele endureceu o coração de faraó [Ex 9.12]; de igual modo, que o fez pesado [Ex 10.1] e o enrijeceu [Ex 10.20, 27; 11.10; 14.8]. Alguns contornam essas formas de expressão através de sutileza insípida, porquanto nessas referências a vontade de Deus é posta como a causa do endurecimento, enquanto em outro lugar [Ex 8.15, 32; 9.34] se diz que o próprio faraó havia endurecido o coração.
Como se, na verdade, se bem que de modos diversos, não se harmonizem perfeitamente bem entre si estes dois fatos: que o homem, quando é acionado por Deus, contudo ele, ao mesmo tempo, está também agindo. Eu, porém, lanço contra eles o que objetam, porque, se endurecer denota permissão absoluta, o próprio impulso da contumácia não estará propriamente em faraó. Com efeito, quão diluído e insípido seria interpretar assim, como se faraó apenas se deixasse endurecer! Acresce que de antemão a Escritura corta a asa a tais subterfúgios: “Mas eu”, diz Deus, “lhe endurecerei o coração” [Ex 4.21].
Assim também dos habitantes da terra de Canaã diz Moisés que haviam saído à guerra, porque Deus lhes havia endurecido o coração [Js 11.20]. Exatamente o que é repetido por outro Profeta: “Volveu-lhes o coração para que odiassem a seu povo” [Sl 105.25]. De maneira semelhante, declara em Isaías [10.6] que haverá de enviar os assírios contra a nação enganosa e de dar-lhes preceitos para que tomem os despojos e saqueiem a presa. Não que a homens ímpios e obstinados queira ensinar a obedecer-lhe de espontânea vontade; ao contrário, porque haverá de os vergar para que executem seus juízos, exatamente como se no coração levassem gravadas suas injunções. Do quê transparece que haviam sido impulsionados pela determinação
precisa de Deus.
Sem dúvida, confesso que freqüentemente Deus age nos réprobos pela interposição da ação de Satanás, contudo de modo que, por seu impulso, o próprio Satanás execute seu papel e avance até onde lhe foi concedido. Um espírito maligno atormenta a Saul; diz-se, porém, que é da parte de Deus [1Sm 16.14], para que saibamos que a insânia de Saul procedia da justa vingança de Deus. Diz-se ainda que o mesmo
Satanás “cega o entendimento dos incrédulos” [2Co 4.4]; mas donde vem isso senão que do próprio Deus promana a operação do erro, para que creiam em mentiras os que se recusam a obedecer à verdade? [2Ts 2.11].
Conforme a primeira noção, assim se diz: “Se qualquer profeta houver falado enganosamente, eu, Deus, o enganei” [Ez 14.9]; conforme a segunda, porém, diz-se que ele próprio entrega os homens a uma disposição réproba e os lança a vis apetites [Rm 1.28], porquanto de sua justa vingança ele é o principal autor; Satanás, na verdade, é apenas seu ministro.
Como, porém, esta matéria terá de ser novamente tratada onde, no Segundo Livro, discutiremos acerca do livre ou cativo arbítrio do homem, creio ter agora dito sucintamente quanto a ocasião exigia. Seja esta a síntese: uma vez se diz que a vontade de Deus é a causa de todas as coisas, a providência é estatuída como mo deratriz em todos os planos e ações dos homens, de sorte que não apenas comprove
sua eficiência nos eleitos, que são regidos pelo Espírito Santo, mas ainda obrigue os réprobos à obediência.

João Calvino

Eficiência, não permissividade, é a relação de Deus para com a ação dos ímpios


Uma questão mais difícil emerge de outras passagens, onde se diz que Deus, a seu arbítrio, verga ou arrasta todos os réprobos ao próprio Satanás. Pois o entendimento carnal mal pode compreender como, agindo por seu intermédio, Deus não contraia nenhuma mácula de sua depravação; aliás, em uma ação comum, seja ele isento de toda culpa, e inclusive condene, com justiça, a seus serventuários. Daqui se engendrou a distinção entre fazer e permitir, visto que esta dificuldade a muitos pareceu inextricável, ou, seja, que Satanás e todos os ímpios estão de tal modo sob a mão e a autoridade de Deus, que este lhes dirige a malignidade a qualquer fim que lhe apraz e faz uso de seus atos abomináveis para executar seus juízos. E talvez fosse justificável a sobriedade destes a quem alarma a aparência de absurdo, não fora que, sob o patrocínio de uma inverdade, de toda nota sinistra tentam erroneamente defender a justiça de Deus.
Parece-lhes absurdo que, pela vontade e determinação de Deus, seja feito cego um homem que, a seguir, haverá de sofrer as penas de sua cegueira. Dessa forma evadem-se tergiversando que isso se dá apenas pela permissão de Deus, entretanto não por sua vontade. Mas é Deus mesmo que, ao declarar abertamente que ele é quem o faz, repele e condena tal subterfúgio.
Que os homens não fazem coisa alguma sem que tacitamente Deus lhes dê permissão, e que nada podem deliberar senão o que ele de antemão determinou em si mesmo, e o que ordenou em seu conselho secreto, se prova à luz de testemunhos inumeráveis e claros. O que do Salmo [115.3] citamos anteriormente – “Deus faz tudo quanto lhe apraz” –, é certo que se aplica a todas as ações dos homens. Se,
como aqui se diz, Deus é o árbitro real das guerras e da paz, e isto sem qualquer exceção, quem ousará dizer que, desconhecendo-o ele ou mantendo-se passivo, são os homens a elas arrojados, ao acaso, como por um cego impulso? Mas, mais luz haverá em exemplos especiais. Do primeiro capítulo de Jó sabemos que Satanás, não menos que os anjos que obedecem de bom grado, se apresenta diante de Deus para receber ordens. Certamente que isso ele o faz de maneira e com propósito diferentes, todavia de modo que não possa encetar algo, a não ser que Deus o queira. E visto que, entretanto, em seguida parece explicitar-se permissão absoluta para que aflija ao santo varão, daí ser verdadeira esta afirmação: “O Senhor o deu, o Senhor o tirou; como aprouve a Deus, assim se fez” [Jó 1.21], desta provação concluímos que Satanás e os salteadores perversos foram os ministros; Deus foi o autor. Satanás se esforça por incitar o santo a voltar-se contra Deus movido pelo desespero; os sabeus ímpia e cruelmente lançam mão dos bens alheios, roubando-os. Jó reconhece que da parte de Deus fora despojado de todos os seus haveres e em pobre transformado, pois assim aprouvera a Deus. Portanto, seja o que for que os homens maquinem, ou o próprio Satanás, entretanto Deus retém o timão, de sorte que lhes dirija os propósitos no sentido de executarem seus juízos. Deus quer que o pérfido rei Acabe seja enganado; para esse fim oferece seus préstimos ao Diabo. Por isso é enviado com um mandado definido: que seja um espírito mentiroso na boca de todos os profetas [1Rs 22.20-23]. Se a obcecação e insânia de Acabe é o juízo de Deus, desvanece-se o constructo imaginário da permissão absoluta, pois seria ridículo que o Juiz apenas permitisse o que queria que fosse feito, contudo não o decretasse e não determinasse a execução aos serventuários.
Propõem-se os judeus eliminar a Cristo; Pilatos e seus soldados condescendem a seu perverso anseio. Entretanto, os discípulos confessam em solene oração que todos esses ímpios nada fizeram senão o que a mão e o plano de Deus haviam decretado [At 2.28]. Como já antes Pedro pregara que “Cristo fora entregue pelo determinado desígnio e presciência de Deus”, para que fosse morto [At 2.23], como se dissesse que Deus, a quem desde o começo nada foi oculto, cônscia e deliberadamente determinara o que os judeus vieram a executar, como, aliás, o reafirma em outra passagem [At 3.18]: “Deus, que predisse através de todos os seus profetas que Cristo haveria de sofrer, assim o cumpriu.”
Absalão, poluindo o leito do pai mediante união incestuosa, perpetra abominável iniqüidade [2Sm 16.22]; no entanto, Deus declara ser isso obra sua, pois estes são os termos: “Tu o fizeste em oculto; eu, porém, farei isto às claras, e diante do sol” [2Sm 12.12]. Jeremias declara ser obra de Deus tudo quanto de crueldade os caldeus praticaram na Judéia, por cuja razão Nabucodonosor é chamado “servo de Deus” [Jr 25.9; 27.6]. Reiteradamente, apregoa Deus que por seu assobio [Is 5.26; 7.18], pelo clangor de sua trombeta [Os 8.1], por seu império e mandado, os ímpios são incitados à guerra; ao assírio chama “vara de meu furor e machado que aciona em minha mão” [Is 5.26; 10.5]; a destruição da cidade santa e a ruína do templo denomina obra sua; Davi, não murmurando contra Deus, ao contrário, reconhecendo-o como justo Juiz, confessa também que de seu mandado provinham as maldições de Simei [2Sm 16.1]: “O Senhor”, diz ele, “o mandou amaldiçoar.” Mais vezes, ainda, ocorre na história sagrada que tudo quanto acontece procede do Senhor, como o cisma das dez tribos [1Rs 11.31]; a morte dos filhos de Eli [1Sm 2.34]; e muitíssimos outros fatos da mesma natureza. Aqueles que são ao menos medianamente versados nas Escrituras vêem que, para alcançar a brevidade, menciono apenas uns poucos exemplos dentre muitos, dos quais, no entanto, se faz mais do que evidente que dizem coisas sem nexo e pronunciam absurdos esses que no lugar da providência de Deus colocam a permissão absoluta, como se, assentado em uma guarita, aguardasse ele eventos fortuitos, e assim do arbítrio dos homens dependessem seus juízos.

