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quinta-feira, 26 de abril de 2018

A UNIDADE DE DEUS À LUZ DO BATISMO


Entretanto, uma vez que Deus se revelou mais claramente na vinda de Cristo, também se fez assim mais familiarmente conhecido em três pessoas. Contudo, dentre muitos testemunhos, nos é suficiente este único. Ora, Paulo [Ef 4.5] vincula este três: Deus, Fé e Batismo, de tal modo que de um arrazoa em relação ao outro, isto é,
visto que há uma só fé, daí demonstra que há um só Deus; visto que há um só batismo, daí também demonstra que existe uma só fé. Portanto, se mediante o batis mo somos iniciados na fé e religião de um só Deus, necessário nos é ter pelo Deus verdadeiro esse em cujo nome somos batizados.
Aliás, não resta dúvida que, ao dizer: “Batizai-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” [Mt 28.19], Cristo, mediante esta solene injunção, desejava testificar que a perfeita luz da fé já então se manifestara, visto que, na realidade, isto equivale exatamente a serem eles batizados no nome de um só e único Deus, o qual,
em plena evidência, se mostrou no Pai, no Filho e no Espírito. Do quê se faz meridianamente claro que na essência de Deus residem três pessoas, nas quais, todavia, se conhece um só e único Deus.
E, naturalmente, como a fé não deve lançar a vista à sua volta, a olhar para cá e para lá, nem correr a esmo em direções diversas, ao contrário, deve mirar unicamente a Deus, volver-se unicamente para ele, a ele apegar-se, disto se conclui facilmente que, caso haja variados gêneros de fé, necessário se faz que também haja muitos
deuses.
Ora, visto que o batismo é o sacramento da fé, ele nos confirma a unidade de Deus partindo do fato de que ele é um só e único. Daqui também se conclui que não é permissível batizar-se a não ser no Deus único, uma vez que abraçamos a fé própria daquele em cujo nome somos batizados. Portanto, quando ordenou que se batizasse
em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo, o que Cristo quer dizer senão que, mediante uma fé una e indizível, deve-se crer no Pai, e no Filho, e no Espírito?
Aliás, que outra coisa claramente se atesta aqui senão que Pai, Filho e Espírito são o Deus único? Dessa forma, como isto fica estabelecido, a saber, que há um único Deus, e não muitos, concluímos que o Verbo e o Espírito nada mais são do que a
própria essência de Deus.
E, com efeito, mui nesciamente os arianos parolavam em delírio, dizendo que, confessando a divindade do Filho, lhe recusavam a substância de Deus. Tampouco uma raiva diferente afligia os macedônios, os quais, pelo termo Espírito, queriam que se entendessem apenas os dons da graça derramados sobre os homens. Ora, como dele procedem a sabedoria, o entendimento, a prudência, o poder, o temor do Senhor, assim ele é o próprio Espírito de sabedoria, de prudência, de poder, de piedade. Tampouco está ele dividido em conformidade com a distribuição das graças;
antes, por mais variadamente que essas sejam distribuídas, contudo ele permanece “o mesmo e um só”, diz o Apóstolo [1Co 12.11].

João Calvino

ESPÍRITO É IDENTIFICADO COM A DEIDADE


Ademais, tampouco a Escritura se abstém do designativo Deus, quando fala a seu respeito. Ora, do fato de que seu Espírito habita em nós [1Co 3.17; 6.19; 2Co 6.16], Paulo conclui que somos templos de Deus, o que não se deve passar por alto sem atenção mais detida. Na verdade, quando tantas vezes Deus promete que nos haverá de escolher por seu templo, esta promessa não se cumpre de outra forma senão quando o Espírito habita em nós. De fato, como Agostinho68 o afirma mui luminosamente: “Se nos fosse ordenado edificar ao Espírito um templo de madeira e pedra, uma vez que esta honra só se deve a Deus, seria cristalino argumento em prol de sua divindade. Ora, pois, temos aqui um argumento muito mais luminoso: que não devemos fazer-lhe um templo, ao contrário, nós mesmos somos seu templo!
E o próprio Apostolo escreve, ora que somos templo de Deus, ora, na mesma acepção, que somos templo do Espírito Santo.
Com efeito Pedro, repreendendo a Ananias por este haver mentido ao Espírito Santo, dizia que ele não mentira aos homens, mas a Deus [At 5.3, 4]. E onde Isaías introduz o Senhor dos Exércitos a falar, Paulo ensina que é o Espírito Santo quem fala [6.9; At 28.25]. Mais ainda, quando os profetas, a cada passo, dizem que as
palavras que proferem são do Deus dos Exércitos, Cristo e os apóstolos as atribuem ao Espírito Santo, do quê se segue que Aquele que é o autor primordial das profecias é o verdadeiro Senhor. Igualmente, onde Deus se queixa de que fora provocado à ira
pela obstinação do povo, Isaías escreve que o Espírito Santo, em lugar dele [Deus], foi contristado [Is 63.10]. Por fim, a blasfêmia contra o Espírito Santo não é perdoada nem nesta era, nem na vindoura [Mt 12.31; Mc 3.29; Lc 12.10]; quando quem blasfemou contra o Filho alcança perdão, daqui sendo afirmada abertamente sua majestade, e que ofendê-la ou diminuí-la constitui crime inafiançável.
Deixo, cônscia e deliberadamente, de considerar muitos testemunhos de que os antigos fizeram uso. Para provarem que o mundo é obra do Espírito Santo não menos que do Filho, citaram Davi com muito prazer: “Pela Palavra do Senhor foram feitos os céus, e pelo Espírito de sua boa todo o exército deles” [Sl 33.6]. Como, porém, é costumeiro nos Salmos a dupla repetição da mesma coisa, e como em Isaías [11.4] a expressão “a boca do Espírito” equivale a “palavra”, tal argumento se torna precário. Por isso preferi abordar, um tanto seletivamente, apenas elementos
em que as mentes piedosas pudessem solidamente arrimar-se.


