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quinta-feira, 12 de abril de 2018

Manifestações e Sinais que patenteavam a presença Divina não servem de base para as Imagens



É verdade que, de quando em quando, Deus exibiu a presença de sua divinal majestade mediante sinais definidos, de modo que se poderia dizer que era ele contemplado face a face. Todos os sinais, porém, que Deus manifestava se ajustavam muito bem a seu método de ensinar e ao mesmo tempo advertiam os homens, de
forma explícita, quanto a sua essência incompreensível.
Ora, nuvem, fumaça e chama, uma vez que eram símbolos da glória celestial [Dt 4.11], como que a interpor um freio, coibiam as mentes de todos para que não tentassem penetrar mais fundo. Por isso, nem ainda Moisés, a quem, entretanto, mais do que a outros, Deus se manifestou mui intimamente, logrou com suas súplicas
contemplar aquela face, senão que recebeu a resposta de que o homem não é apto a tão grande resplendor [Ex 33.20].
O Espírito Santo apareceu em forma de pomba [Mt 3.16; Mc 1.10; Lc 3.22]; mas, visto que logo se desvaneceu, quem não vê que, pelo símbolo de um simples momento, foram os fiéis advertidos de que se deve crer que o Espírito é invisível, e assim, contentes com seu poder e graça, a si não evocassem nenhuma representação
externa?
Além do mais, o fato de que, de quando em quando, Deus aparecia sob a forma de homem, era isso prelúdio da futura manifestação em Cristo. E assim foi absolutamente vedado aos judeus abusarem desse pretexto de sorte a plasmarem para si representação da Deidade em figura humana.
Também o propiciatório, donde sob a lei Deus manifestou a presença de seu poder, fora construído de tal modo que indicava ser esta a mais excelente visão da Deidade: quando as mentes se elevam acima de si mesmas em admiração, pois com asas estendidas os querubins o ocultavam, o véu o cobria, o próprio lugar, pela própria natureza tão recôndito, escondia suficientemente [Ex 25.17, 18, 21]. Logo salta à vista que são ensandecidos quantos tentam defender imagens de Deus e dos santos com o exemplo desses querubins. Pergunto, pois, que significavam essas
imagenzinhas, senão que não há imagens apropriadas pelas quais sejam representados os mistérios de Deus, quando haviam sido feitas para isto: com as asas, velando ao propriciatório, barrassem da visão de Deus não apenas os olhos humanos, mas todos os sentidos, e dessa forma contivessem a temeridade humana?
Acresce a isto que os profetas pintam os serafins que lhes foram manifestos em visão com a face velada em relação a nós, significando com isso ser tão grande o fulgor da glória divina, que até os próprios anjos se continham de contemplação direta, e as tênues centelhas que refulgem em seus anjos nos são subtraídas aos olhos. Contudo, todos quantos julgam com acerto reconhecem que os querubins, dos quais ora estamos tratando, pertenciam à antiga tutela da lei. Logo, é absurdo tomálos como exemplo que sirva a nossa época, uma vez que é passada, por assim dizer,
aquela fase infantil a que se haviam destinado rudimentos como esses [Gl 4.3].
E certamente é de causar vergonha o fato de que os escritores profanos sejam mais proficientes intérpretes da lei de Deus que os papistas. Juvenal, em zombaria, censura aos judeus por adorarem as meras nuvens e a divindade do céu.37 Por certo que ele está falando pervertida e impiamente. Entretanto, negando existir entre eles qualquer efígie divina, fala mais verazmente que os papistas, que grasnam haver existido entre os judeus alguma representação visível de Deus.
No que tange a esse povo, logo, sem qualquer consideração, precipitou-se e foi após os ídolos tão prontamente e com tanto ímpeto como se dá com as águas quando abundantemente fluem do manancial; assim também podemos aprender quão grande é a inclinação que em nós existe para a idolatria, em vez de atribuir aos judeus um vício que pertence a todos nós, a fim de perseverar assim nos sonhos dos vãos afagos e da licença para pecar.

João Calvino