João Calvino

A condicionalidade dos fatos na perspectiva da Soberana Providência de Deus


Tampouco a história sagrada mostra haverem sido anulados os decretos de Deus, quando narra haver ele perdoado aos ninivitas a destruição que já fora proclamada [Jn 3.10], e a Ezequias haver prolongado a vida, após haver sido anunciada sua morte [Is 38.5]. Aqueles que pensam assim se equivocam nestas predições, as quais,
ainda que afirmem em termos absolutos, não obstante à luz do próprio desfecho se percebe que contêm em si tácita condição. Ora, por que o Senhor enviara Jonas aos ninivitas para que lhes predissesse a ruína da cidade? Por que, através de Isaías, anunciava a Ezequias a morte? Pois ele podia destruir tanto aqueles quanto este, sem anúncio de destruição. Portanto, teve em mira outra coisa, a saber: que, premunidos de sua morte, de longe a vissem chegando. Na verdade, não quis que perecessem; ao contrário, arrependidos, para que não perecessem. Portanto, o fato de Jonas vaticinar que após quarenta dias Nínive haveria de ser arrasada, ele o faz para que não fosse arrasada! A razão de a Ezequias cortar-se a esperança de uma vida mais longa é para que ele lograsse uma vida mais longa. Quem não percebe que, mediante ameaças desta ordem, o Senhor queria despertar ao arrependimento àqueles a quem infundia medo, para que escapassem ao juízo de que, por seus pecados, eram merecedores?
Se tal coisa procede, a natureza das coisas nos conduz a isto: que na ameaça inqualificada subentendemos tácita condição; o que, aliás, se confirma à luz de exemplos semelhantes. Repreendendo ao rei Abimeleque, porque havia tirado de Abraão a esposa, o Senhor faz uso destas palavras: “Eis que morrerás por causa da mulher que tomaste, pois ela tem marido” [Gn 20.3]. Entretanto, depois que ele se desculpou, o Senhor fala deste modo: “Restitui a esposa ao marido, pois é profeta, e ele orará por ti para que vivas. Do contrário, sabe que certamente morrerás tu e tudo que tens” [Gn 20.7]. Vês como na primeira acariação lhe acicata mais incisivamente o espírito, para que o demovesse a restituir o que havia tomado; na outra, porém, exibe mais claramente seu propósito.
Uma vez que o sentido de outras passagens é semelhante, não há razão para deduzires delas que se haja anulado alguma coisa do desígnio prévio do Senhor, pelo fato de haver revogado o que anteriormente promulgara. Pois o Senhor aplaina o caminho para sua eterna determinação quando, anunciando o castigo, exorta ao arrependimento àqueles a quem quer poupar, antes que algo varie em sua vontade, e certamente não em sua palavra, exceto que não exprime, sílaba a sílaba, o que entretanto é fácil de entender. Se realmente deva permanecer verdadeira esta afirmação de Isaías: “O Senhor dos Exércitos o deliberou, e quem o poderá anular? Sua
mão está estendida, e quem a desviará?” [Is 14.27].


João Calvino

Arrependimento em Deus é antropomorfismo pedagógico


Portanto, que significa o termo arrependimento quando aplicado a Deus? Exatamente o que significam todas as demais formas de expressão que nos descrevem Deus antropomorficamente. Ora, uma vez que nossa insuficiência não atinge sua excelsitude, a descrição que dele nos é apresentada tem de se acomodar à nossa capacidade, para que seja por nós entendida. Esta é, na verdade, a forma de acomodação: que se representa, não tal como é em si, mas como nós o sentimos.
Embora ele esteja além de todo estado passional, no entanto testifica que se ira contra os pecadores. Portanto, assim como, quando ouvimos que Deus se ira, não devemos imaginar que exista nele qualquer emoção, mas, antes, devemos considerar esta expressão como tomada de nosso prisma, porquanto é como se Deus exibisse
o semblante de uma pessoa inflamada e irada sempre que exerce o juízo; assim também não devemos conceber outra coisa sob o vocábulo arrependimento senão a mudança de ação, porquanto os homens costumam, ao mudarem o curso da ação, atestar que estão insatisfeitos consigo mesmos. Logo, como qualquer mudança entre
os homens é correção do que desagrada, mas a correção provém do arrependimento, por isso pelo termo arrependimento se entende o que Deus muda em suas obras. Entretanto, não se reverte nele nem o plano, nem a vontade, nem se oscila seu sentimento. Ao contrário, o que desde a eternidade previra, aprovara, decretara, leva adiante em perpétuo teor, por mais súbita que a variação pareça aos olhos dos
homens.

