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domingo, 13 de maio de 2018

O Testemunho Patrístico em geral confirma a Doutrina da Trindade


sem dúvida, quem quer que diligentemente compare os escritos dos antigos, em Irineu nada achará senão aquilo que foi transmitido pelos outros que desde esse tempo o seguiram. Justino Mártir é um dentre os mais antigos e em tudo nos abona.
Objetam que, tanto por ele quanto pelos demais, o Pai de Cristo é chamado o Deus único e uno. Hilário também ensina o mesmo, inclusive fala mais incisivamente que a eternidade está no Pai. Porventura ele visava a subtrair do Filho a essência de
Deus? Com efeito, ele se devota totalmente à defesa desta fé que seguimos. Contudo, não se envergonham em coligir expressões mutiladas de sua lavra, à base das quais se persuadem de que Hilário é patrono em seu erro.
Quanto ao que evocam em relação a Inácio, se o que citam dele tenha alguma relevância, então provem que os apóstolos ditaram algum preceito quanto à quaresma e corruptelas afins. Aliás, nada mais repugnante existe que aquelas funéreas baboseiras que foram publicadas sob o nome de Inácio!
Ainda menos de tolerar-se é a impudica insolência desses que se provêem de tais máscaras no afã de enganar. Com efeito, aqui claramente se vê o consenso dos antigos, a saber, que, no Concílio de Nicéia, Ário nem ousou acobertar-se da autoridade de qualquer escritor reconhecido, e dentre os gregos ou latinos ninguém se
escusa de dissentir de seus predecessores.
Quão cuidadosamente esquadrinhou Agostinho os escritos de todos estes, em relação aos quais estes biltres são extremamente contrários, e quão reverentemente aquele os abraçou, não há necessidade de dizer absolutamente nada. Nem há dúvida de que em cada mínima discrepância costuma ele mostrar por que se vê compelido a afastar-se deles. Ademais, se nesta matéria leu em outros algo ambíguo ou obscuro, não deixa de mencioná-lo. Toma, porém, por pressuposto que, desde a extrema antigüidade, esta doutrina foi recebida sem controvérsia, a qual estes biltres estão a
atacar. Contudo, ele não ignorou o que outros haviam previamente ensinado, na realidade se faz patente, de uma só palavra, onde diz que a unidade está no Pai.
Porventura vociferarão que ele teria então esquecido de si próprio? Com efeito, em outro lugar ele se expurga desta cavilação, onde ao Pai chama de princípio de toda a Deidade, porquanto de ninguém deriva ele a existência, ponderando, aliás assisadamente, que o termo Deus se atribui ao Pai de modo especial, porque a não ser que dele esteja o ponto de partida, não há como conceber-se simples unidade de Deus.
Mercê destas considerações, contudo, o leitor piedoso por fim reconhecerá, segundo espero, estar desmantelada todas as cavilações com que Satanás tem tentado até agora perverter ou entenebrecer a pura fé da doutrina. Finalmente, confio que
tenha sido fielmente explicada toda a suma desta doutrina, desde que os leitores imponham moderação à curiosidade, nem reivindiquem para si avidamente mais do que se faz necessário controvérsias molestas e perplexivas. Aliás, creio que bem pouco satisfeitos haverão de ficar aqueles a quem deleita o imoderado gosto de especular. Certamente, nada omiti capciosamente que julgasse ser-me contrário; antes, enquanto me esforço para a edificação da Igreja, me pareceu que seria melhor não abordar muitos pontos que não só seriam de bem reduzido proveito, como também afetariam os leitores de supérfluo enfado. Porque, de que serve disputar se o Pai gera sempre? Tendo como indubitável que desde toda a eternidade há em Deus três Pessoas, este ato contínuo de gerar não é mais que uma fantasia supérflua e frívola.

João Calvino