Total de visualizações de página

segunda-feira, 4 de junho de 2018

O que a Criação nos ensina concernente a Deus


Entrementes, não hesitemos em colher piedoso deleite das obras de Deus manifestas e patentes neste formosíssimo teatro. Pois, como o dissemos em outro lugar, embora não seja a evidência primordial à fé, contudo na ordem da natureza esta é a primeira: para onde quer que volvamos os olhos em derredor, devemos ter em mente que todas as coisas que nossos olhos divisam são obras de Deus, e ao mesmo tempo devemos refletir, em piedosa consideração, a que fim foram por Deus criadas.
Portanto, para que, em verdadeira fé, aprendamos o que é importante conhecer a respeito de Deus, que nos seja proveitoso levar em conta primeiramente a história da criação do mundo, como foi sucintamente exposta por Moisés [Gn 1 e 2] e, depois, mais copiosamente elucidada por santos varões, especialmente Basílio e
Ambrósio. Desta história aprenderemos que, pelo poder de sua Palavra e de seu Espírito, Deus criou do nada o céu e a terra; daqui produziu a todo gênero, animais e coisas inanimadas; distinguiu em admirável seqüência incontável variedade de coisas; a cada gênero revestiu de sua natureza específica; designou funções, atribuiu
regiões e moradas; e, visto que todas as coisas são susceptíveis à corrupção, contudo providenciou para que, preservadas, se conservem as espécies, uma a uma, até o dia final. Aprenderemos, igualmente, que Deus sustenta a umas espécies de maneiras misteriosas e como que, de instante a instante, novo vigor lhes instila; a outras conferiu o poder de propagação, para que, com sua morte, não se extingam de todo. Igualmente adornou o céu e a terra com uma abundância perfeitíssima, e a tudo com diversidade e formosura como se fosse um grande e magnífico palácio admiravelmente mobiliado.90 Finalmente, ao formar o homem, e ao distingui-lo com tão marcante dignidade, e de tantos e tão assinalados dotes, nele Deus exibiu o mais preclaro exemplar de suas obras.
Com efeito, como meu propósito não é historiar a criação do mundo, me é suficiente haver abordado de novo, apenas de passagem, estes bem poucos pontos. Pois é preferível, como antes adverti, que quem desejar instruir-se mais amplamente nisto, que leia a Moisés e aos demais que escreveram fiel e diligentemente a história
do mundo.


João Calvino