João Calvino

Sentido das passagens que falam de arrependimento por parte de Deus


No tocante à providência de Deus, até onde conduz à completa instrução e à inteira consolação dos fiéis, já que coisa alguma é suficiente para satisfazer plenamente a curiosidade dos homens fúteis, tampouco devemos querer satisfazê-los, já seria suficiente o que foi dito não fora umas poucas passagens que nos são apresentadas
em contraposição ao que acima se expôs, parecendo acenar que em Deus o desígnio não se afigura firme e estável; ao contrário, parece mutável, segundo a disposição das coisas inferiores.
Em primeiro lugar, a providência de Deus é algumas vezes posta em xeque; por exemplo, dizendo que ele se arrependeu de haver criado o homem [Gn 6.6]; de haver elevado Saul ao trono [1Sm 15.11]; de que se haverá de arrepender do mal que infligirá a seu povo, assim que sentisse nele alguma mudança de atitude [Jr18.8].
Em segundo lugar, fazem referência a algumas anulações de seus decretos. Por meio de Jonas, proclamara aos ninivitas que, decorridos quarenta dias, Nínive have ria de perecer. Todavia, à vista de seu arrependimento, imediatamente cedeu a uma sentença mais clemente [Jn 3.4, 10]. Pela boca de Isaías anunciara a morte de Ezequias,
por suas lágrimas e preces foi movido a delongar [Is 38.1, 5; 2Rs 20.1, 5]. Muitos daqui argúem que Deus não fixou os afazeres humanos por um decreto eterno; ao contrário, para cada ano, dia e hora, um a um, decreta isto ou aquilo, segundo são os méritos de cada indivíduo ou conforme o julgue reto e justo.
Quanto ao arrependimento, assim se deve admitir que não aplica a Deus nem ignorância, nem erro, nem incapacidade. Ora, se ninguém cede à necessidade de arrependimento de caso pensado e deliberado, não atribuiremos arrependimento a Deus, sem que, por isso, declaremos ou que ele ignora o que há de vir, ou que ele não o pode evitar, ou que se lança, precipitada e inconsideradamente, a uma decisão de que haja de prontamente arrepender-se. Isto, contudo, tão longe está da intenção do Espírito Santo, que na própria referência ao arrependimento nega que Deus seja movido por compunção, já que ele não é um homem para que se arrependa [1Sm 15.29]. E deve notar-se que no mesmo capítulo de tal modo se associam a ambos, o arrependimento e a imutabilidade de Deus, que simples comparação concilia mui adequadamente a aparência de discrepância. Toma-se figuradamente a mudança de que Deus tenha se arrependido de ter constituído rei a Saul. Pouco depois se acrescenta:
“E também aquele que é a Força de Israel não mente nem se arrepende; porquanto não é um homem para que se arrependa” [1Sm 15.29]. Com tais palavras, claramente é confirmada a imutabilidade e sem qualquer figura.
Portanto, é indubitável que a determinação de Deus, na gestão das coisas humanas, é não só perpétua, mas ainda além de todo e qualquer arrependimento. E para que a constância não lhe fosse duvidosa, se vêem obrigados a dar testemunho em seu favor até mesmo os próprios adversários. Pois Balaão, muito a contragosto, teve
de prorromper nesta exclamação: “Deus não é como o homem, para que minta, nem como filho do homem, para que se deixe mudar; e não pode acontecer que ele deixe de fazer tudo quanto disse, e tudo quanto falou tem que cumprir-se” [Nm 23.19].

João Calvino

A certeza da Providência Divina nos propicia jubilosa confiança em Deus e em sua Operação

Mas quando essa luz da providência divina uma vez tenha refletido no homem piedoso, já não está apenas aliviado e libertado da extrema ansiedade e do temor de que era antes oprimido, mas ainda de toda preocupação. Pois assim como, com razão, se arrepia de pavor da sorte, também assim ousa entregar-se a Deus com plena segurança.
Afirmo que este é seu conforto: saber que o Pai celeste de tal modo mantém todas as coisas sob seu poder, a tal ponto as rege por sua soberania e arbítrio; de tal forma as governa por sua sabedoria, que nada acontece, a não ser por sua determinação; inclusive que ele é acolhido à sua proteção, confiado ao cuidado dos anjos; não pode ser atingido pelo dano nem pela água, nem pelo fogo, nem pelo ferro,
senão até onde aprouver a Deus, como um moderador, dar-lhes licença. Ora, o Salmo [91.3-6] canta assim: “Porquanto ele te livrará do laço do caçador e da peste perniciosa; sob sua asa te protegerá e entre suas penas terás segurança; sua verdade te será por escudo; não te arrecearás do pavor noturno, nem da seta que voa de dia, da peste que perambula nas trevas, do mal que grassa ao meio-dia” etc. Do quê
também emerge nos santos aquela confiança de gloriar: “O Senhor é meu ajudador” [Sl 118.6], “não temerei o que me possa fazer a carne” [Sl 56.4]; “o Senhor é meu protetor, de que me recearei?” [Sl 27.1]; “Se contra mim se estabelecerem acampamentos” [Sl 27.3]; “Se eu tiver de andar no meio da sombra da morte” [Sl 23.4], “não deixarei de nutrir animada esperança” [56.4].
Pergunto, pois, de que fonte tem eles tal confiança, que sua segurança nunca é abalada, senão porque, onde na aparência se vê o mundo a vaguear ao léu, sabem que, por toda parte, o Senhor opera, cuja atuação eles confiam que haverá de serlhes para o bem? Ora, se o bem-estar lhes é prejudicado, seja pelo Diabo, seja por homens celerados, na verdade aqui bem depressa, necessariamente, sucumbem, a não ser que se firmem pela lembrança e pela meditação da providência. Quando, porém, trazem à memória que o Diabo e toda a coorte dos ímpios são, de todos os lados, de tal maneira coibidos pela mão de Deus, como por um freio, que nem mesmo podem conceber qualquer malefício contra nós, nem se concebido podem arquitetar planos, nem se engendrado cabal planejamento conseguem mover um dedo para levá-lo a bom termo, a não ser quanto ele o haja permitido; aliás, a não ser quanto o haja ele mandado, não só serem mantidos acorrentados por seus grilhões, mas ainda por uma brida compelidos a render-lhe obediência – têm os piedosos onde à larga possam consolar-se. Ora, como do Senhor é armar-lhes a fúria e volvêla e dirigi-la para onde lhe aprouver, assim também cabe-lhe estabelecer o modo e o limite, para que não se esbaldem freneticamente em função de seus desejos desbragados.
Firmado por esta convicção, sua jornada que, em certo lugar [1Ts 2.18], dissera haver sido impedida por Satanás, em outro [1Co 16.7] Paulo a fixa na permissão de Deus. Se apenas dissesse que o obstáculo fora de Satanás, teria parecido conferirlhe excessivo poder, como se estivesse em sua mão contrariar até mesmo os própri os desígnios de Deus. Mas agora, quando a Deus estatui como árbitro, de cuja permissão dependem todos os caminhos, ao mesmo tempo evidencia que Satanás, seja o que for que articule, nada pode efetuar a não ser por seu arbítrio.
Do mesmo parecer é Davi, porquanto, em vista das variadas mudanças pelas quais a vida dos homens é posta constantemente a girar e, como que em um torvelinho a rodopiar, ele se acolhe a este abrigo: seus tempos estão na mão de Deus [Sl 31.5]. Poderia ele ter dito ou “o curso da vida”, ou “tempo”, no número singular; porém quis expressar pelo termo plural, “tempos”, ou, seja, por mais instável que seja a condição dos homens, todas e quaisquer vicissitudes são divinamente governadas, sempre que, de momento em momento, ocorrem.
Por esta razão, Rezim, rei da Síria, e o rei de Israel, conjugadas as forças para a destruição de Judá, embora parecessem tochas acesas para assolar e consumir a terra, são chamados pelo Profeta de “tições fumegantes” [Is 7.4], que nada podem fazer senão exalar um pouco de fumaça.
Assim faraó, ainda que fosse a todos formidável, não só por seus recursos e poderio, mas ainda pelo vulto de suas tropas, é comparado [Ez 29.3, 4] a um animal de mui grande porte. Deus anuncia, portanto, que irá apanhar com seu anzol ao comandante e seu exército e arrastá-los para onde quiser.
Enfim, para que aqui não me demore por mais tempo, se prestares atenção perceberás facilmente que o extremo de todas as misérias é o desconhecimento da providência, e que a suprema bem-aventurança está posta em seu reconhecimento.


