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quinta-feira, 10 de maio de 2018

Irineu está longe de legitimar a tese dos que negam a Deidade de Cristo


O fato de compendiarem numerosas referências de Irineu, nas quais ele afirma que o Pai de Cristo é o único e eterno Deus de Israel, ou constitui vergonhosa ignorância, ou a máxima improbidade. Pois deveriam ter atentado para o fato de que o santo varão tinha estado a haver-se e a defrontar-se com fanáticos que negavam que
o Pai de Cristo fosse aquele Deus que falara outrora por intermédio de Moisés e dos profetas; ao contrário, ele lhes era não sei que espectro produzido da corrupção do mundo. Conseqüentemente Irineu se concentra inteiramente nisto: tornar patente que na Escritura não se proclama outro Deus senão o Pai de Cristo, e que se cogita erroneamente outro, e daí não é de maravilhar-se se conclui tantas vezes que o Deus de Israel não era outro senão aquele que é celebrado por Cristo e pelos apóstolos.
Assim também agora, quando se tem de resistir a erro diverso, diremos, com verdade: o Deus que apareceu outrora aos patriarcas não foi outro senão Cristo. Todavia, se alguém objeta ter sido o Pai, terá resposta imediata: enquanto propugnamos pela deidade do Filho, de modo nenhum excluímos o Pai.
Se os leitores derem ouvidos a este parecer de Irineu, cessará toda contenção, visto que, na verdade, toda lide facilmente se dirime do capítulo sexto do livro III, onde o piedoso varão insiste neste ponto específico: “Aquele que, em acepção absoluta e não particularizada, na Escritura é chamado Deus, esse é verdadeiramente o Deus único, e Cristo, com efeito, é chamado Deus em acepção absoluta.” Lembremo- nos de que esta foi a base de sua argumentação, como transparece de todo o desenvolvimento da matéria, e especialmente do capítulo quarenta e seis do livro II: Pai não é, enigmática e parabolicamente, chamado quem na verdade não seja Deus. Acresce que, em outro lugar, Irineu contende por que os profetas e apóstolos, conjuntamente, postularam como Deus tanto o Filho quanto o Pai. Mas, em seguida, ele define como Cristo, que de tudo é Senhor, e Rei, e Deus, e Juiz, recebeu poder daquele que é Deus de todas as coisas, isto é, com respeito a sua sujeição, visto que
foi humilhado até a morte de cruz. Entretanto, pouco depois afirma que o Filho é o Artífice do céu e da terra, que por intermédio de Moisés outorgou a lei e apareceu aos patriarcas.
Ora, se alguém vociferar, dizendo que para Irineu o Pai era o único Deus de Israel, redargüirei que o mesmo escritor ensina claramente que Cristo subsiste com ele [o Pai] como um e o mesmo, assim também lhe atribui o vaticínio de Habacuque:
“Do sul virá Deus” [Hc 3.3]. Ao mesmo aplica-se o que se lê no capítulo nove do livro IV: “Portanto, o próprio Cristo é com o Pai o Deus dos vivos.” E no capítulo doze do mesmo livro, interpreta que Abraão crera em Deus porque Cristo é o Autor do céu e da terra e Deus único.

João Calvino