João Calvino

A OBRA DO ESPÍRITO SANTO ATESTA SUA DIVINDADE


Pelo que também dessas mesmas fontes, especialmente, se deve buscar comprovação para afirmar-se a Deidade do Espírito Santo.
Mui longe de obscuro na verdade é aquele testemunho de Moisés na história da criação [Gn 1.2], de que o Espírito de Deus pairava por sobre os abismos, ou matéria informe, porque mostra não só que a beleza do mundo, que ora se contempla, vigora preservada pelo poder do Espírito, mas ainda que, antes que se adicionasse esse adereço, já então o Espírito havia operado na conservação daquela massa caótica. Ademais, a nenhuma sutileza está exposto o que se diz em Isaías [48.16]: “E agora o Senhor me enviou seu Espírito”, visto que Deus compartilha com o Espírito Santo o supremo poder no envio dos profetas, fato do qual lhe fulge a divina majestade.
A melhor comprovação, porém, como o disse, nos será da experiência comum.                                                                                       Pois mui distanciado está das criaturas o que as Escrituras lhe atribuem e nós mesmos aprendemos da segura experiência da piedade. Ora, ele é aquele que, difuso por toda parte, a tudo sustém, alenta e vivifica, no céu e na terra. Já do número de criaturas se exclui por isto mesmo, a saber, que ele não é circunscrito por quaisquer limites. Ao contrário, isto é mui evidentemente divino: ao transmitir-lhes sua energia, infunde essência, vida e movimento a todas as coisas.
Ademais, se superior e muito mais excelente que qualquer expressão do viver atual é a regeneração para uma vida incorruptível, que se deve julgar desse de cujo
poder ela procede? Ora, a Escritura ensina em muitos lugares que, não por energia tomada de empréstimo, ao contrário, por energia própria, é ele o autor dessa regeneração, e não só dela, mas também da imortalidade futura.
Enfim, ao Espírito se confere, como ao Filho, todas as funções que são particularmente privativas da Deidade. Porquanto perscruta até mesmo as coisas profundas de Deus [1Co 2.10]; conselheiro nenhum há para ele entre as criaturas [Rm 11.34; 1Co 2.16]; concede a sabedoria e o dom de falar, quando, no entanto, o
Senhor declara a Moisés que só a ele pertence fazê-lo [Ex 4.11]; através dele de tal modo entramos em comunhão com Deus, que de alguma forma sentimos o poder vivificante para conosco. Nossa justificação é obra sua. Dele procede o poder, a santificação, a verdade, a graça e tudo que de bom se possa imaginar, visto que um só é o Espírito, de quem promana toda espécie de dons. Ora, especialmente digna de nota é esta afirmação de Paulo: “Embora os dons sejam diversos e múltipla e variada a distribuição deles, contudo ele é um mesmo Espírito” [1Co 12.4], pois não só o estatui por seu princípio ou origem, mas ainda por seu autor, o que, aliás mais claramente, se expressa pouco depois nestas palavras: “Um e o mesmo Espírito distribui todas as coisas como lhe apraz” [1Co 12.11]. Pois, a não ser que o Espírito fosse algo subsistente em Deus, de modo nenhum lhe seria outorgados arbítrio e vontade.
De maneira a mais clara possível, Paulo distingue, pois, o Espírito com poder divino e mostra que ele reside hipostaticamente em Deus.

João Calvino

terça-feira, 24 de abril de 2018

Como ter um Casamento Feliz

Nós que somos cristãos, devemos tomar muito cuidado, para não sairmos fora da disciplina Bíblica, mas temos que ter obediência a Palavra de Deus. Por exemplo no presente século o que mais observamos é que as mulheres, não estão mais querendo ser submissas aos seus maridos Cristãos, embora muitas vezes o casal conhecendo a verdade ainda assim vivem em desacordo em casa, refletindo revolta nos filhos, devido ao testemunho dos Pais.
Enquanto não haver um conserto (um acordo entre o casal) de juntos se esforçarem para viver um casamento cristão, segundo a Palavra de Deus, as coisas deverão continuar de mal a pior. ( “Acaso andarão dois juntos, se não estiverem de acordo? Amós 3:3” )  (e serão os dois uma só carne; assim já não são mais dois, mas uma só carne. Marcos 10:8”)

Se um casal não entender que os dois são um, e que é necessário andar em total acordo, o seu casamento não será feliz. Ainda mais os dois sendo conhecedores da Palavra de Deus. (“Porque melhor lhes fora não terem conhecido o caminho da justiça, do que, conhecendo-o, desviarem-se do santo mandamento que lhes fora dado. 2 Pedro 2:21”).
Hoje muitos casais tem tido um casamento atribulado mesmo sendo cristãos, muitos, se separando ou querendo separar. Satanás tem colocado na mente de homens e mulheres que se separando eles encontrarão uma pessoa certa ou para ter um casamento feliz devem se separar. 

Mais não é assim em primeiro lugar: (“Assim já não são mais dois, mas um só carne. Portanto o que Deus ajuntou, não o separe o homem. Mateus 19:6”). Se um casal cristão se separar já está contra a Palavra de Deus, eu digo (cristão) por que esta palavra é pra você que é Cristão, o mundo não obedece a palavra de Deus.
Todo homem e toda mulher carrega dentro de si as duas naturezas: a natureza do Primeiro Adão depois da queda e a natureza do segundo Adão (que é Cristo). Não existe nem homem e nem mulher que seja perfeito no planeta Terra. ( “Assim também está escrito: O primeiro homem, Adão, tornou-se alma vivente; o último Adão, espírito vivificante. 1 Coríntios 15:45.”)

O que difere é Qual das duas naturezas está reinando dentro de cada um. Se a natureza do Primeiro Adão depois da queda estiver reinando: Haverá brigas, ciúmes, intrigas, orgulho, e tudo mais que vem de Satanás. O casamento acabará com certeza. As pessoas que se casaram 2,3,4,5 vezes dizem que todos os seus casamentos foram iguais, começaram bem e terminaram mal. Satanás coloca uma ilusão na cabeça das pessoas, fazendo outros homens e mulheres parecerem mais atraentes do que seu(a)  companheiro(a). Mas no decorrer do tempo se percebe que tudo não passou de ilusão. Se você está pensando em se separar, tira essa ilusão de sua cabeça, isso não vai resolver sua vida.

Como fazer  meu casamento dar certo e ser feliz?   

Em primeiro lugar: Chame sua esposa (o) para ter uma conversa séria, e se proponham a buscar a ter a natureza do segundo Adão (que é Cristo). Busquem juntos a ter a natureza do Senhor Jesus, pois Ele sempre deixou claro em primeiro lugar a Vontade do Pai Celestial, assim vocês também buscarão fazer a Vontade de Deus, e vontade de Deus é vocês vivam juntos, isso ninguém pode separar.

Se perdoem um ao outro de todo coração, se abrace e se beijem e se lembre de quando vocês se conheceram, todas as lutas que passaram juntos, orem ao Senhor Espírito Santo em nome do Senhor Jesus, e peça que ele coloque o amor dentro de seus corações,          ( “Amados, amemo-nos uns aos outros, porque o amor é de Deus; e todo o que ama é nascido de Deus e conhece a Deus. Aquele que não ama não conhece a Deus; porque Deus é amor. 1 João 4:7,8”). 

Passem a orar juntos, a conversar sobre as coisas de Deus. Lembre-se a qualquer momento o Senhor pode voltar.                          
Viva com seu marido ou esposa como se cada dia fosse o ultimo, procure andar em acordo em tudo, respeitando um ao outro, sempre com amor. Agora isso deve partir dos dois, tem que haver o querer de ambas as partes, por que essa é a vontade de Deus, amar  um ao outro de verdade sem ressentimentos, tem que perdoar de verdade: {Mas, se vós não perdoardes, também vosso Pai, que está no céu, não vos perdoará as vossas ofensas.} Marcos 11:26.  
                                                                                                                                          Aquele que não ama não conhece a Deus por que Deus é Amor, coloque seu casamento sobre esse amor e sejam felizes em nome do Senhor Jesus.


