Total de visualizações de página

quinta-feira, 10 de maio de 2018

NEM MAIS FAVORÁVEL LHES É TERTULIANO


Em nada mais verazmente tomam a Tertuliano por patrono, porque, embora ele seja por vezes rude e espinhoso em sua maneira de expressar-se, entretanto não ambiguamente ensina a suma da doutrina que estamos a defender, isto é, visto ser Deus uno e único, no entanto, por dispensação ou economia, existe sua Palavra; um
só e único é Deus na unidade da substância, e não obstante, pelo mistério da dispensação, a unidade se dispõe em uma trindade; são três não em estado, mas em grau; não em substância, mas em forma; não em poder, mas em ordem. É verdade que ele
confessa admitir o Filho como segundo em relação ao Pai, todavia não o entende como outro senão em função da distinção pessoal. Em algum outro lugar, ele diz que o Filho é visível, entretanto, após haver arrazoado ambos os lados da questão, conclui ser ele invisível até onde é a Palavra. Finalmente, afirmando que o Pai é determinado em termos de sua pessoa, Tertuliano prova estar muito distanciado deste constructo ficcional que estamos a refutar. E ainda que não reconheça outro Deus além do Pai, no entanto, explicando-se a si mesmo no contexto imediato, mostra estar falando acerca do Filho não em termos excludentes, visto que nega ser ele outro Deus senão o Pai, e desta sorte não se viola a monarquia pela distinção de pessoa.
E de seu constante propósito pode-se de pronto coligir o sentido de seus termos. Pois contende contra Práxeas que, embora Deus se distinga em três pessoas, entretanto não resulta uma pluralidade de deuses, nem sua unidade é cindida. E porque, segundo o errôneo constructo de Práxeas, que Cristo não podia ser Deus sem ser o
próprio Pai, por isso Tertuliano trata com especial empenho dessa distinção. Entretanto, ainda que de uma maneira dura, é escusável, uma vez que não se refere à substância, mas apenas conota disposição e economia que somente às Pessoas convém,
como o testifica o próprio Tertuliano. Daí pronuncia também esta exclamação: “Quantas pessoas pensas que existem, ó perversíssimo Práxeas, senão tantas quantas são os nomes?” De igual modo, ainda pouco depois: “Para que creiam no Pai e no Filho, em cada um segundo seu nome e pessoa específicos.” Com estas considerações julgo poder-se refutar suficientemente a despudorada
insolência daqueles que tentam ludibriar os símplices escudados na autoridade de Tertuliano.


João Calvino