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quinta-feira, 28 de junho de 2018

O Conforto que aos Crentes propicia a Doutrina da Providência de Deus


Com efeito, a piedosa e santa meditação sobre a providência, que a norma da piedade nos dita, dissipará facilmente essas cavilações, ou, antes, desvarios, de indivíduos frenéticos, de sorte que daí nos provenha o melhor e mais doce fruto. Portanto, o coração cristão, quando se persuade de absoluta certeza de que tudo ocorre pela administração de Deus, de que nada acontece por acaso, sempre volverá os olhos para ele como a causa principal das coisas, contudo haverá de contemplar as causas inferiores em seu devido lugar. Conseqüentemente, não nutrirá dúvidas de que a providência singular de Deus está velando para preservá-lo, providência que não haverá de permitir que algo aconteça, senão aquilo que lhe reverta para o bem e para a salvação. Mas, uma vez que ele trata, em primeiro plano, com os homens, em segundo lugar com as demais criaturas, o coração crente se assegurará de que a providência de Deus reina sobre uns e outros. No que tange aos homens, quer sejam bons, quer sejam maus, reconhecerá que debaixo de sua mão estão seus desígnios, sua vontade, seus intentos, suas faculdades, de sorte que em seu alvitre esteja posto o vergá-los na direção que lhe aprouver e constringi-los quantas vezes bem lhe parecer. Que a providência singular de Deus vela pelo bem-estar dos fiéis, são numerosíssimas e luminosíssimas as promessas que o comprovam: “Lança teu cuidado sobre o Senhor, e ele te sustentará, nem jamais permitirá que o justo vagueie ao léu” [Sl 55.22]; “porque ele tem cuidado de nós” [1Pe 5.7]; “aquele que habita no abrigo do Altíssimo, na proteção do Deus do céu morará” [Sl 91.1]; “quem vos toca, toca a pupila de meu olho” [Zc 2.8]; “serei teu escudo” [Gn 15.1]; “um muro de bronze” [Jr 1.18; 15.20]; “me farei adversário daqueles que são teus adversários” [Is 49.25]; “ainda que a mãe se esqueça dos filhos, contudo de ti não me haverei de esquecer” [Is 49.15]. Aliás, além de tudo este é o principal propósito nas histórias bíblicas: ensinar que os caminhos dos santos são guardados pelo Senhor com zelo tão ingente, que nem sequer em pedra tropeçam [Sl 91.12]. Portanto, como, pouco antes, por nós com razão foi refutada a opinião daqueles que imaginam uma providência universal de Deus que não desce, de modo especial, ao cuidado de cada criatura, uma a uma, também é importante reconhecermos, acima de tudo, este cuidado especial para conosco. Do quê, quando Cristo afirmou [Mt 10.29-31] que nem mesmo um pardalzinho insignificantíssimo cai ao solo sem a vontade do Pai, imediatamente a isso o aplica: de quanto mais valor somos que os pardais, por isso devemos atentar para o fato de que Deus vela sobre nós com cuidado mais íntimo do que esse, e a este ponto o estende: que confiemos porque os próprios cabelos de nossa cabeça estão contados. Que outra coisa haveremos de anelar para nós, se nem um só fio de cabelo nos pode cair da cabeça, a não ser por sua vontade? Não estou falando só do gênero humano; mas, uma vez que Deus escolheu para si a Igreja por morada, não há dúvida de que isso evidencia, por provas singulares, o paternal cuidado em governá-la.

João Calvino