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quinta-feira, 24 de maio de 2018

EM MATÉRIA DE ANGELOLOGIA, DEVE-SE BUSCAR SOMENTE O TESTEMUNHO DA ESCRITURA


Que os anjos, afinal, são também criaturas suas deve estar fora de discussão, já que são ministros de Deus, ordenados para executar-lhe as determinações. Suscitar contenda quanto ao tempo ou à ordem em que foram criados, porventura não é prova mais de obstinação do que de diligência? Moisés registra que foi concluída a terra e concluídos os céus, com todo o exército deles [Gn 2.1]. Que vale ansiosamente indagar em que dia, à parte das estrelas
e dos planetas, também começaram a existir os demais exércitos celestes mais recônditos, como os anjos? Para não alongar-me em demasia, lembremo-nos, neste ponto, com toda sobriedade, de sorte que, em se tratando de coisas obscuras, não falemos, ou sintamos, ou sequer almejemos saber outra coisa senão aquilo que nos
é ensinado na Palavra de Deus. Ademais, impõe-se ainda que no exame da Escritura nos atenhamos a buscar e meditar continuamente aquelas coisas que dizem respeito à edificação, nem cedamos à curiosidade, ou à investigação de coisas inúteis. E
visto que o Senhor nos quis instruir não em questões frívolas, mas na sólida piedade, no temor de seu nome, na verdadeira confiança, nos deveres da santidade, contentemo-nos com este conhecimento.
Portanto, se visamos ao reto saber, devemos dar de mão a essa – coisas vãs; fatuidades] que, à parte da Palavra de Deus e por indivíduos ociosos, são ensinadas acerca da natureza, das ordens, do elevado número de anjos. Sei que essas coisas são mais avidamente preferidas por muitos, e para eles são de maior prazer do que aquelas que lhes são postas para o uso de cada dia. Mas,
se o fato de sermos discípulos de Cristo não nos envergonha, que também não nos envergonhe seguirmos esta norma que ele próprio prescreveu. Assim sucederá que, contentes com sua docência, não só nos abstenhamos dessas especulações extremamente fúteis de que ele nos retrai, mas até as aborreçamos.
Ninguém negará que esse Dionísio, não importa quem ele tenha sido, discutira com sutileza e argúcia sobre muitas coisas em sua obra A Hierarquia Celeste. Se no entanto alguém a examina mais detidamente, verificará que na parte absolutamente maior não passa de mero palavreado. Ao teólogo, porém, o propósito não é deleitar os ouvidos com argumentação loquaz, mas firmar as consciências, ensinando o verdadeiro, o certo, o proveitoso. Se lês tal livro, pensas que um homem caído do céu está mencionando não coisas que aprendeu, mas o que viu com os olhos.
Paulo, entretanto, que fora arrebatado além do terceiro céu, não só se absteve de fazer tais referências, mas, ao contrário, até deu testemunho de que não é lícito ao homem contar os segredos que vira. Portanto, uma vez descartado esse frívolo saber, consideremos à luz do simples ensino da Escritura o que o Senhor quis que o
soubéssemos acerca de seus anjos.

João Calvino