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sábado, 5 de maio de 2018

O Relacionamento Hipostático e a Unidade Consubstancial


Além disso, esta distinção está bem longe de contraditar a simplicíssima unidade de Deus, que se permita daí provar que o Filho é um só e único Deus com o Pai, porquanto, a um tempo, com ele compartilha de um só e único Espírito, mas o Espírito não é algo diverso do Pai e do Filho, visto ser ele o Espírito do Pai e do Filho. Com efeito, em cada uma das hipóstases se compreende, com isso, a natureza inteira, ou, seja, que subjaz a cada uma sua propriedade específica. O Pai está todo no Filho; o Filho, todo no Pai, como ele próprio também o declara: “Eu estou no Pai e o Pai está em mim” [Jo 14.10]. E por essa causa os doutores eclesiásticos não admitem diferença alguma quanto à essência entre as Pessoas.
“Mediante esses designativos que denotam distinção”, diz Agostinho, “significa que se referem às relações mútuas, não à própria substância, pela qual são um todo único e indivisível.” De conformidade com este sentido, as opiniões dos antigos
devem conciliar-se, o que doutra sorte pareceriam pôr-se em conflito, em certa escala. Pois, ora ensinam que o Pai é o princípio do Filho, ora asseveram que o Filho tem, de si próprio, tanto a divindade quanto a essência, e por isso é um só princípio com o Pai. A causa desta diversidade, bem e explicitamente a expressa Agostinho, em outro lugar, quando assim fala: “Cristo, em relação a si mesmo, é chamado Deus; em relação ao Pai, é chamado Filho.” E, outra vez: “O Pai, em relação a si mesmo, é chamado Deus; em relação ao Filho, é chamado Pai. Quando se diz que Deus é Pai, em relação ao Filho, ele não é o Filho; quando se diz Filho, em relação
ao Pai, ele não é o Pai; quando se diz que o Pai é Deus, em relação a si mesmo, e se diz que o Filho é Deus, em relação a si mesmo, ele é o mesmo Deus.
Portanto, quando falamos simplesmente do Filho, à parte de sua relação com o Pai, bem e propriamente se assevera que ele procede de si mesmo, e por isso o chamamos de princípio único. Quando, porém, consideramos a relação que ele tem com o Pai, com razão fazemos o Pai o princípio do Filho.
Todo o quinto livro da obra Da Trindade, de Agostinho, se devota à explicação desta matéria. Muito mais seguro é, em verdade, deter-nos nesta relação que Agostinho estabelece, a qual, penetrando mais sutilmente no sublimado mistério, do que divagarmos a esmo por muitas especulações efêmeras.

João Calvino