Por outro
lado, também nas Escrituras se evidencia certa distinção do Pai em relação ao
Verbo; do Verbo em relação ao Espírito; em cuja investigação, entretanto, a
própria magnitude do mistério nos adverte de quão grande reverência e comedimento
se deve aplicar. E a mim, realmente, agrada-me sobremodo esta ponderação
de Gregório Nazianzeno:
– “Não posso pensar em um e único, sem que me veja
imediatamente envolvido pelo fulgor dos três; nem posso distinguir os três, sem
que me veja imediatamente voltado para um e único.”
Por isso,
também, não devemos deixar-nos levar a imaginá-la como uma trindade de
pessoas que detenha o pensamento cindido em relação às partes e não o reconduza,
imediatamente, a essa unidade. Por certo que os termos Pai, Filho e Espírito
assinalam distinção real, de sorte que não pense alguém serem meros epítetos,
com quê, em função de suas obras, Deus seja diversificadamente designado;
entretanto se fala de distinção, não divisão.
Que o Filho
tem sua propriedade distinta do Pai no-lo mostram as referências que já
citamos, pois a Palavra não haveria estado com o Pai se não fosse outra distinta
do Pai; nem haveria tido sua glória junto ao Pai, a não ser que dele se distinguisse.
De igual modo, ele distingue de si o Pai, quando diz que há outro que dá
testemunho a seu respeito [Jo 5.32; 8.16, 18]. E a isto importa o que se
diz em
outro
lugar: que o Pai a tudo criou mediante o Verbo [Jo 1.3; Hb 11.3], o que
não seria possível, a não ser que, de alguma forma, seja distinto dele. Além
disso, o Pai não desceu à terra, contudo desceu aquele que procedeu do
Pai; o Pai não morreu, nem ressuscitou, e, sim, aquele que fora
por ele enviado. Tampouco esta distinção teve início a partir de quando a carne
foi assumida; ao contrário, é manifesto que também antes disso ele foi o
Unigênito no seio do Pai [Jo 1.18]. Pois, quem ousa afirmar que o Filho
ingressou no seio do Pai quando, finalmente, então desceu do céu para assumir a
natureza humana? Portanto, ele estava no seio do Pai e mantinha sua
glória junto ao Pai antes disso [Jo 17.5].
Cristo
assinala a distinção do Espírito Santo em relação ao Pai quando diz que ele, o
Espírito, procede do Pai; além disso, a distinção do Espírito em
relação a si mesmo a evidencia sempre que o chama outro,
como quando anuncia que outro Consolador haveria de ser por ele enviado; e
freqüentemente em outras passagens
[Jo 14.16;
15.26].
João
Calvino