Que os
anjos são espíritos celestiais, de cujo ministério e serviço Deus se utiliza para
efetuar tudo que decretou, isso se lê em muitos lugares na Escritura. Donde também
lhes foi atribuído este designativo, visto que, para manifestar-se aos homens, Deus
os emprega como emissários intermediários.
Por uma
razão semelhante, foram tomados também os demais designativos pelos quais são
assinalados. Denominam-se exércitos porque, como elementos de sua
guarda, rodeiam a seu Príncipe, adornam-lhe a majestade e a tornam
ostensiva, e como soldados estão sempre atentos ao sinal de seu comandante, e
desse modo
estão
preparados e prontos para cumprir-lhe as ordens, de sorte que, tão logo ele lhes
acena, à ação se preparam, ou, antes, entram em ação. Como, para proclamar lhe
a magnificência, os demais profetas pintam essa representação do trono de
Deus, porém Daniel o faz sobremaneira [7.10], onde menciona que se
puseram de pé mil
milhares e
dez vezes mil miríades de anjos, quando Deus subiu a seu tribunal.
Uma vez que
também, por meio deles, o Senhor expressa e manifesta maravilhosamente a força
e a punjança de sua mão, daí os anjos serem chamados poderes. Porque,
acima de tudo, através deles Deus exerce e administra sua soberania no universo,
por isso ora são chamados principados, ora potestades,
ora domínios [1Co 15.24; Ef 1.21; Cl 1.16].
Finalmente,
porque neles, de certo modo, reside a glória de Deus, por esta razão são também
chamados tronos, visto que, em referência a esta última designação,
prefiro nada afirmar, já que interpretação diferente se adequa bem, ou
igualmente, ou ainda melhor. De fato, omitido este designativo, o Espírito
Santo se serve não poucas vezes daqueles precedentes para exalçar a dignidade
do ministério angélico.
Pois, nem é
razoável que sem honra se releguem estes instrumentos, mercê dos quais Deus
exibe, de modo especial, a presença de sua soberana majestade. Além disso,
também à vista disso, não uma vez só, os anjos são chamados deuses,
visto que, em seu ministério, como em um espelho, em certa medida a Deidade nos
é representada. Ora, ainda que a mim não me desagrade o fato de que
os escrito res antigos interpretam que, onde a Escritura
registra que o Anjo de Deus apareceu a Abraão [Gn 18.1] a Jacó [Gn 32.1, 28], a
Moisés e outros [Js 5.14; Jz 6.12; 13.9,
22], esse
Anjo era Cristo; contudo, mais freqüentemente, onde se faz menção de todos os
anjos, este designativo, deuses, lhes é conferido. Tampouco deve
isso parecer-nos coisa surpreendente, porque, se a príncipes e prepostos se
outorga esta honra [Sl 82.6], porquanto, em sua função, fazem as vezes de Deus,
que é o Supremo Rei e Juiz, muito maior razão a que seja conferida aos anjos,
em quem a efulgência da glória divina esplende muito mais copiosamente.
João
Calvino