João Calvino

A certeza da Providência Divina nos sustenta ante os perigos múltiplos que nos Ameaçam


Neste aspecto, porém, destaca-se a felicidade incalculável da mente piedosa. Incontáveis são os males que cercam a vida humana, males que outras tantas mortes ameaçam. Para que não saiamos fora de nós mesmos, visto que o corpo é receptáculo de mil enfermidades e na verdade dentro de si contém inclusas, e fomente as causas das doenças, o homem não pode a si próprio mover sem que leve consigo
muitas formas de sua própria destruição, e de certo modo a vida arraste entrelaçada com a morte.
Que outra coisa, pois, podemos dizer, quando nem nos esfriamos, nem suamos, sem perigo? Ora, para onde quer que nos volvamos, todas as coisas que estão ao derredor não só não se mostram dignas de confiança, mas até se afiguram abertamente ameaçadoras e parecem intentar morte inevitável. Se embarcamos em um navio, um passo estamos da morte. Se montamos um cavalo, no tropeçar de uma pata nossa vida periclita. Se andamos pelas ruas de uma cidade, quantas são as telhas nos telhados, tantos são os perigos a que nos expomos. Se um instrumento cortante está em nossa mão, ou na mão de um amigo, é evidente o risco que corremos.
A quantos animais ferozes vemos, armados estão para nossa destruição. Ou se procuramos fechar bem o jardim cercado, onde nada senão amenidade se mostre, aí não raro esconderemos uma serpente. Tua casa, sujeita a incêndio constante, ameaça-te pobreza durante o dia, até mesmo sufocação durante a noite. Tua terra de plantio, como está exposta ao granizo, à geada, à seca e a outros flagelos, esterilidade te anuncia e, como resultado, a fome. Deixo de mencionar envenenamentos, emboscadas, assaltos, violência franca, dos quais parte nos assedia em casa, parte nos acompanha do lado de fora.
Em meio a estas dificuldades, porventura não deve o homem sentir-se em extremo miserável, como quem na vida apenas semivivo sustenta debilmente o sôfrego e lânguido alento, não menos que se tivesse uma espada perpetuamente a pender-lhe sobre o pescoço? Que digas que essas coisas raramente acontecem, ou, sem dúvida, nem sempre, nem a todos, de fato, jamais todas a um só tempo. Concordo. Todavia, quando somos avisados pelos exemplos de outros de que podem acontecer também a nós e de que nem se deve excetuar nossa vida mais que a deles, não é possível suceder que não temamos e nos arreceemos como se não houvessem de nos sobrevir.
Portanto, que de mais calamitoso possas imaginar que esse estado de medrosa expectativa? E não seria grande afronta à glória de Deus dizer que o homem, a mais excelente criatura de quantas existem, está exposto a qualquer golpe da cega e temerária sorte?  Mas aqui o propósito é falar apenas acerca da miséria do homem, miséria que haverá de sentir, se é relegado ao domínio da sorte.