JD Santos ADEC2018 

segunda-feira, 23 de abril de 2018

Os milagres de Cristo e as prerrogativas Divinas que lhe são outorgadas Atestam sua Divindade


Também nos milagres, quão límpida e luminosamente sua Deidade se patenteia! Milagres esses, embora eu reconheça serem operados iguais e semelhantes tanto pelos profetas quanto pelos apóstolos, entretanto nisto está a máxima diferença: que estes, por seu ministério, apenas administraram os dons de Deus; aquele manifestou neles seu próprio poder. É verdade que, por vezes, ele se serviu da oração para reportar-se à glória do Pai; na maioria dos casos, porém, vemos seu próprio poder manifesto diante de nós. E como não seria o real operador dos milagres aquele que, de sua própria autoridade, confere a outros sua administração?
Ora, o evangelista [Mt 10.8; Mc 3.15; 6.7] narra que ele outorgou aos apóstolos poder de ressuscitar os mortos, de curar os leprosos, de expulsar os demônios etc. E esses apóstolos desempenharam ministério de tal natureza e em moldes que evidenciassem
sobejamente que o poder não lhes era de outra fonte senão de Cristo. “Em o nome de Jesus Cristo”, diz Pedro, “levanta-te e anda” [At 3.6]. Portanto, não é de admirar se Cristo tenha evocado seus milagres para impugnar a incredulidade dos judeus, visto que, operados por seu próprio poder, lhe rendiam o mais amplo testemunho da divindade [Jo 5.36; 10.37; 14.11].
Além disso, se à parte de Deus nenhuma salvação existe, nenhuma justiça, nenhuma vida, porém Cristo contém em si todas essas coisas, por certo que nele Deus se exibe. Nem me venha alguém objetar dizendo que a vida ou a salvação foi nele infundida por Deus, visto que não se diz que Cristo haja recebido a salvação; ao contrário, ele próprio é a salvação. E se ninguém é bom, senão Deus somente [Mt 19.17], como poderia um mero homem ser, não digo bom e justo, mas a própria bondade e justiça? Que dizer-se quando, segundo o evangelista o atesta, desde o primeiro lance da criação nele estava a vida, e ele, já então a existir como a vida, era
a luz dos homens [Jo 1.4]?
Conseqüentemente, arrimados em evidências desse gênero, ousamos depositar nele nossa fé e esperança, quando, no entanto, saibamos que é sacrílega impiedade se a confiança de alguém é depositada em criaturas. “Credes em Deus? Crede também
em mim”, diz ele [Jo 14.1]. E assim Paulo interpreta duas passagens de Isaías:
“Todo aquele que nele espera não será envergonhado” [Is 28.16; Rm 10.11]; igualmente: “Será da raiz de Jessé aquele que se levantará para reger os povos; nele esperarão” [Is 11.10; Rm 15.12]. E por que buscarmos mais testemunhos da Escritura em relação a esta matéria, quando tantas vezes ocorre esta afirmação: “Quem crê
em mim tem a vida eterna” [Jo 6.47]?
Ora, a ele também compete a invocação característica da oração, que emana da fé, a qual no entanto é própria da Divina Majestade, se alguma outra coisa tem ela de própria. Pois diz o Profeta: “Todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo” [Jl 2.32]. Outro, também: “Fortíssima torre é o nome Jeová: para ela fugirá o justo e será preservado” [Pv 18.10]. Com efeito, o nome de Cristo é invocado para a salvação. Segue-se, portanto, que ele próprio é o Senhor. De fato, temos em Estêvão exemplo desta invocação, quando ele diz: “Senhor Jesus, recebe meu espírito” [At 7.59]. A seguir o temos em toda a Igreja, como o atesta Ananias, nesse mesmo livro [9.13]: “Senhor”, diz ele, “sabes quão grandes males tem este infligido a todos os santos que invocam teu nome.” E para que se entenda mais amplamente que em Cristo habita corporalmente toda a plenitude da divindade [Cl 2.9], o Apóstolo confessa [1Co 2.2] que não havia proposto entre os coríntios nenhuma outra doutrina senão o conhecimento dele, nem outra coisa havia pregado senão essa mesma doutrina.
Indago, pois, que é de tão extraordinário e de quão grande importância, o fato de somente o nome do Filho nos ser anunciado, a nós a quem Deus ordena [Jr 9.24] que nos gloriemos unicamente no conhecimento dele? Quem ousou dizer que é mera criatura esse cujo conhecimento nos é a única glória? Acresce a isto que as
saudações prefixadas às epístolas de Paulo imprecam do Filho os mesmos benefícios que se imploram do Pai, pelo que somos ensinados não só que pela intercessão daquele nos advêm aqueles coisas que o Pai celestial prodigaliza, mas ainda que, mercê da comunhão de poder, o próprio Filho é seu autor.
Este conhecimento prático é, indubitavelmente, mais preciso e mais seguro que especulação ociosa de qualquer sorte. Pois a alma piedosa percebe a Deus mui presente, e como que quase o toca, ali onde se sente vivificar, iluminar, preservar, justificar e santificar.

João Calvino

A Necessidade do novo Nascimento


Sermão pregado pelo Reformador Martinho Lutero, para o Domingo da Santíssima Trindade de 11 de junho de 1536

“Havia um homem dos fariseus que se chamava Nicodemos, um principal entre os judeus. Este veio a Jesus de noite e lhe disse: “Rabi, sabemos que és mestre vindo de Deus, porque ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes se Deus não estiver com ele. Respondeu-lhe Jesus: “Em verdade, em verdade te digo se o homem não nascer de novo, não poderá ver o reino de Deus”. Nicodemos lhe disse: “Como pode um homem nascer de novo sendo velho? Pode por acaso entrar uma segunda vez no ventre de sua mãe e nascer?”Respondeu-lhe Jesus: “Em verdade, em verdade te digo que aquele que não nascer da água e do Espírito não poderá entrar no reino de Deus. O que é nascido da carne é carne; o que é nascido do Espírito é Espírito. Não te maravilhes do que eu te disse: é necessário nascer de novo. O vento sopra onde quer e se ouve o seu som; mas ninguém sabe de onde vem e nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido do Espírito”. Perguntou-lhe Nicodemos: “ Como pode acontecer isso?” Respondeu-lhe Jesus: “Tu és mestre de Israel  e não sabe disso? Em verdade, em verdade te digo que aquilo sabemos falamos, e aquilo que temos visto testificamos, mas vós não recebeis o nosso testemunho. Se eu vos tenho dito coisas terrenas e não acreditastes, como acreditareis se eu vos falar das celestiais? Ninguém subiu ao céu, senão aquele que de lá desceu, o Filho do Homem, que está no céu. E assim como Moisés levantou a serpente do deserto, é necessário que o filho do homem seja levantado para que todo aquele que Nele crer, não se perda, mas tenha vida eterna. Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu filho unigênito para que todo aquele que Nele crer não se perda, mas tenha vida eterna”. João 3:1-16.

