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sexta-feira, 20 de abril de 2018

Eternidade do Verbo


Aqui se põem a ladrar alguns cães, dizendo que, embora não ousem arrebatar abertamente sua divindade, furtivamente surrupiam sua eternidade. Pois, dizem eles, a Palavra começou realmente a existir então, quando Deus abriu seus sacros lábios na criação do mundo. Mas, de forma mui insipiente, atribuem à substância de Deus mudança desse gênero. Ora, como os designativos de Deus que lhe contemplam a operação externa começaram a ser-lhe atribuídos a partir da existência da própria obra, razão pela qual é chamado criador do céu e da terra, assim a piedade não reconhece nem admite nenhum título que sugira haver ocorrido algo novo a Deus
em si mesmo. Porque, se nele tivesse havido algo adventício, cairia por terra essa afirmação de Tiago [1.17], de que “todo dom perfeito promana de cima e desce do Pai das luzes, em quem não há mudança, ou sombra de variação”. Logo, longe de nós tolerar a idéia de um começo dessa Palavra que sempre foi não só Deus, mas
também, depois, o Artífice do universo.
Mas, de maneira particularmente sutil arrazoam que Moisés, ao narrar que Deus falou pela primeira vez então, está ao mesmo tempo inculcando que nele antes não existia nenhuma Palavra, do que não pode haver nada mais pueril. Ora, só porque algo começa a manifestar-se em determinado tempo não se deve por isso concluir
que jamais existira antes. Eu, porém, chego a conclusão bem diferente: como no exato momento em que Deus disse: Haja luz, o poder da Palavra tenha emergido e se tenha patenteado, ela já existia muito antes. Mas, se alguém perguntar quanto tempo antes, não se achará nenhum começo. Pois o Verbo não determina limite
definido de tempo quando ele próprio diz: “Pai, glorifica ao Filho com a glória que possuí em ti no início, antes que fossem lançados os fundamentos do mundo” [Jo 17.5]. Tampouco deixou João de levar isto em conta, pois antes de descer à referência à criação do mundo [Jo 1.3] diz que a Palavra estava no princípio com Deus [Jo
1.1]. Reiteramos, pois, uma vez mais, que a Palavra de Deus concebida além do começo do tempo subsistiu junto a ele perpetuamente, do quê se comprova não só sua eternidade, como também sua verdadeira essência e sua deidade.
                                                                           
João Calvino