João Calvino

quinta-feira, 28 de junho de 2018

Relevância das causas Intermédias


Entretanto, enquanto isso o varão piedoso não fechará os olhos às causas inferiores. Pois, só porque os julgará serventuários da bondade divina, não significa que haverá por isso de preterir àqueles de quem houver de ser tocado por um benefício, como se não houvessem de ser merecedores de nenhuma gratidão por sua humanidade; ao contrário, se sentirá bem perto de seu coração, e de bom grado lhe confessará a obrigação, e deligenciará por manifestar-lhe o agradecimento, na medida da possibilidade e deparada a oportunidade. Enfim, nos benefícios recebidos reverenciará e louvará a Deus como seu principal autor, porém honrará aos homens como seus ministros e, como é de fato, compreenderá haver sido ligado pela vontade de Deus àqueles por cuja mão ele quis ser-lhes benévolo. Se, ou por negligência, ou por imprudência, houver experimentado alguma perda, terá para si que isso se deu realmente em virtude da vontade do Senhor; contudo, também a si próprio imputará a culpa. Se porventura alguém for acometido de uma enfermidade, a quem tratou com displicência, quando lhe devera ter a obrigação de cuidar, ainda que não ignorará haver chegado a um termo além do qual não poderia passar, contudo daí não relevará seu pecado; mas, porque não se desincumbira fielmente de seu dever para com ele, aceitará isso exatamente como se perecesse por culpa de sua negligência. Muito menos, onde hajam intervindo aleivosia e maldade premeditada na prática de um homicídio ou de um furto, as justificará sob pretexto da providência divina; ao contrário, contemplará distintamente no mesmo ato doloso a justiça de Deus e a iniqüidade do homem, como se evidencia uma e outra claramente. Mui particularmente, porém, em relação a eventos futuros, o homem piedoso levará em conta causas secundárias desta espécie. Ora, isso terá entre as bênçãos do Senhor, se não houver de carecer dos recursos humanos de que se utilize para sua incolumidade. Daí também não cessará de tomar conselhos, nem haverá de ser lerdo em implorar a assistência daqueles a quem perceberá disporem de meios donde haja de ser ajudado. Ao contrário, considerando que à mão se lhe oferecem da parte do Senhor todas e quaisquer criaturas que lhe podem prover algo, as porá para o uso como instrumentos legítimos da providência divina. E uma vez que está incerto quanto a que resultado tenham os afazeres que empreende, exceto que em todas as coisas sabe que o Senhor haverá de velar por seu bem, aspirará com diligência, quanto pode alcançar pela inteligência e pelo entendimento, àquilo que considere ser para sua conveniência. Nem contudo, ao tomar deliberações, se deixará levar pelo próprio senso; antes, se confiará e se submeterá à sabedoria de Deus, para que seja por sua orientação dirigido ao alvo certo. Além disso, tampouco temos de pôr nossa confiança no auxílio e nos meios terrenos, de tal maneira que quando os possuímos nos sintamos plenamente tranqüilos, e quando nos faltam desfaleçamos, como se já não tivéssemos remédio algum.124 Pois terá sempre a mente fixa unicamente na providência de Deus, nem permitirá que de sua firme contemplação seja distraído pela consideração das coisas presentes. Assim é que Joabe, ainda que reconheça que o resultado da batalha está no arbítrio e mão de Deus, contudo não se entrega à inércia, mas executa diligentemente o que lhe é da alçada; deixa, porém, ao Senhor a direção do resultado: “Erguernos-emos firmes”, diz ele, “por nosso povo e pelas cidades de nosso Deus; o Senhor, porém, faça o que é bom a seus olhos” [2Sm 10.12]. Este mesmo conhecimento nos impelirá, despojados de temeridade e perversa presunção, à contínua invocação de Deus; então também de boa esperança nos susterá o ânimo, para que não hesitemos em desprezar, resoluta e corajosamente, os perigos que nos cercam.

João Calvino

A Serenidade que a certeza da Providência Divina faculta ante as Adversidades


Se algo de adverso lhe houver ocorrido, aqui também o servo do Senhor de pronto elevará a mente a Deus, cuja mão muito vale para imprimir-nos paciência e serena moderação de ânimo. Se José se detivesse a considerar a perfídia dos irmãos, jamais teria conseguido readquirir em relação a eles o ânimo fraterno. No entanto, visto que ele voltou a mente para o Senhor, esquecido do agravo, inclinou-se a mansuetude e clemência, e assim, ao contrário, pôde até consolar aos irmãos e dizer: “Assim, não fostes vós que me vendestes para o Egito, mas, pela vontade de Deus, fui enviado adiante de vós, para que vos conserve a vida. Vós realmente intentastes o mal contra mim, mas o Senhor o converteu em bem” [Gn 45.7, 8; 50.20]. Se Jó se houvesse volvido para os caldeus, por quem estava sendo acossado, teria imediatamente se inflamado à vingança. Como, porém, ao mesmo tempo, ele reconhece ser esta obra do Senhor, consola-se com este belíssimo pensamento: “O Senhor o deu; o Senhor o tirou; bendito seja o nome do Senhor” [Jó 1.21]. Assim Davi, atacado por Simei com impropérios e com pedras, se houvesse fixado os olhos no homem, teria animado os seus à retaliação da ofensa. Entretanto, visto que compreende não estar aquele agindo sem o impulso do Senhor, antes os aplaca: “Deixai-o”, diz ele, “porque o Senhor lhe ordenou que amaldiçoe” [2Sm 16.10]. Com este mesmo freio, coíbe, em outro lugar [Sl 39.9], a fremência da dor: “Calei-me e emudeci”, diz ele, “porque tu, Senhor, o fizeste.” Se nenhum remédio é mais eficaz para a ira e a impaciência, certamente que frui não pouco proveito aquele que, neste aspecto, assim aprendeu a meditar a providência de Deus, que pode sempre volver a mente para este ponto: o Senhor o quis, portanto é necessário ter paciência e suportá-lo; não só porque é possível resistir, mas porque ele nada quer senão o que é justo e conveniente.123 A suma vem a ser isto: que, feridos injustamente pelos homens, posta de parte sua iniqüidade, que nada faria senão exasperar-nos a dor e acicatar-nos o ânimo à vingança, nos lembremos de elevar-nos a Deus e aprendamos a ter por certo que foi, por sua justa adminitração, não só permitido, mas até inculcado, tudo quanto o inimigo impiamente intentou contra nós. Para que nos reprima de retribuir as ofensas, Paulo sabiamente nos adverte [Ef 6.12] de que nossa luta não é contra a carne e o sangue; ao contrário, é contra o inimigo espiritual, o Diabo, a fim de que nos aprestemos a pelejar contra ele. Mas este lembrete é importantíssimo para aplacar-nos todos os impulsos de ira: que tanto ao Diabo, quanto a todos os ímpios, Deus os arma para o embate e toma assento, como se fora um mestre de liça, para que nos exercite à paciência.
Entretanto, se as calamidades e misérias que nos acossam ocorrem sem operação humana, que nos venha à lembrança o ensino da lei [Dt 28.2]: tudo o que de próspero há emana da fonte da bênção de Deus; todas as coisas adversas são maldições suas. E que esta horrível exclamação nos infunda temor: “Se andais inconsideradamente contra mim, eu também andarei inconsideradamente contra vós” [Lv 26.23]. Com essas palavras nos incrimina a obtusidade, nas quais, ao considerarmos, segundo o senso comum da carne, ser casual tudo quanto de bom ou mau acontece em um ou outro aspecto, não nos sentimos animados ao culto pelos benefícios de Deus, nem somos por seus açoites estimulados ao arrependimento. Esta é a mesma razão por que Jeremias [Lm 3.38] e Amós [3.6] altercavam acerbamente com os judeus, porquanto pensavam que tanto as coisas boas quanto as más ocorrem sem que Deus as ordene. Ao mesmo se refere esta proclamação de Isaías [45.7]: “Eu sou Deus que crio a luz e formo as trevas, que faço a paz e crio o mal; eu é que faço todas estas coisas.”