COMO ALCANÇAR A SALVAÇÃO, a pergunta principal da humanidade  
Hoje ainda não lhes foi explicado o Evangelho. Escreve o evangelista São João que certo fariseu de nome Nicodemos veio ao Senhor de noite e teve com ele uma conversa, e Cristo, de sua parte, lhe pregou um sermão para aquele homem piedoso que realmente ele não sabia que fazer com ele: quanto mais o ouvia, menos o entendia.
Sobre essa historia se prega todo ano. Mas como hoje o momento novamente é propício, falaremos mais uma vez sobre ela. Desde que o mundo existe, os sábios que existem nele se perguntam: “De que modo se pode alcançar a justiça e a bem-aventurança?” Essa questão se discute desde quando há homens na terra, e continuará sendo discutida até que o mundo chegue a seu fim. Ainda nos nossos dias atuais pode-se ver com quanto ardor debatemos esse assunto. Todos crêem estar em condições de emitir um juízo, porém, com seu juízo, revelam sua ignorância. Esta mesma questão, como nos informa o Evangelho para o dia de hoje, Cristo a tratou com um homem que, falando nos términos da lei judaica, era uma pessoa corretíssima e muito instruída.
Aquele homem quer discutir sobre aquilo que devemos fazer e como devemos viver para sermos salvos, e espera que Cristo lhe dê uma resposta. “Porque tu” ele diz, “és mestre vindo de Deus, pois os sinais que tu fazes vão além da capacidade de qualquer ser humano. Nós os fariseus ensinamos, no campo do espiritual, a lei de Moisés. Opinas tu que há algo melhor que possa nos recomendar?” Surge assim na discussão entre ambos a pergunta sobre as obras, ou seja, a vida perfeita – a pergunta que inquieta aos homens de todas as gerações.
I. O que tenta alcançar a salvação pelos caminhos das obras, não a alcançará
Já os antigos romanos meditavam com muita seriedade sobre qual era o caminho reto a seguir, acerca de como, por exemplo, se devia lidar corretamente com a casa e a família. Seus interesses se dirigiam diante de toda a exata determinação do que exige a “justiça”. Mas com isso se meteram em um problema que não tem solução, como eles mesmos tiveram que admitir: “excesso de justiça, excesso de injustiça.” Por qual motivo? Porque a “justiça” no sentido estrito da palavra está fora de nosso alcance. Por isso que se tem que buscar o caminho do meio e adaptar-se às circunstâncias. Nesse sentido também se costuma dizer: “acertou como os atiradores quando acertam o alvo”, quer dizer, não graças a sua pontaria, senão graças a um impacto fortuito. Pois um bom atirador e até um eventual ganhador é também aquele que chegou mais próximo do alvo. Assim o reconhecem até os juristas. Tem que se dar por satisfeitos se com seu governo e administração da coisa pública conseguem que ninguém inflija a outro injustiças muito grosseiras, ainda quando seja impossível acertar e aplicar rigidamente a justiça em sua forma pura. Porém quando chega ao poder um desses desorientados, só causa alvoroço, distúrbios e dissensões.
Assim toda autoridade secular tem que se ater ao que é possível. Não obstante, a razão gostaria de elevar a salvação ou a uma ordem política perfeita pela via da injustiça. Porém tal coisa é impossível. Que fazer então? Quase se diria que acontece como com aquele que queria subir uma alta montanha e por não poder fazer, exclamou: “Pois bem, ficarei aqui”. No entanto, Cristo nos diz: “Se vossa justiça não for maior que a dos escribas e fariseus, não entrareis no reino dos céus” (Mateus 5:20). Ali no sermão do monte o Senhor explica qual o verdadeiro cumprimento da lei, e o que significa acertar o alvo: não se irar, nem mesmo no recôndito do coração; não cobiçar nem mesmo em pensamentos a mulher ou os bens do nosso próximo. Ali se coloca diante dos nossos olhos a justiça mais perfeita. E, apesar de tudo os homens acreditam poder alcançá-la mediante o cumprimento da lei. “Não queremos nem pretendemos”, dizem, “acertar exatamente o alvo”; se o conseguem com certa aproximação, se têm por desculpados. Nós, porém, atentamos para o que nos ensina Cristo: “Ninguém pode ver o reino de Deus ao menos que tenha acertado o alvo”. E no Apocalipse lemos: “Neste tabernáculo não entrará nenhum imundo”. Que devemos fazer pois? Também exclamaremos: “Temos que ficar aqui embaixo, não podemos subir a montanha”?
Tampouco Nicodemos sabe outra coisa que esta: “Eu sou uma pessoa correta, vivo piedosamente conforme a lei e transito pelo caminho que conduz ao céu”. E agora ele quer que esse Mestre lhe expresse sua aprovação ou desaprovação – ainda que não gostaria de pensar nesta última opção, senão espera que o Senhor lhe responda: “Sim, Nicodemos, és perfeito, e ainda: Já és bem-aventurado e os demais entrariam no reino dos céus se fizessem como tu”. Porém, ocorre justamente o contrário: Cristo o bota a correr do reino dos céus: “Por certo, és um homem bom. Porém se não nasces de novo, tua justiça não te servirá de nada.” O “nascer de novo”: esta é a justiça na qual insistimos tanto em nossa pregação. Ou seja: Cristo não tem a intenção de rechaçar a lei, antes quer que ela seja cumprida. “Porém”, diz “a forma como  vós a cumpríeis não tem validade. Cumpríeis a lei só em vossa imaginação, mas não na realidade. Os Dez Mandamentos são perfeitos, e quero que os cumpra. Quem quiser entrar no céu tem que cumpri-los. Porém, com o vosso conceito do ‘direito’ e com a vossa justiça, não os estais cumprindo”. Não temos outra justiça melhor do que a que resultaria do meu cumprimento de tudo o que se manda nas duas tábuas da lei de Moisés. Então seríamos “justos” – porém só justos conforme a justiça dos fariseus, e não conforme a justiça exigida pela lei.
II.  Só a regeneração nos torna participantes da salvação eterna
É-nos dito, pois: “lhe é necessário nascer pela segunda vez”. Para Nicodemos isso é chocante. Ele pensa em outras leis, alem do ponto das leis mosaicas, tais como as que achamos no papado e no judaísmo farisaico; espera que Cristo estabeleça artigos novos, leis novas, todo um código novo. Porém, nada disso: Cristo não diz uma palavra quanto a leis e estatutos novos. “Pois o que possuis em matéria de leis já é mais do que podeis cumprir. Eu, em troca, os prego assim: Vós, vós mesmos precisam chegar ser outras pessoas. Eu não falo de fazer ou não fazer, senão de chegar a ser. Tu tens que chegar a ser outro homem, tens que nascer de novo. Isso será então a justiça que acerta o alvo, a justiça sem mancha nem ruga, a justiça que conseguirá entrar no céu”. Para Nicodemos, ao ouvir Jesus falar dessa maneira, lhe vem certas duvidas. Essas são palavras novas para ele. “Entrar eu pela segunda vez no ventre de minha mãe? Tolice!” Porém a essas tolices Cristo acrescenta outras piores: “não te digo que tenhas de nascer de novo de pai e mãe humanos, senão da água e do Espírito Santo”. Agora, Nicodemos fica totalmente confundido. “Que homem e mulher são esses: água e Espírito?” E como se ainda não fosse suficiente, Cristo lhe pergunta: “Tu és mestre de Israel e não sabes disso?”, o que soa como zombaria manifesta. E sem dúvida, Cristo tem que falar assim porque o assunto é totalmente novo para Nicodemos. Para explicá-lo Cristo recorre a uma ilustração como se quisesse dizer a Nicodemos: “queres que eu desenhe para que tu entendas? Digo-te porém: se não podes captar com a razão, capta-a com a fé. Pois se não acreditaste quando te falei coisas terrenas, como crerás se eu te falasse das coisas espirituais? Nós falamos o que sabemos, e o que sabemos é a verdade e vós não acreditais Pois bem: se alguém não quer crer, deixe-se!”
