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quinta-feira, 10 de maio de 2018

A subordinação do Filho não lhe implica Divindade de Categoria Inferior


Quanto à objeção de que, se Cristo é propriamente Deus, sua designação Filho de Deus seria improcedente, já foi respondida, visto que, em tal caso, se estabelece comparação de uma pessoa com outra, circunstância em que não se toma o termo Deus sem particularização; ao contrário, restringe-se ao Pai, em que ele é o princípio da Deidade, não por conferir essência ao Filho e ao Espírito, como tartamudeiam os fanáticos, mas em razão de ordem hipostática. Neste sentido se toma aquela palavra de Cristo em relação ao Pai [Jo 17.3]: “Esta é a vida eterna, que creiam em
ti como o único Deus verdadeiro e em Jesus Cristo, a quem tu enviaste.” Ora, falando na condição de Mediador, Cristo mantém uma posição intermédia entre Deus e os homens, todavia nem por isso é minimizada sua majestade. Pois, embora se esvaziasse
a si mesmo [Fp 2.7], contudo sua glória, glória que esteve oculta dos olhos do mundo, não a perdeu ele junto ao Pai. Assim, o Apóstolo, na Epístola aos Hebreus [1.10 e 2.9], embora confesse que por breve tempo fora ele reduzido à condição de inferioridade aos anjos, entretanto não hesita ao mesmo tempo em asseverar que ele
é o Deus eterno que lançou os fundamentos da terra. Deve-se sustentar, pois, que vezes sem conta Cristo se dirige ao Pai na qualidade de Mediador, sob este designativo de Deus está compreendida sua Deidade, que é também a Deidade do próprio
Cristo. Assim, quando dizia aos apóstolos: “Convém que eu suba ao Pai, porque o Pai é maior do que eu” [Jo 14.28; 16.7], não está atribuindo a si apenas uma divindade secundária, como se no que tange à essência eterna seja inferior ao Pai, mas porque, sendo Mediador que possui a glória celestial, consorcia os fiéis na participação dessa glória. Situa o Pai em posição superior até onde a plena perfeição de esplendor que se patenteia no céu difere desta medida da glória que foi nele manifestada, enquanto revestido da carne. Pela mesma razão, Paulo diz, em outro lugar [1Co15.24, 28], que Cristo haverá de entregar o reino ao Deus e Pai, para que Deus
seja tudo em todas as coisas.
Nada há mais absurdo do que privar a Deidade de Cristo de perpetuidade. Ora, se nunca deixará ele de ser o Filho de Deus, ao contrário, permanecerá sempre o mesmo que foi desde o princípio, segue-se que, sob o nome de Pai, se compreende a essência única de Deus, que lhes é comum a ambos. E de fato Cristo desceu até
nós para que, elevando-nos até o Pai, ao mesmo tempo também nos elevasse a si próprio, visto ser um com o Pai. Portanto, restringir o termo Deus exclusivamente ao Pai, de sorte que o subtraia do Filho, nem é justo, nem correto. Aliás, também por esta causa João afirma ser ele o verdadeiro Deus [Jo 1.1; 5.20], não o imagina como
que se situando em um segundo grau de deidade, abaixo do Pai. Ademais, quedo-me perplexo quanto ao que estes fabricantes de novos deuses pretendam, quando, havendo confessado a Cristo como verdadeiro Deus, de pronto o excluem da deidade do Pai, como se nenhum outro possa ser verdadeiro Deus senão aquele que é um e uno, ou como se uma divindade transfusa não seja alguma invenção nova!

João Calvino