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domingo, 10 de junho de 2018

A Providência Especial de Deus no âmbito da própria Natureza


Se admitimos que o princípio de todo movimento está em Deus, que todas as coisas, porém, são levadas aonde as impele a inclinação da natureza, por si mesmas ou pelo acaso, será obra de Deus a mútua alternação dos dias e das noites, do inverno e também do verão, na extensão em que, atribuindo a cada um suas funções,
prefixou uma determinada lei, isto é, se, em teor uniforme, conservassem sempre a mesma expressão, dias que sucedem a noites, meses a meses e anos a anos. Mas o fato de que, ora calores imoderados, associados a seca, crestam tudo quanto haja de frutos; ora chuvas extemporâneas estragam as searas; que de granizos e vendavais sobrevém súbita calamidade, não seria isso obra de Deus, senão talvez em que, sejam as nuvens, seja o bom tempo, seja o frio, seja o calor, derivam sua origem da conjunção de astros e de outras coisas naturais. Mas, desta maneira, não se deixa
lugar nem ao favor paterno de Deus, nem a seus juízos. Se aqueles aos quais impugno dizem que Deus se mostra mui liberal para com os homens, porque infunde ao céu e à terra uma força regular para que nos provejam de alimentos, isso não é senão uma fantasia inconsistente e profana; seria como negar que a fertilidade de um ano é uma bênção singular de Deus, e a esterilidade e a fome são sua maldição e castigo.
Contudo, como seria excessivamente prolixo coligir todas as razões, que seja suficiente a autoridade do próprio Deus. Ele declara freqüentemente na lei e nos profetas que atesta sua graça sempre que irriga a terra com orvalho e com chuva [Lv 26.3, 4; Dt 11.13, 14; 28.12]; que o céu, a seu mando, se endurece como ferro; faz
consumirem-se as messes com crestamento e outras pragas [Dt 28.22]; que sinal é de sua vingança especial e infalível quantas vezes os campos são feridos com saraiva e vendavais. Se acolhemos essas razões, é certo que não cai sequer uma gota de
chuva, a não ser pela explícita determinação de Deus. Com efeito, Davi louva a providência geral de Deus, porque ministra alimento aos filhotes de corvos que o invocam (Sl 147.9); quando, porém, o próprio Deus ameaça de fome aos animais, porventura não declara suficientemente que ele alimenta a todos os viventes, ora com escassa medida, ora com medida mais farta, conforme bem lhe pareceu?
Como já o disse, é pueril restringir isso a atos particulares, quando Cristo declara, sem exceção [Mt 10.29], que não tomba ao solo nenhum dentre os pardaizinhos de nenhum valor sem a vontade do Pai. Por certo que, se o vôo das aves é governado pelo determinado conselho de Deus, necessário é confessar com o Profeta [Sl 113.5,
6] que de tal maneira habita no alto, que tem de baixar a vista para poder contemplar tudo quanto acontece no céu e na terra.

João Calvino