A nossa pregação, iniciada naquelas condições por Cristo, se apoia exclusivamente na fé. Só com a fé se pode compreender da “regeneração pela água e pelo Espírito”. O Espírito é o homem e a água a mulher. O que isso implica, não o podes medir com a tua razão. Daí o tema que pregamos seja artigo de boas obras ou de fé. E já os papistas aprenderam algo de nós ao dizer que com a fé e a graça começa a vida verdadeiramente cristã. Antes só se falava da missa privada e da invocação dos santos; agora, em troca, dizem que a fé, efetivamente, salva, porém não só a fé, senão a fé em cooperação com nossas obras. E essa cooperação, apóiam, é imprescindível. E a nós criticam duramente afirmando que proibimos as  obras e induzimos os homens à preguiça. Todavia lhes falta bastante para serem tão piedosos e estarem tão próximos da verdade como Nicodemos. Nós nunca proibimos as boas obras; mais ainda: se dizemos algo a respeito das boas obras, nossa própria gente fica logo com raiva, o qual é um claro sinal de que realmente pregamos sobre esse tema.
E apesar disso os papistas seguem blasfemando de nós. Eles ensinam: “as boas obras têm quer vir com a ajuda da fé – vãs palavras que demonstram que esses mestres não têm noção do que é fé, boas obras, nascer do Espírito, nascer de Deus. É por isso que é necessário que estudemos com cuidado o nosso presente texto (João 3:5) e outros iguais. Aqui se fala de “nascer de novo”, não de “fazer algo novo”. Primeiro deves plantar uma arvore, e logo terás também os frutos. Segundo seja boa ou mal a arvore, serão também bons ou maus os frutos. O mesmo ocorre aqui. Nós chamamos um novo nascimento, quer dizer, uma nova maneira de ser, uma nova pessoa, não somente um novo vestido ou novas obras. Quando eu era monge, minha vestimenta era distinta e também minhas obras eram; as sete horas para as orações, a missa, o crisma, o celibato – todas essas eram outras obras, muito dessemelhantes de minhas obras anteriores. Porém a simples mudança das obras não é o que vale; que mude a pessoa, que mudem os pensamentos e o ânimo: esse é o novo nascimento. Portanto não se pode sobrepor as obras à fé. Em que uma criança contribui para que seja concebida e venha à luz? Isso é obra dos pais; a criança não faz nada para que suas perninhas e todos os seus membros cresçam; não é  parte ativa nesse processo de crescimento, senão parte meramente passiva. Qual foi, nesse sentido, a nossa contribuição? Onde estão as obras cooperantes? Queria saber então de onde vem essa insistência de que se deve agregar também obras , e logo obras próprias nossas!
É verdade: a mãe leva a criatura em suas entranhas e lhe dá o calor materno; no entanto, não é obra dela que essa criatura se origine. De igual maneira quem pregamos e batizamos somos nós, no entanto, a palavra e o batismo não são nossos; somente pomos à disposição nossa boca e nossas mãos. Na realidade a palavra e o batismo são de Deus, no entanto somos chamados colaboradores de Deus (1 Coríntios 3:9). É, por certo, uma colaboração bastante modesta a nossa. Não que contribuamos com obra ou a palavra; o único com que contribuo ao batizar e pregar é com a voz, os dedos, a boca. Assim, na geração de uma criança, o pai e a mãe só contribuem com a carne e o sangue como fatores seus; a criatura concebida não contribui absolutamente em nada, senão que “se deixa criar” por Deus todos os seus membros, e a mãe a leva em seu seio. Há alguma razão então para que eu retire a honra de Deus e diga que eu mesmo me gerei e que minha própria atuação contribuiu para que eu nascesse? Isso não significaria um agravo a Deus? Por acaso não somos chamados seus filhos, obras de suas mãos? Se é verdade que as obras colaboram na regeneração, vejo-me obrigado também a achar que eu colaborei com Deus – e isso é uma blasfêmia contra Ele. Mas se é verdade que eu sou nascido de novo, como diz Cristo, não tenho que colaborar com nada, senão que tenho que permanecer quieto e passivo para aquele que é meu Pai e Criador me faça nascer de novo como filho seu. Nesse sentido o apostolo Paulo declara que “nós somos uma nova criação, criados em Cristo para boas obras”. Como se vê, Paulo não se esquece das boas obras, mas as menciona não por que tenham contribuído em algo, não por que sejam elas que produzem a nova criação, mas “para que andássemos nelas”. Se é certo que minhas próprias obras contribuem para que eu seja uma nova criação, bem posso me gloriar de ser meu próprio Deus; porque o criar é obra exclusiva de Deus. Se eu colaboro, então Deus não é meu único Deus, senão que eu também o sou. Por outro lado, se Ele é o único, não o posso ser eu também, como se afirma muito claramente no Salmo: “Ele nos fez e não nós a nós mesmos; somos seu povo e ovelhas de seu pasto”. E não obstante, certa gente incorre em tremenda tolice de sustentar que a fé cria homens novos, mas com a ajuda das obras. Mas precisa de toda lógica dizer que eu me crio a mim mesmo e sou Deus junto com Deus, de modo que Ele me tem a seu lado como um Deus adjunto. Assim como eu não me formei a mim mesmo no corpo de minha mãe, senão que foi Deus quem me formou, valendo-se dos meus membros e do calor de minha mãe, assim tampouco na regeneração somos convencidos mediante nossas próprias forças e obras, senão unicamente pelas mãos e o Espírito de Deus. Em consequência, é ilícito acrescentar obras à fé; do contrário, não é Deus só o que me cria, senão que eu sou simultaneamente com ele meu próprio criador. Ao fogo do inferno com um criador que se cria a si mesmo! A Escritura me chama de uma nova criação de Deus e, não obstante, eu haveria de atribuir a nova criação a mim mesmo? De esse modo eu seria criação e criador, obra e obrador em uma mesma pessoa. A toda luz, esses são pensamentos diabólicos e ensinos de homens cegos. Devemos observar estritamente ao que aqui nos ensina o evangelista São João. Também Paulo nos chama “novas criaturas”. Da mesma maneira, pois, como não contribuo para meu nascimento corporal e pela minha concepção, senão que sou parte meramente passiva e ‘me faço’ gerar e criar, da mesma maneira tampouco as obras contribuem em nada para que o homem seja regenerado. Se não for assim, Deus já não será apenas Deus, senão que nós seremos Deus junto com Ele e seremos nossos próprios progenitores. Mas quando a criatura já está gerada, e quando a criancinha já está formada no seio materno com todos seus membros, a mãe diz: “Sinto que o nenezinho faz as obras que em seu estado pode fazer”. Porem, só o já criado dá esses sinais de sua existência, e só quando foi dado à luz move seus membros, e fica com vida, aprende a caminhar e a cantar. Mas se não tivesse sido criada previamente, agora não se moveria.
III. O regenerado se manifesta como crente mediante a prática de boas obras.