João Calvino

A Atitude do Crente tocado pela visão da Providência benigna de Deus


O servo de Deus, fortalecido tanto por essas promessas, quanto por esses exemplos, acrescentará os testemunhos que ensinam que todos os homens estão debaixo de seu poder, quer lhes seja conciliado o ânimo, quer lhes seja coibida a maldade, para que não cause ela algum malefício. Ora, é o Senhor quem nos propicia favor, não somente junto àqueles que nos querem bem, mas ainda “aos olhos dos egípcios” [Ex 3.21]. Verdadeiramente, ele sabe quebrantar de várias maneiras a virulência de nossos inimigos. Pois às vezes lhes tira o entendimento, de sorte que não sejam capazes de conceber algo de são ou sóbrio, como quando envia a Satanás para que encha de mentira a boca de todos os profetas, a fim de enganar a Acabe [1Rs 22.22]; ou quando, mediante o conselho dos jovens, ensandece a Roboão, para que, por sua insipiência, seja despojado do reino [1Rs 12.10, 15]. Algumas vezes, quando lhes concede entendimento, de tal modo os amedronta e desanima, que não queiram ou não engendrem o que conceberam. Outras vezes, ainda, quando permitiu que tentassem a que os induzia o apetite e desvairamento, cerceia-lhes oportunamente o ímpeto, nem deixa que prossigam rumo ao fim a que se propõem. Assim, dissipou antes do tempo o conselho de Aitofel, o qual haveria de ter sido fatal a Davi [2Sm 17.7, 14]. De igual modo, também, se mune de cuidado em governar todas as criaturas para o bem e segurança dos seus, e até mesmo o próprio Diabo, a quem vemos não ousar nada intentar contra Jó, sem sua permissão e mandado [Jó 1.12]. A este conhecimento segue-se, necessariamente, seja a gratidão de alma pelo próspero resultado das coisas, seja a paciência na adversidade, seja, inclusive, a inabalável segurança em relação ao porvir. Logo, qualquer coisa que advier de modo favorável e segundo o desejo do coração, tudo isso lançará como crédito a Deus, quer sinta sua beneficência através do ministério dos homens, quer seja ajudado pelas criaturas inanimadas. Pois assim arrazoará em seu coração: Por certo que é o Senhor quem inclinou o espírito destes para comigo, que assim os liga a mim para que houvessem de ser para comigo instrumentos de sua benignidade. Na abundância de frutos, refletirá: “E acontecerá naquele dia que eu atenderei, diz o Senhor; eu atenderei aos céus, e estes atenderão à terra. E a terra atenderá ao trigo, e ao mosto, e ao azeite, e estes atenderão a Jezreel” [Os 2.21, 22]. E em qualquer outra classe de prosperidade teremos por certo que só a bênção de Deus é que faz prosperar e multiplicar todas as coisas.Uma vez advertido por tantas coisas, não persistirá em ser ingrato.


João Calvino

O Conforto que aos Crentes propicia a Doutrina da Providência de Deus


Com efeito, a piedosa e santa meditação sobre a providência, que a norma da piedade nos dita, dissipará facilmente essas cavilações, ou, antes, desvarios, de indivíduos frenéticos, de sorte que daí nos provenha o melhor e mais doce fruto. Portanto, o coração cristão, quando se persuade de absoluta certeza de que tudo ocorre pela administração de Deus, de que nada acontece por acaso, sempre volverá os olhos para ele como a causa principal das coisas, contudo haverá de contemplar as causas inferiores em seu devido lugar. Conseqüentemente, não nutrirá dúvidas de que a providência singular de Deus está velando para preservá-lo, providência que não haverá de permitir que algo aconteça, senão aquilo que lhe reverta para o bem e para a salvação. Mas, uma vez que ele trata, em primeiro plano, com os homens, em segundo lugar com as demais criaturas, o coração crente se assegurará de que a providência de Deus reina sobre uns e outros. No que tange aos homens, quer sejam bons, quer sejam maus, reconhecerá que debaixo de sua mão estão seus desígnios, sua vontade, seus intentos, suas faculdades, de sorte que em seu alvitre esteja posto o vergá-los na direção que lhe aprouver e constringi-los quantas vezes bem lhe parecer. Que a providência singular de Deus vela pelo bem-estar dos fiéis, são numerosíssimas e luminosíssimas as promessas que o comprovam: “Lança teu cuidado sobre o Senhor, e ele te sustentará, nem jamais permitirá que o justo vagueie ao léu” [Sl 55.22]; “porque ele tem cuidado de nós” [1Pe 5.7]; “aquele que habita no abrigo do Altíssimo, na proteção do Deus do céu morará” [Sl 91.1]; “quem vos toca, toca a pupila de meu olho” [Zc 2.8]; “serei teu escudo” [Gn 15.1]; “um muro de bronze” [Jr 1.18; 15.20]; “me farei adversário daqueles que são teus adversários” [Is 49.25]; “ainda que a mãe se esqueça dos filhos, contudo de ti não me haverei de esquecer” [Is 49.15]. Aliás, além de tudo este é o principal propósito nas histórias bíblicas: ensinar que os caminhos dos santos são guardados pelo Senhor com zelo tão ingente, que nem sequer em pedra tropeçam [Sl 91.12]. Portanto, como, pouco antes, por nós com razão foi refutada a opinião daqueles que imaginam uma providência universal de Deus que não desce, de modo especial, ao cuidado de cada criatura, uma a uma, também é importante reconhecermos, acima de tudo, este cuidado especial para conosco. Do quê, quando Cristo afirmou [Mt 10.29-31] que nem mesmo um pardalzinho insignificantíssimo cai ao solo sem a vontade do Pai, imediatamente a isso o aplica: de quanto mais valor somos que os pardais, por isso devemos atentar para o fato de que Deus vela sobre nós com cuidado mais íntimo do que esse, e a este ponto o estende: que confiemos porque os próprios cabelos de nossa cabeça estão contados. Que outra coisa haveremos de anelar para nós, se nem um só fio de cabelo nos pode cair da cabeça, a não ser por sua vontade? Não estou falando só do gênero humano; mas, uma vez que Deus escolheu para si a Igreja por morada, não há dúvida de que isso evidencia, por provas singulares, o paternal cuidado em governá-la.

João Calvino

domingo, 24 de junho de 2018

QUAL O NOME DE DEUS

Na Bíblia, Deus é chamado por vários nomes: ELOHIM (אֱלוֹהִים), que significa “Deus”; ELÔAH (אֱלוֹהַּ), que significa “Deus”; EL (אֵל), que significa “Deus”; ELION (עֶלְיוֹן), que significa “Altíssimo”; SHADAY (שַׁדָּי), que significa “Onipotente”; ADONAY (אֲדוֹנָי), que significa “Senhor” e YAHVEH (יַהְוֶה), que significa “Ele faz existir”.

Este último nome, YAHVEH, é o único nome que é realmente o nome próprio de Deus. Os outros nomes são mais títulos do que nomes propriamente.

Este nome é derivado da forma causativa do verbo hebraico HAVAH (הָוָה), que significa “ser”, ou “existir”.

O nome YAHVEH significa “Ele faz existir”.

