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segunda-feira, 4 de junho de 2018

Deus criou todas as coisas para o bem do Homem, daí a Gratidão que lhe devemos


Resta a outra parte da regra retro referida, que mais se aproxima à fé, isto é, que enquanto atentamos para o fato de haver Deus destinado todas as coisas para o bem e salvação nossa, ao mesmo tempo lhe sentimos o poder e a graça em nós próprios e os benefícios tão grandes que nos tem conferido, donde nos estimulemos à confiança, à invocação, ao louvor, ao amor para com ele. Em verdade, ao criar tudo por causa do homem, como pouco antes observei, o próprio Senhor o demonstrou na própria ordem da criação. Ora, não é sem causa que distribui a formação do mundo
por seis dias, quando em nada lhe seria mais difícil efetuar em um único momento a obra inteira, em todas as suas parcelas, simultaneamente, do que chegar gradativamente à plena realização por meio dessa progressão.
Realmente, assim quis Deus recomendar sua providência e paterna solicitude para conosco, ou, seja, que antes que formasse o homem, tudo quanto antevia haver de ser útil e salutar, tudo isso preparou para ele. De quão grande ingratidão haveria de ser agora duvidarmos que esse Pai boníssimo tenha cuidado de nós, quando vemos ter sido solícito a nosso respeito antes mesmo que nascêssemos! Quão ímpio seria tremer de desconfiança de que, em algum momento, sua benevolência nos falte na necessidade, quando vemos ser-nos exibido, com sua prodigalidade, tudo o
que é bom, quando ainda nem éramos nascidos! Além disso, ouvimos de Moisés [Gn 1.28; 9.2] que, mercê de sua liberalidade, ele nos sujeitou tudo quanto há em todo o orbe. Certamente, ele não fez assim para que se divertisse conosco com um título de doação sem conteúdo. Portanto, não há que temer que nos venha faltar algo
de quanto convém à nossa salvação.
Por fim, para que se conclua definitivamente: sempre que chamarmos a Deus o Criador do céu e da terra, ao mesmo tempo nos venha à mente que em sua própria mão e poder está a administração de todas estas coisas que criou; que realmente
somos seus filhos, aos quais ele tomou sob seu patrocínio e proteção para proverlhes sustento e instrução, de sorte que esperemos só dele a plenitude de tudo o que é bom, e confiemos, com toda a certeza, que ele jamais haverá de permitir que
careçamos das coisas necessárias a nosso bem-estar. Nem de outra parte nos incline a esperança, bem como tudo quanto anelamos, para ele volvamos nossos rogos, reconheçamos que é benefício dele o fruto de qualquer coisa que recebemos, e o
confessemos com ações de graças. De modo que, atraídos pelo dulçor tão ingente de sua bondade e beneficência, diligenciemos por amá-lo e servi-lo de todo o coração.

João Calvino