Nossa pregação quanto à nova criação é, pois, uma vez que fomos regenerados, devemos andar em boas obras. Nesse sentido fazemos algo: pregamos; aqueles, todavia, que são convertidos não fazem nada para chegar a sê-lo, já que somos criação e obra de Deus, “criados para que andássemos em boas obras” (Efésios 2:10). Essas palavras nos falam com inteira claridade. A semelhança com uma criatura humana é evidente. A criatura deve se separar do corpo materno; antes de estar completamente formada, não contribui em nada para esse fato. Por que Deus a beneficiou de membros? Para se mover; uma vez nascida deve caminhar, ficar de pé, comer, beber, trabalhar, mandar, pois para isso nasceu. Se não fizesse nada, seria um tronco ou uma pedra. Porém deve fazer algo, para isso foi criada. A isso se refere Cristo quando disse ao fariseu Nicodemos: “Todos vós quereis ser vossos próprios criadores. Possuíeis a lei de Moisés e esforçai-vos para cumpri-la. Porem não obtereis êxito, uma vez que ainda não nascestes de novo; não possuíeis o Espírito Santo. Por conseguinte todas as vossas obras são obras do velho homem. Podeis, por exemplo, construir uma casa ou fabricar um sapato, porém tais obras não têm nada haver com o céu. Não são obras que conferem justiça a quem as faz. Também os gentios são capazes de fazê-las. Ademais trazeis oferendas, circuncidais a vossos filhos, usais as vestiduras sagradas – também isso está ao alcance de qualquer pagão.  Por isso digo que são obras do homem velho, nascido uma só vez, a saber, do seio de sua mãe. Mas se quereis fazer obras que sejam de valor diante de Deus e que tragam proveito ao próximo, precisais nascer de novo. Vós por sua vez acreditam que o fazer obras que exteriormente parecem ser boas já está assegurada a vossa entrada no céu, ainda mesmo o coração não se achando no estado devido. Porem não façais as coisas ao contrário, não comeceis pelas obras!”
Também os papistas são da opinião de que se pode merecer o céu com suas obras que acompanham a graça. É um engano. As boas obras não podem ajudar de nenhuma forma, nem como obras que precedem a graça, nem como obras que lhe correm paralelas, nem tampouco como obras que seguem a graça, senão que tudo tem que proceder do Espírito Santo e da água. “No lugar de pai e mãe vos darei água e o Espírito Santo”, reza a pregação de Cristo. Onde isso é assim, posso dizer: “minhas próprias obras não me criaram, nem me geraram como nova criação, nem tampouco poderão fazê-lo, posto que fui criado e gerado da água e do Espírito”. Também resulta agora fácil provar e julgar os espíritos fanáticos. Pois o que nasceu, o que já foi feito e criado, não tem necessidade de ser feito e criado. Como podem dizer então que as obras subsequentes à graça me geram e me criam? Fazer boas obras é necessário; correto – porém não para chegar a ser por meio delas uma nova criação. Portanto há de se diferenciar entre fé e obras; assim, aqui o Senhor nos ensina. As obras feitas antes da fé são condenadas como pecado. Em contrapartida, as obras feitas por quem já tem fé são obras preciosas e boas. Todavia, tampouco essas servem para nos converter em homens justos, senão para louvar e glorificar a nosso Pai que está nos céus (Mateus 5:16) e para causar alegria aos anjos. Pois quem por meio de boas obras e de uma pregação frutífera honra ao Pai, receberá também dele a recompensa correspondente. Se não andas em boas obras, tampouco nasceu ainda para elas (Efésios 2:10).
Onde se ensina e se vive dessa maneira, a verdade aqui ensinada por Cristo permanece vigente em toda a pureza. Cristo diz que temos que nascer, Paulo reforça que temos que ser criados por Deus. Falando em termos de comparação com uma criatura: a criatura não se gera nem se faz nascer a si mesma, senão que depois de ser criada pode fazer obras. Analogamente, a árvore frutífera depois de plantada dá frutos. Não se diz: “Se não tiver peras na árvore, essa não é uma árvore”, senão o inverso. Por isso cresce a pereira, para que dê peras, para glória e louvor de Deus o Criador, e para que nós as comamos. Assim, a obra de Deus é a que precede, e a nossa obra é a que segue. Igualmente: se não existisse ferreiro, não existiria machado, pois para que machado corte, previamente precisa ser fabricado. Só um perfeito idiota poderia dizer: “Faz-me um machado que colabore na sua fabricação, de maneira que mediante seu despedaçar e cortar se transforme em machado”. Primeiro se fabrica o machado, e só então se pode empregá-lo nos trabalhos aos quais a ele se destinam.
Sobre esse tema se discute de modo por demais obstinado desde os primórdios da humanidade. E esse é o nosso ensino no qual insistimos com toda energia, afim de que conserve o lugar correspondente na igreja e para evitar que penetrem nela pessoas que atribuem um efeito também às obras precedentes ou concomitantes. Primeiro deve estar a criação, o nascimento: logo pode seguir a obra. Nicodemos não pode compreender isso porque ele vive na crença equivocada de que obterá êxito para entrar no céu graças as suas obras precedentes. Cristo se opõe a ele com um sonoro NÃO: “o que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus”. Todos aqueles que ensinam algo que contrarie esse artigo são falsos mestres. Nós, todavia, cremos e damos graças a Deus pelo fato de que ao fim foi trago a luz e posto ao conhecimento de todos qual é o verdadeiro caminho da vida: “Faz com que eu seja regenerado sem a colaboração de nenhuma obra minha, mas apenas pela palavra e pela fé”. Se tal é o caso, sou filho de Deus, tenho livre acesso a casa de meu Pai, e tudo quanto faço é bom e aceito diante de seus olhos. Se meu pé escorrega, Ele me castiga.  Se eu sou uma arvore boa, levo frutos bons. Se a árvore é tomada por vermes nocivos, o Pai os extermina. Se eu sou um bom machado, sirvo para cortar; se no machado se produz uma falha, também esse mal poderá ser sanado pelo Pai. Por isso vós os fariseus estais muito distantes do alvo com vossas obras precedentes; porque dessas resulta não mais que uma justiça válida diante dos olhos do mundo e para ela vale o que acabo de dizer quanto ao atirador. A justiça proveniente da fé acerta o alvo: aponta ao centro mesmo e penetra até a vida eterna – não por nossos próprios meios, senão em união com aquele que é o Mediador, do qual se fala na parte final do evangelho (João 3:14 e similares). Fomos criados por Ele e somos recriados por Ele; por meio Dele somos uma criação perfeita, apesar de ainda não estarmos livres de faltas e debilidades.
Isso se chama falar de forma cristã sobre a regeneração, da qual os papistas, os turcos e os judeus não têm o menor conhecimento. Estou seguro, portanto, que no Concílio[1] dos papistas rejeitarão esse artigo, já que a norma deles é julgar a obra de Deus segundo eles mesmos a entendem. Cristo, porém, sustenta invariavelmente: “O que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus”. É preciso, pois, deixar de lado os pensamentos próprios, a sabedoria própria, as opiniões próprias e ouvir somente a palavra por meio da qual é criado em ti um coração novo sem a tua contribuição, como o novo ser no corpo da mãe. Este texto soluciona a questão que se vem debatendo no mundo inteiro sobre como é possível uma vida bem-aventurada e feliz. Não há outro meio que a justiça efetuada pela regeneração não atinja o alvo.



