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domingo, 10 de junho de 2018

Entendimento e Vontade: os Centros das Faculdades da Alma


Somos obrigados a nos afastar um pouco desta maneira de ensinar, uma vez que os filósofos, a quem era desconhecida a corrupção de nossa natureza, que proveio da penalidade da queda, erroneamente confundem dois estados do homem por demais diversos. A divisão que usaremos será considerar duas partes na alma: o entendimento e a vontade. Entretanto, a função do entendimento é discernir entre as coisas que lhe são propostas, para ver qual há de ser aprovada e qual há de ser rejeitada; a função da vontade, entretanto, é escolher e seguir o que o entendimento ditar como bom, rejeitar e evitar o que ele houver desaprovado.
As sutilezas de Aristóteles em nada nos delongam aqui, a saber, de que a mente não tem nenhum movimento de si própria; ao contrário, é a escolha que a move, à qual ele designa de entendimento apetitivo.99 Para que não nos enredilhemos em questões supérfluas, seja-nos bastante que o entendimento é como que o guia e piloto da alma, que a vontade sempre atenta para seu arbítrio e em seus desejos espera seu juízo. Por isso, de fato ensinou o próprio Aristóteles em outro lugar: a aversão e a busca do apetite são algo semelhante, que na mente é a afirmação ou a
negação. Com efeito se verá em outro lugar quão firme, então, é o governo do entendimento em dirigir a vontade. Aqui desejamos apenas salientar que na alma não se pode achar nenhum poder que não se refira convenientemente a um ou outro destes dois membros. E, desta maneira, incluímos sob o entendimento a sensibilidade,
o que outros assim distinguem, dizendo que a sensibilidade se inclina para o prazer; em contraposição de que o entendimento segue o bem. Daí resulta que o apetite da sensibilidade se converte em concupiscência e lascívia, a inclinação do entendimento se converte em vontade. Além disso, em lugar do termo apetite, que
esses preferem, emprego a palavra vontade, que é mais usada.

João Calvino