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terça-feira, 17 de abril de 2018

A introdução de imagens na história da Igreja


Mas, posta de parte esta distinção, examinemos também, de passagem, se convém ter nos templos cristãos quaisquer imagens, sejam as que expressem fatos do passado, sejam as que representem corpos humanos.
Em primeiro lugar, se há na Igreja primitiva alguma autoridade para nós, tenhamos em mente que por cerca de quinhentos anos, durante os quais até aqui mais florescia a religião e vicejava uma doutrina mais pura, os templos cristãos eram, geralmente, vazios de imagens. Portanto, quando a pureza do ministério já se havia
não pouco degenerado, então primeiro foram elas introduzidas como ornamento dos santuários. Não discutirei que razão tiveram os que foram os primeiros autores dessa prática; se, porém, comparas época com época, verás que eles declinaram muito da integridade daqueles que prescindiam de imagens.
Como é possível, pensamos nós, que aqueles santos pais teriam deixado ficar a Igreja por tanto tempo carente desta prática que julgariam ser-lhe útil e salutar?
Portanto, sem dúvida a repudiaram mais por deliberação e reflexão que por ignorância ou a preteriram por negligência, porquanto viam subsistir nela ou nada ou um
mínimo de utilidade, porém muito de perigo. O que também Agostinho atesta em palavras claras: “Quando”, diz ele, “nestes pedestais se colocam em exaltada elevação, para que, em razão da própria semelhança com membros e sentidos animados, ainda que careçam de sensibilidade e de alento, chamem a atenção dos que estão a orar e dos que estão a oferecer sacrifícios, as imagens afetam as mentes fracas de forma a que pareçam ter vida e respiração” etc. E, em outro lugar: “A figura com membros humanos que se vê nos ídolos força o entendimento a imaginar que um corpo, quanto mais semelhante fosse ao seu, mais sentirá”47 etc. E pouco adiante: “As imagens mais valem para desviar a infeliz alma, porquanto possuem boca, olhos, ouvidos, pés, do que para assisti-la, uma vez que não falam, nem vêem, nem ouvem, nem andam.”
Esta bem que poderia ser a causa pela qual João quis que nos guardemos não só do culto aos ídolos, mas também dos próprios ídolos [1Jo 5.21]. E temos experimentado mais desmedidamente, em vista da horrível insânia que, para a extinção de quase toda piedade, tem até aqui dominado o orbe, a saber: que tão logo se colocam imagens nos templos, é como se hasteasse o pendão da idolatria, porque a loucura de nosso entendimento não pode ser refreada, senão que logo se deixa levar, sem qualquer oposição, pela idolatria dos cultos supersticiosos.
Ora, mesmo que o perigo não fosse tão iminente, entretanto, quando me ponho a refletir a que uso se têm destinado os templos, de uma forma ou outra, a mim me parece indigno de sua santidade que acolham outras imagens além daquelas vivas e representativas que o Senhor consagrou em sua Palavra. Refiro-me ao Batismo e à
Ceia do Senhor, juntamente com outras cerimônias, em que importa não só que nossos olhos se detenham mais diligentemente, mas ainda sejam mais vividamente afetados, de modo que não requeiram outras imagens, forjadas pela engenhosidade dos homens.
Vês aqui, pois, o inestimável bem das imagens, que de modo algum se pode refazer nem recompensar, se é verdade o que dizem os papistas.
                                                                           
João Calvino