Na verdade,
para expressar a força desta distinção, não sei se convenha lançar mão de
comparações à base das coisas humanas. De fato, os antigos costumam, por vezes,
fazer isso, mas, ao mesmo tempo, confessam que fica muito longe da realida de
tudo quanto trazem à baila como analogia, do que resulta que me arreceio de
toda e qualquer ousadia aqui, para que não dê oportunidade, seja de cavilação
aos maldosos, seja de erro aos ignaros, se algo vier a apresentar-se não muito
a propósito.
Entretanto,
não convém passar em silêncio a distinção que observamos expressa nas
Escrituras, e esta consiste em que ao Pai se atribui o princípio de ação, a
fonte e manancial de todas as coisas; ao Filho, a sabedoria, o conselho e a
própria dispensação
na operação
das coisas; mas ao Espírito se assinala o poder e a eficácia da ação. Com
efeito, ainda que a eternidade do Pai seja também a eternidade do Filho e do
Espírito, posto que Deus jamais pôde existir sem sua sabedoria e poder, nem se deve
buscar na eternidade antes ou depois, todavia não é vã ou
supérflua a observância de uma ordem, a saber: enquanto o Pai é tido
como sendo o primeiro, então se diz que o Filho procede dele;
finalmente, o Espírito procede de ambos. Ora, até mesmo o mero entendimento
de cada um, de seu próprio arbítrio, o inclina a considerar a Deus em
primeiro plano; em seguida, emergindo dele, a Sabedoria; então,
por fim, o
Poder pelo qual executa os decretos, diz-se que o Espírito procede, ao mesmo
tempo, do Pai e do Filho. Isto, na realidade, em muitas passagens, contudo em
parte alguma está mais explícito do que no capítulo 8 da Epístola aos
Romanos [v. 9], onde, na verdade, o mesmo Espírito é indiferentemente designado
ora Espírito
de Cristo, ora Espírito daquele que dos mortos
ressuscitou a Cristo [v. 11], e não sem razão plausível.
Ora, Pedro
também testifica [1Pe 1.11; 2Pe 1.21] que o Espírito de Cristo foi Aquele pelo
qual os profetas vaticinaram quando tantas vezes a Escritura ensina que fizeram
isso pelo Espírito de Deus, o Pai.
João
Calvino