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quinta-feira, 31 de maio de 2018

Limitação do poder Satânico sobre os Crentes e domínio sobre os Incrédulos


Ora, visto ser verdade que Deus verga os espíritos imundos para cá e para lá, conforme lhe apraz, de tal modo regula este regime que, lutando, aos fiéis molestam, acometem com ciladas, investem com incursões, acossam em combate, não raro até os prostram exaustos, os lançam em confusão, os tornam aterrorizados e, por vezes, lhes infligem feridas, mas jamais os vencem, nem prostram subjugados, enquanto aos ímpios arrastam em sujeição, lhes exercem domínio na alma e no corpo, usam de toda sorte de desregramentos como de escravos.
No tocante aos fiéis, porquanto são inquietados por inimigos deste gênero, por isso ouvem estas exortações: “Não deis lugar ao Diabo” [Ef 4.27]; “O Diabo, vosso inimigo, anda em derredor, como um leão a rugir, buscando a quem devorar, ao qual resisti firmes na fé” [1Pe 5.8]; e semelhantes. A este gênero de luta Paulo confessa não estar imune, quando escreve [2Co 12.7] que, como remédio para quebrantar-lhe o orgulho, lhe foi dado um anjo de Satanás, pelo qual fosse humilhado. Portanto, esta é uma experiência comum a todos os filhos de Deus. Visto, porém, que aquela promessa quanto a haver de ser esmagada a cabeça de Satanás [Gn 3.15] pertence em comum a Cristo e a todos os seus membros, por isso nego que os fiéis possam ser por ele vencidos ou prostrados em sujeição. Sem dúvida que são por vezes consternados, todavia não são a tal ponto desalentados que não se refaçam; tombam pela violência dos golpes, porém em seguida se reerguem; são feridos, porém não mortalmente; enfim, assim aspiram em todo o decurso da vida que, no final, alcancem a vitória, o que, no entanto, não restrinjo a cada ato, individualmente.
Ora, sabemos que, por justa punição de Deus, Davi foi, por um tempo, deixado à mercê de Satanás para que, por impulso deste, recenseasse ao povo [2Sm 24.1; 1Cr 21.1]; nem tampouco deixa Paulo baldada a esperança de perdão, se porventura alguém se visse enredilhado nos laços do Diabo [2Tm 2.26]. Por isso, em outro lugar [Rm 16.20], quando diz: “Mas o Deus de paz em breve esmagará a Satanás debaixo de vossos pés”, o mesmo Paulo mostra que, nesta vida, em que se tem de lutar, a promessa supramencionada aqui só começa a cumprir-se depois que a luta cumprir-se plenamente. Na verdade, em nosso Cabeça esta vitória sempre subsistiu em plena medida, visto que o príncipe do mundo nada teve nele [Jo 14.30]. Em nós, porém, que somos seus membros, agora se mostra parcialmente. Contudo, haverá de consumar-se completamente quando, despojados de nossa carne, em relação à qual somos ainda susceptíveis à fraqueza, haveremos de ser cheios do poder do Espírito Santo.
Desse modo, onde se levanta e edifica o reino de Cristo, por terra desanda Satanás com seu poder, como o próprio Senhor o expressa [Lc 10.18]: “Vi a Satanás caindo do céu, como um raio.” Pois, com essa afirmação, Cristo confirma o que os apóstolos haviam relatado quanto ao poder de sua própria pregação. De igual forma [Lc 11.21]: “Quando um príncipe ocupa seu paço, todas as coisas que possui estão em paz; quando, no entanto, um mais forte sobrevém, ele é lançado fora” etc.
E para este fim, ao morrer, Cristo venceu a Satanás, que tinha “o poder da morte” [Hb 2.14] e de todas as suas hostes promoveu o triunfo, para que não possam fazer mal à Igreja. Doutra sorte, ela seria a cada instante reduzida cem vezes a nada pelo Diabo. Ora, uma vez que tal é nossa insuficiência e tal lhe é o furibundo poder, como, a não ser firmados na vitória de nosso Chefe, faríamos frente, sequer um mínimo, a seus multiformes e constantes ataques?
Portanto, Deus não permite o reinado de Satanás nas almas dos fiéis, mas só nas almas dos ímpios e incrédulos, a quem não tem por dignos de serem contados em sua igreja, os abandona para que sejam por ele governados. Pois diz-se que Satanás ocupa indubitavelmente a este mundo até que por Cristo seja dele expulso. De igual modo, ele cega a todos que não crêem no evangelho [2Co 4.4]. Também, ele leva adiante sua obra nos filhos contumazes [Ef 2.2]. E com razão, pois, todos os ímpios são vasos da ira [Rm 9.22]. Por isso, a quem se deveriam sujeitar, senão ao ministro da divina vingança? Finalmente, diz-se de todos os réprobos que são “filhos do Diabo” [Jo 8.44; 1Jo 3.8], porque assim como os filhos de Deus são conhecidos por portarem a imagem de Deus, do mesmo modo os demais, por portarem a imagem de Satanás, são considerados
com justiça filhos deste.

João Calvino