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quinta-feira, 31 de maio de 2018

A DEGENERESCÊNCIA DOS SERES DIABÓLICOS


Como, porém, o Diabo foi criado por Deus, lembremo-nos de que esta malignificência que atribuímos à sua natureza não procede da criação, mas da depravação. Tudo quanto, pois, tem ele de condenável, sobre si evocou por sua defecção e queda. Pois visto que a Escritura nos adverte, para que não venhamos, crendo que
ele recebeu de Deus exatamente o que é agora, a atribuir ao próprio Deus o que lhe é absolutamente estranho. Por esta razão, Cristo declara [Jo 8.44] que Satanás, quando profere a mentira, fala do que é próprio à sua natureza, e apresenta a causa: “porque não permaneceu na verdade.” De fato, quando estatui que Satanás não persistiu na verdade, implica em que outrora ele estivera nela; e quando o faz pai da mentira, lhe exime isto: que não se impute a Deus a falta da qual ele mesmo foi a causa. Mas, embora essas considerações fossem expressas de forma sucinta e não com tanta
clareza, no entanto são mais do que suficientes, para que de toda insinuação cavilosa se vindique a majestade de Deus. E que proveito há em conhecermos dos seres diabólicos mais ou para outro fim?
Murmuram alguns por que a Escritura não expõe, sistemática e distintamente, em muitas passagens, essa queda e sua causa, modo, tempo e natureza. Mas, uma vez que essas coisas nada têm a ver conosco, lhe pareceu melhor, ou não dizer absolutamente nada, ou que fossem tocadas apenas de leve, pois não foi digno do
Espírito Santo alimentar-nos a curiosidade com histórias fúteis, destituídas de proveito.
E vemos ter sido este o propósito do Senhor: nada ensinar em seus sagrados oráculos que não aprendêssemos para nossa edificação.
Portanto, para que nós próprios não nos detenhamos em demasia em coisas supérfluas, no que se refere à natureza dos seres diabólicos estejamos contentes com resumirmos a matéria assim: na criação original foram anjos de Deus; mas, em degenerando, perderam-se e se fizeram instrumentos de perdição a outros. Pois o
que era proveitoso de se conhecer, claramente se ensina em Pedro e Judas [2Pe 2.4; Jd 6]: “Deus não poupou”, dizem eles, “aos anjos que pecaram e não conservaram sua origem; ao contrário, abandonaram sua morada.” E Paulo, mencionando os anjos eleitos [1Tm 5.21], sem dúvida contrasta com eles tacitamente os réprobos.

João Calvino