AS OBRAS DE CRISTO ATESTAM SUA DIVINDADE


Ora, se julgarmos sua divindade em função das obras que nas Escrituras lhe são atribuídas, daí ela refulgirá ainda mais claramente. Pois, quando Cristo afirmava que, desde o princípio até então, vinha atuando juntamente com o Pai [Jo 5.17], os judeus, tardíssimos de entendimento para com seus demais ditos, no entanto compreenderam que ele estava reivindicando para si poder divino. E, em decorrência disso, como o menciona João [5.18], “mais o buscavam matar, porque não só violava o sábado, mas ainda dizia que Deus era seu Pai, fazendo-se igual a Deus.” Portanto, quão terrível nos será a obtusidade, se não sentirmos que aqui se afirma claramente sua divindade! E realmente, governar o orbe por sua providência e poder e regular todas as coisas pelo arbítrio de seu próprio querer, prerrogativa que o Apóstolo lhe outorga [Hb 1.3], não é senão atribuição do Criador.
Ele partilha com o Pai não só da autoridade de governar o orbe, mas ainda de outras funções individuais que não podem ser comunicadas às criaturas. Brada o Senhor através do Profeta [Is 43.25]: “Sou eu, sou eu, aquele que apaga tuas iniquidades por amor de mim.” Como, à luz desta reiteração, os judeus pensassem que a
Deus se infligia ofensa por Cristo perdoar pecados, Cristo afirmou não só com palavras que esse poder lhe competia, mas até o comprovou mediante milagre [Mt 9.6]. Vemos assim que ele possui não apenas o exercício, mas ainda o poder de remissão de pecados, o qual o Senhor nega que se pode transferir a outrem.
E então? Porventura não pertence somente a Deus a faculdade de perscrutar e penetrar os silentes pensamentos dos corações? Mas Cristo também teve este poder [Mt 9.4; Jo 2.25], do quê se pode inferir sua Deidade.

João Calvino

Os Apóstolos aplicam a Cristo o que fora dito do Deus Eterno


O Novo Testamento, porém, borbulha de inumeráveis testemunhos. Portanto, devemos dar-nos ao trabalho de, concisamente, selecionar apenas uns poucos desses testemunhos, antes de coligi-los todos. E, embora os apóstolos tenham falado dele desde que já se apresentara na carne como Mediador, todavia tudo quanto trarei
à consideração haverá de servir apropriadamente para provar sua eterna Deidade.
Em primeiro plano, digno de especial atenção é isto: que os apóstolos ensinam que o que se predissera do Deus eterno ou já se patenteou em Cristo ou um dia haverá de se manifestar nele. Pois quando Isaías profetiza que o Senhor dos Exércitos haveria de ser aos judeus e israelitas por pedra de tropeço e rocha de escândalo
[Is 8.14], Paulo afirma que isso se cumpriu em Cristo [Rm 9.33]. Logo, Paulo declara que Cristo é esse Senhor dos Exércitos. De igual modo, em outro lugar [Rm 14.10, 11]: “Importa” diz ele, “que todos, uma vez, nos assentemos perante o tribunal de Cristo, pois foi escrito: Diante de mim todo joelho se dobrará e toda língua
me confessará.”
Quando, em Isaías [45.23], Deus anuncia isto de si mesmo e de Cristo, o exibe objetivamente em si mesmo, segue-se que ele é aquele próprio Deus cuja glória não se pode transferir a outrem. O que também cita do Salmo [68.18] na epístola aos Efésios [4.8] é evidente que se refere unicamente a Deus: “Subindo ao alto, conduziu o cativeiro.” Compreendendo que ascensão dessa natureza só se prefigurara então, quando Deus manifestou seu poder em insigne vitória contra nações estrangeiras, Paulo a assinala que ela se manifesta mais plenamente em Cristo. Assim,
João [12.41] testifica que foi a glória do Filho que, através de visão, fora revelada a Isaías [6.1], quando, entretanto, o próprio Profeta escreve que vira a majestade de Deus.
Além disso, é evidente que aquelas atribuições que o Apóstolo confere ao Filho, na Epístola aos Hebreus, são claríssimas exaltações de Deus: “Tu, Senhor, no princípio lançaste os fundamentos do céu e da terra” etc. [Hb 1.10]; de igual modo:
“Adorai-o vós, todos os seus anjos” [Hb 1.6]. Contudo, nem delas abusa quando as aplica a Cristo, uma vez que tudo quanto se canta nesses salmos somente ele o cumpriu. Pois foi ele que, levantando-se, se compadeceu de Sião [Sl 102.13], ele que para si reivindicou o reino de todos os povos e ilhas [Sl 97.1]. E por que João, que dissera antes que o Verbo sempre fora Deus, teria hesitado em atribuir a Cristo a majestade de Deus? Por que haveria Paulo de ter-se arreceado de instalar a Cristo no tribunal de Deus [2Co 5.10], havendo-lhe previamente proclamado a divindade com tão franca proclamação, quando dissera ser Cristo “Deus bendito para sempre”
[Rm 9.5]? E para que transpareça o quanto Paulo é consistente neste ponto, ele escreve ainda em outro lugar [1Tm 3.16] que Cristo é Deus manifestado em carne.
Se como Deus Cristo deve ser louvado para sempre, então ele é Aquele a quem unicamente se devem toda honra e glória, o mesmo Paulo o afirma em outra passagem [1Tm 1.17]. Na verdade nem mesmo dissimula isto, senão que o proclama abertamente: “Que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a
Deus, mas a si mesmo se esvaziou, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens” [Fp 2.6, 7].
E para que os ímpios não concluíssem que ele é algum Deus fortuito, João vai além, dizendo: “Ele é o Deus verdadeiro e a vida eterna” [1Jo 5.20]. Todavia, mais do que suficiente nos deve ser que Cristo seja chamado Deus, especialmente por essa testemunha que nos assevera expressamente que não há muitos deuses, mas um único.
E esse é Paulo, que assim fala [1Co 8.5-6]: “Ainda que muitos se chamem deuses, seja no céu, seja na terra, para nós, entretanto, há um só Deus, de quem procedem todas as coisas.” Quando da mesma boca ouvimos que Deus se manifestou em carne [1Tm
3.16], com cujo próprio sangue Deus adquiriu a Igreja para si [At 20.28], por que imaginamos um segundo Deus, a quem aquele de modo algum reconhece? E não há a mínima dúvida de que o mesmo foi o sentimento de todos os piedosos. De fato, de maneira semelhante, ao proclamá-lo abertamente seu Senhor e seu Deus [Jo 20.28], Tomé confessa ser ele aquele Deus único a quem havia sempre adorado.


