Portanto,
que significa o termo arrependimento quando aplicado a Deus?
Exatamente o que significam todas as demais formas de expressão
que nos descrevem Deus antropomorficamente. Ora, uma vez que nossa
insuficiência não atinge sua excelsitude, a descrição que dele nos é
apresentada tem de se acomodar à nossa capacidade, para que seja por nós
entendida. Esta é, na verdade, a forma de acomodação: que se representa, não
tal como é em si, mas como nós o sentimos.
Embora ele
esteja além de todo estado passional, no entanto testifica que se
ira contra os pecadores. Portanto, assim como, quando ouvimos que Deus se ira,
não devemos imaginar que exista nele qualquer emoção, mas, antes, devemos
considerar esta expressão como tomada de nosso prisma, porquanto é como
se Deus exibisse
o semblante
de uma pessoa inflamada e irada sempre que exerce o juízo; assim também
não devemos conceber outra coisa sob o vocábulo arrependimento senão
a mudança de ação, porquanto os homens costumam, ao mudarem o curso da ação, atestar
que estão insatisfeitos consigo mesmos. Logo, como qualquer mudança
entre
os homens é
correção do que desagrada, mas a correção provém do arrependimento, por isso
pelo termo arrependimento se entende o que Deus muda em
suas obras. Entretanto, não se reverte nele nem o plano, nem a vontade, nem se
oscila seu sentimento. Ao contrário, o que desde a eternidade previra,
aprovara, decretara, leva adiante em perpétuo teor, por mais súbita que a
variação pareça aos olhos dos
homens.
João
Calvino