O nome YAHVEH aparece muitas vezes no Tanach (Antigo Testamento).

Este nome é considerado o mais sagrado dos nomes de Deus.

No entanto, na maioria das traduções da Bíblia, onde aparece o nome YAHVEH, este nome é substituído pela palavra “Senhor” ou pela palavra “Deus”.

Isto acontece pela seguinte razão:

A partir do século III AEC, os judeus deixaram de pronunciar o nome sagrado de Deus, YAHVEH, porque achavam que seria uma profanação pronunciá-lo, e por isso, ao lerem a Bíblia, onde estava escrito YAHVEH, eles pronunciavam ADONAY, que significa “Senhor”. Por este motivo, quando a Bíblia foi traduzida para o grego, onde aparecia o nome sagrado YAHVEH, eles colocaram KYRIOS, que em grego significa “Senhor”. Posteriormente, ao traduzirem a Bíblia para o latim, onde aparecia o nome sagrado, eles colocaram “Dominus”, que significa “Senhor”, e depois, quando traduziram para o português, colocaram “Senhor”.

Em algumas traduções mais modernas, onde aparece o nome YAHVEH, eles colocaram SENHOR, com todas as letras maiúsculas, para que o leitor saiba que ali a palavra SENHOR está substituindo o nome sagrado de Deus, YAHVEH.  E quando no texto original da Bíblia, em hebraico, aparece o nome ADONAY, eles colocam Senhor, com apenas a inicial maiúscula.

O nome YAHVEH, quando adaptado para a língua portuguesa, fica JAVÉ, ou JAEVÉ.  Isto porque, em hebraico, o nome é pronunciado YAHVEH ou YAHEVEH, conforme se pronuncie de forma mais rápida ou mais pausada.

Algumas pessoas pronunciam o nome sagrado de Deus como YEHOVAH, e o adaptam para a língua portuguesa como JEOVÁ.  No entanto, a pronúncia certa é YAHVEH.

Esta divergência de pronúncia ocorreu pelas seguintes razões:

O Tanach (Antigo Testamento) foi escrito em hebraico.

No alfabeto hebraico, originalmente, não existiam vogais, só existiam consoantes. Não era necessário escrever as vogais, porque as pessoas que conhecem bem a língua hebraica, lêem perfeitamente o texto escrito só com consoantes, e inclusive as raízes das palavras, em hebraico, são constituídas somente de consoantes, que são vocalizadas de várias formas, para formar verbos, substantivos, adjetivos, etc. 

Quando os judeus deixaram de pronunciar o nome YAHVEH, este nome continuou a ser pronunciado pelos sacerdotes, no Templo, quando abençoavam o povo com a bênção sacerdotal (Números 4:24-26).  Portanto, a verdadeira pronúncia do nome sagrado continuou conhecida.

No entanto, no ano 70 EC, o Templo de Deus foi destruído pelos romanos, e então os judeus deixaram completamente de pronunciar o nome sagrado de Deus, e por isso, aos poucos, a verdadeira pronúncia foi caindo no esquecimento, embora a tradição judaica diga que alguns rabinos, ao longo dos séculos, sabiam a verdadeira pronúncia do nome sagrado de Deus, que é também chamado de tetragrama sagrado, pois é formado por quatro consoantes: YHVH (יהוה).

Na mesma ocasião em que o Templo de Deus foi destruído, a cidade de Jerusalém também foi destruída, e os judeus foram expulsos da sua terra e foram espalhados entre as nações.

Por isso, os judeus deixaram de falar o hebraico no dia-a-dia, e passaram a usar a língua hebraica apenas para orar e ler a Bíblia e para escrever comentários sobre a Bíblia. 

Em decorrência disso, começou a surgir o risco de ninguém mais saber qual a pronúncia correta do texto da Bíblia. 

Então os judeus inventaram uns sinais, constituídos de pontos e traços, que são colocados embaixo ou acima das consoantes, que representam as vogais, e colocaram estes sinais de vogais em todo o texto do Tanach (Velho Testamento). 

Como onde aparecia o nome YAHVEH eles pronunciavam ADONAY, então eles colocaram nas consoantes do nome YAHVEH as vogais de ADONAY, e isto fez com que surgisse a forma YEHOVAH.

No entanto, três escritores cristãos antigos, um chamado Clemente de Alexandria, outro chamado Teodoreto e outro chamado Epifânio de Salamis, escreveram o nome sagrado de Deus em letras gregas. Clemente de Alexandria escreveu IAOUE, que se pronuncia IAUE, pois em grego OU pronuncia-se U. [1] Teodoreto escreveu IABE, que se pronuncia IAVE, pois em grego a letra B se pronuncia V. [2] [3] Epifânio de Salamis também escreveu IABE, que se pronuncia IAVE. [4] A letra hebraica vav, que corresponde ao nosso v, originalmente era pronunciada com o som de u, e por isso em hebraico às vezes a letra vav é usada para representar o som de u. Por isso, alguns transliteram a letra vav como w, e não como v.

Clemente de Alexandria escreveu aproximadamente no ano 215 EC. Teodoreto escreveu aproximadamente no ano 466 EC. Epifânio de Salamis escreveu aproximadamente no ano 370 EC.

Na época em que eles escreveram, ainda se sabia a pronúncia correta do nome sagrado de Deus.  Como eles escreveram em letras gregas, e no alfabeto grego existem vogais, ficamos sabendo que a pronúncia correta do nome de Deus é YAHVEH (יַהְוֶה).

Inclusive, é interessante notar que os judeus, que antes usavam sempre a palavra ADONAI para substituir o nome YAHVEH na leitura da Bíblia e nas orações, de um certo tempo para cá passaram a usar, para este fim, a palavra HASHEM, que significa “O Nome”.

É possível que os rabinos que ainda conheciam a verdadeira pronúncia do nome de Deus tenham incentivado os judeus a usarem a palavra HASHEM para assim conservarem a memória das verdadeiras vogais do nome sagrado de Deus, pois as vogais de HASHEM são as mesmas vogais de YAHVEH.

É possível que eles tenham feito isto por saberem que é necessário preservar a verdadeira pronúncia do nome de Deus, pois o Templo de Deus, em Jerusalém, será em breve reconstruído, e então os sacerdotes terão que usar o nome sagrado de Deus, YAHVEH, para abençoarem o povo com a bênção sacerdotal (Números 6:22-27), pois em Números 6:27, está escrito que Deus disse: “E porão o Meu Nome sobre os filhos de Israel, e eu os abençoarei.”

Existe também uma forma abreviada do nome de Deus, que é YAH (יָהּ).  Este nome é o mesmo nome YAHVEH, porém abreviado.  Este nome aparece principalmente em textos poéticos, como, por exemplo, no cântico de Moisés (Êxodo 15:2), e no Salmo 118, versículo 5.

