Conseqüentemente,
seja o que for que se diga do ministério dos anjos, dirijamos a este fim: que,
levada de vencida toda falta de confiança, mais solidamente se firme nossa
esperança em Deus. Pois estes meios de proteção nos foram preparados pelo Senhor
para que não sejamos aterrorizados pela multidão de inimigos, como se sobre sua
assistência houvesse ela de prevalecer. Ao contrário, refugiemo-nos
nessa afirmação de Eliseu: “São mais os que são por nós do que os que são
contra nós” [2Rs 6.16].
Portanto,
quão lamentável é que sejamos alienados de Deus pelos anjos, os quais foram
comissionados para isto: atestar-nos que sua assistência está bem
presente conosco! Mas de Deus nos alienam, se não nos conduzem pela mão
diretamente a ele, para que o contemplemos, invoquemos e proclamemos como
nosso único ajudador; se não são por nós considerados como suas mãos, que
não se movem a nenhuma ação salvo se ele os estiver a dirigir; se não
nos conservam no único Mediador, Cristo, para que dependamos inteiramente dele,
nele nos reclinemos, sejamos levados a ele e nele descansemos. Deve, pois,
fixar-se e profundamente gravar-se em nossa mente o que se acha descrito
na visão de Jacó [Gn 28.12]: que os anjos descem à terra aos homens, e dos
homens sobem aos céus, por uma escada, sobre a qual se posiciona o Senhor dos
Exércitos; com o quê se indica que, unicamente pela intercessão de Cristo,
resulta que nos advenham as ministrações dos anjos, como ele próprio
o afirma: “Vereis doravante os céus abertos e os anjos descendo ao Filho
do Homem” [Jo 1.51]. Assim é que o servo de Abraão [Gn 24.7],
confiando-se inteiramente à guarda de um anjo, nem por isso o invoca a fim de
que o assista; ao contrário, firmado nessa injunção, derrama suas preces
diante do Senhor e lhe roga que manifeste sua misericórdia para com
Abraão. Ora, visto que Deus não os faz ministros de seu poder e bondade em tais
moldes que partilhe com eles sua glória, assim também não nos promete sua
assistência na ministração deles em relação a
nós em termos tais que dividamos nossa confiança entre
eles e ele. Por isso devemos repelir essa filosofia platônica de buscar acesso
em Deus por intermédio de anjos e de cultuá-los para este fim: que nos tornem
Deus mais favorável, o que homens supersticiosos e curiosos desde o início
tentaram impingir-nos à religião, e até hoje continuam agir assim.
João
Calvino