Esta forma abreviada YAH aparece também na expressão HALELU YAH, que é adaptada para o português como ALELUIA, e que significa “LOUVAI A YAH”.

No nome YAH, o H final é pronunciado, como um H aspirado. Por isso, a pronúncia deste nome é YAHE. 

Este nome, ao ser adaptado para a língua portuguesa, fica JAE.

O fato de a vogal desta forma abreviada do nome de Deus ser A mostra que a primeira vogal do nome de Deus é A, o que evidencia que a verdadeira pronúncia do nome de Deus é YAHVEH (יַהְוֶה).

Há na Bíblia vários nomes de pessoas que são formados com formas abreviadas do nome de Deus. Exemplos: Yesha’yáhu (Isaías), Yirmeyáhu (Jeremias), Netanyáhu (Netanias), Yehoshúa (Josué), Yehochanân (Joanã, ou João), Yehoshafát (Josafá).

Em alguns nomes de pessoas, a forma abreviada do nome de Deus aparece no final da palavra, e em outros, a forma abreviada do nome de Deus aparece no início da palavra.

A forma abreviada do nome de Deus que aparece no final de nomes de pessoas é “Yáhu” (יָהוּ).

A forma abreviada do nome de Deus que aparece no início de nomes de pessoas é Yeho (יְהוֹ).

Em hebraico, as vogais da palavra se alteram quando a palavra recebe um sufixo.

Por exemplo: A palavra "sêfer" (livro), ao receber o sufixo "im" para fazer o plural, fica "sefarím" (livros).

Outro exemplo: A palavra "davár" (palavra), ao receber o sufixo "eikhem" (sufixo do plural com pronome pessoal da segunda pessoa do plural), fica "divreikhêm" (vossas palavras).

Portanto, para saber quais eram as vogais originais do nome de Deus, devemos nos basear na forma abreviada do nome de Deus que aparece no final dos nomes próprios, que é "Yáhu" (exemplos: Yesha'yáhu, Yirmeyáhu, Netanyáhu).

"Yáhu" é uma forma abreviada de "Yahevéh", assim como "yehí" é uma forma abreviada de "yiheyéh).

Portanto, o nome de Deus é "Yahevéh", nome este que, quando é pronunciado rapidamente, é pronunciado "Yahvéh".

A forma abreviada "Yeho", que aparece no início de vários nomes próprios (como, por exemplo, Yehoshúa, Yehochanân, Yehoshafát), é a mesma forma abreviada "Yáhu", que teve as suas vogais alteradas porque foi acrescentado a ela um sufixo, que é a segunda parte do nome próprio (nos exemplos acima, "shúa", "chanân" e "shafát").

Quando os judeus deixaram de pronunciar o nome de Deus, no século III AEC, eles cometeram um grande erro.

Eles deixaram de pronunciar o nome de Deus, porque interpretaram erradamente o mandamento de Deus que está em Êxodo 20:7, e pensaram que este mandamento significa que não devemos pronunciar o nome de Deus em vão.

No entanto, o verdadeiro significado deste mandamento é outro.

A tradução correta de Êxodo 20:7, é a seguinte: “NÃO LEVANTARÁS O NOME DE JAVÉ TEU DEUS PARA FALSIDADE”. 

Isto significa que nós não devemos usar o nome de Deus para enganar o nosso próximo, jurando pelo nome de Deus e descumprindo o juramento.

Significa que quando nós juramos pelo nome de Deus, devemos cumprir o juramento.

Deus ordenou que nós juremos pelo nome dele, como está escrito em Deuteronômio 6:13: “A JAVÉ TEU DEUS TEMERÁS E A ELE SERVIRÁS, E PELO SEU NOME JURARÁS.”

E em Salmos 105:1 está escrito: “LOUVAI A JAVÉ, INVOCAI O SEU NOME”.

Portanto, vemos que Deus quer que nós pronunciemos o Seu nome.

Em Êxodo 23:13, está escrito: “E EM TUDO O QUE VOS TENHO DITO, GUARDAI-VOS; E DO NOME DE OUTROS DEUSES NEM VOS LEMBREIS, NEM SE OUÇA DA VOSSA BOCA.”

Portanto, vemos que Deus não quer que nós pronunciemos os nomes dos outros deuses, os falsos deuses, que são demônios (Deuteronômio 32:17), e vemos também que Deus disse que não pronunciar o nome de alguém é uma demonstração de execração, e não de respeito. 

Assim sendo, constata-se que Deus quer que nós pronunciemos o nome d’Ele, e juremos pelo nome d’Ele, e cumpramos os juramentos.

Está escrito em Joel 3:5 (em algumas Bíblias é 2:32): “E acontecerá que todo o que invocar o nome de Javé será salvo”.

Portanto, precisamos pronunciar e invocar o nome de Javé para sermos salvos.

Existem algumas pessoas que dizem que não se deve adaptar o nome YAHVEH para outras línguas.  No entanto, esta adaptação é necessária, pois cada língua tem o seu sistema fonético, e existem alguns fonemas (sons) que existem em uma língua, mas não existem em outra língua. 

Por exemplo: Em Português, não existe o Y como semivogal, em início de sílaba, mas sim somente como vogal. 

Portanto, se nós não fizermos a adaptação do nome YAHVEH para Javé, a maioria das pessoas irá pronunciar Y-AH-VEH, com três sílabas, o que é errado, pois o Y aí é semivogal, e funciona como consoante, de modo que YAH é uma só sílaba, e o nome sagrado deve ser pronunciado YAH-VEH, com apenas duas sílabas, ou YA-HE-VEH, se for pronunciado de forma mais pausada. 

Além disso, as pessoas não iriam pronunciar o H aspirado que existe no meio da palavra, de modo que de qualquer forma a pronúncia estaria errada. 

Além disso, se não fizéssemos a adaptação para o Português, as pessoas achariam a grafia YAHVEH estranha, e não saberiam como pronunciar, e acabariam não pronunciando, ou evitando pronunciar.

Como Deus é o Criador de todas as nações, e todas as nações devem adorá-lo, então o Seu nome deve ser adaptado para todas as línguas.

Foi o próprio Deus quem fez a confusão das línguas, como vemos em Gênesis11:1-9, de modo que Ele sabe perfeitamente que cada povo tem a sua língua e o seu sistema fonético diferentes dos de outros povos, o que torna necessário adaptar os nomes próprios de uma língua para outra, para que as pessoas possam pronunciá-los.

Portanto, aqui no Brasil, podemos pronunciar o nome de Deus nas suas formas adaptadas para a língua portuguesa, que são Javé, Jaevé e Jae.

Para mais detalhes sobre este assunto, vejam também a página chamada O NOME DE DEUS É YAOHU?

Que Javé (Yahveh) vos abençoe.

João Paulo Fernandes Pontes.

Publicado em 30 de dezembro de 2003.

Atualizado em 5 de maio de 2016.