João Calvino

domingo, 22 de abril de 2018

O ANJO DAS TEOFANIAS ERA CRISTO


Porquanto, se estas evidências não satisfazem aos judeus, não vejo com que sutilezas possam evitar o fato de que, com tanta freqüência, na Escritura o Senhor se apresenta na pessoa de um Anjo. Diz-se haver aparecido um Anjo aos santos patriarcas. O mesmo atribui a si o nome do Deus Eterno. Se alguém objeta, dizendo que isto se diz com respeito à função que o anjo desempenhava, a dificuldade de modo algum fica assim resolvida. Pois um servo não iria arrebatar de Deus sua honra, permitindo que lhe fosse oferecido um sacrifício. Com efeito, negando-se a
haver de comer pão, o Anjo ordena que o sacrifício fosse oferecido ao Senhor [Jz 13.16]. A seguir [Jz 13.20], prova, pelo próprio fato, que ele é realmente o Senhor. Desse modo, Manoá e a esposa concluem, desta evidência, que haviam visto não simplesmente um anjo, mas a Deus. Daí esta exclamação: “Haveremos de morrer,
porque vimos a Deus” [Jz 13.22]. Quando, porém, a esposa responde: “Se o Senhor nos quisesse matar, não teria recebido de nossa mão o sacrifício [Jz 13.23], confessa com certeza que aquele que antes disse ser um ajo era realmente Deus. Além disso,
agrega que a própria resposta do Anjo dirime toda dúvida: “Por que perguntas por meu nome, que é maravilhoso?” [Jz 13.18].
Tanto mais abominável foi a impiedade de Serveto, quando asseverou que Deus jamais se manifestara a Abraão e aos demais patriarcas; ao contrário, em seu lugar fora adorado um anjo. Reta e sabiamente, porém, os doutores ortodoxos da Igreja interpretaram que esse Anjo era Príncipe, a Palavra de Deus, que já então, em um
como que prelúdio, começou a exercer o ofício de Mediador. Ora, se bem que ele ainda não havia se revestido da carne, contudo desceu como um, por assim dizer, intermediário, para que se achegasse mais intimamente aos fiéis. Portanto, esta comunicação mais íntima lhe valeu o nome de Anjo, enquanto retinha o que lhe era
peculiar: ser ele o Deus da glória inefável.
O mesmo entende Oséias que, após recontar a luta que Jacó sustentou com o anjo, diz: “O Senhor é o Deus dos Exércitos; o Senhor, seu nome é um memorial perpétuo [Os 12.5]. Serveto rosna novamente, dizendo que Deus havia tomado a pessoa de um anjo. Como se, afinal, o Profeta não estivesse a confirmar o que fora
dito por Moisés [Gn 32.29, 30]: “Por que perguntas por meu nome?” E a confissão do santo Patriarca, quando diz: “Vi a Deus face a face” [Gn 32.29, 30], suficientemente declara que não se tratava de um anjo criado, mas Aquele em quem residia a plena Deidade. Daqui também essa afirmação de Paulo [1Co 10.4], de que Cristo fora o guia do povo no deserto, visto que, embora ainda não fosse vindo o tempo de sua humilhação, contudo aquela Palavra eterna propôs uma prefiguração de seu ofício, a que fora destinado. Ora, se porventura for examinado, sem contenda, o primeiro capítulo de Zacarias, e o segundo, o Anjo que envia outro Anjo [Zc 2.3] é
o mesmo imediatamente cognominado o Deus dos Exércitos, e lhe é atribuído poder supremo.
Deixo de considerar inúmeros testemunhos nos quais, com plena segurança, se nos arrima a fé, a despeito de que os judeus não se deixam mover de modo algum.
Quando, pois, se diz em Isaías [25.9]: “Eis, este é o nosso Deus, este é o Senhor: nele esperaremos e ele nos preservará”, é evidente aos que são dotados de olhos que a referência é a Deus, que se levanta de novo para a salvação de seu povo. E essas expressões enfáticas, duplamente repetidas, não permitem aplicar-se isto a outro
senão a Cristo.
Ainda mais clara e taxativa é a passagem de Malaquias [3.1] em que promete que o Dominador, que era então buscado, haveria de vir a seu templo. Sem dúvida que somente ao Deus supremo foi sagrado o templo, o que, no entanto, o Profeta reivindica para Cristo. Do quê se segue que Cristo é o mesmo Deus que foi sempre adorado entre os judeus.

João Calvino

sábado, 21 de abril de 2018

Evidências Veterotestamentárias quanto à Divindade de Cristo


Não obstante, embora ainda eu não vá abordar a pessoa do Mediador, contudo o adio para o ponto em que se haverá de tratar da Redenção; no entanto, uma vez que se deve entre todos admitir sem controvérsia que Cristo é essa Palavra revestida de carne, aqui virão mui a propósito todos e quaisquer testemunhos que prescrevem a divindade de Cristo.
Quando se diz no Salmo 45 [v. 6]: “Teu trono, ó Deus, é para todo sempre”, os judeus tergiversam, alegando que o nome Elohim cabe também aos anjos e às potestades superiores. Entretanto, em lugar nenhum na Escritura se acha uma passagem semelhante em que uma criatura seja elevada a um trono eterno. Ademais, ele não é chamado simplesmente Deus, mas também o Soberano Eterno. Além disso, a ninguém se confere este designativo, exceto com restrição qualificativa, como quando se diz que Moisés haveria de ser por Deus a faraó [Ex 7.1]. Outros o lêem no caso genitivo, teu trono é de Deus, o que é excesso de ignorância. Na verdade reconheço que freqüentemente se designa de divino o que é insigne por sua singular excelência.
Mas, pelo contexto, se faz sobejamente claro que essa interpretação é dura e forçada, sem dúvida de modo algum procedente.
Entretanto, se sua obstinação não cede, sem dúvida que o mesmo Cristo não é obscuramente apresentado por Isaías [9.6] como Deus, mas ainda adornado de poder supremo, o que é próprio de Deus somente: “Este é”, diz ele, “o nome com que o designarão: Deus Forte, Pai da Eternidade” etc. Aqui também os judeus vociferam
e assim invertem o teor: Este é o nome com que o chamará Deus forte, o Pai do porvir” etc., de sorte que deixam ao Filho apenas isto: ser chamado Príncipe da Paz.
Mas, a que propósito se haveriam de condensar nesta passagem tantos designativos para Deus o Pai, quando a intenção do Profeta é adornar a Cristo com marcas insignes que nos edifiquem a fé nele? Portanto, não há dúvida de que é ele agora chamado Deus forte pela mesma razão por que fora pouco antes designado de Imanuel.
Nada, porém, se pode buscar algo mais luminoso do que esta passagem de Jeremias [23.6]: “Este haverá de ser o nome com que se chamará o renovo de Davi: o Senhor, Justiça Nossa.” Ora, uma vez que os próprios judeus ensinam, mais ainda, que os outros designativos de Deus nada são senão títulos, que só este, [Jehôvah – Senhor], que dizem ser inefável, é um substantivo que expressa a essência, concluímos que o Filho único é o Deus Eterno, que declara, em outro lugar [Is 42.8], que não dará sua glória a outrem.
Na verdade, aqui os judeus buscam refúgio, dizendo que Moisés não só impôs este nome ao altar por ele construído, como também Ezequiel o deu à nova cidade de Jerusalém. Entretanto, quem não vê que esse altar foi construído como um testemunho de que Deus era “a exaltação de Moisés”, nem é Jerusalém estampada com
o nome de Deus senão para testificar de sua presença nela? Pois o Profeta assim fala: “Desde esse dia o nome da cidade será: o Senhor está ali” [Ez 48.35]; Moisés, na verdade, fala desta maneira: “Edificou um altar e lhe deu o nome: o Senhor, minha exaltação” [Ex 17.15], eponímias figurativas, não designações ontológicas.
Mas, de fato, resta ainda um debate maior em torno de outra passagem de Jeremias [33.16], onde Jerusalém é mencionada com esses mesmos títulos:65 “Este é o nome com que a chamarão: o Senhor, Justiça Nossa.” Esta referência, porém, está mui longe
de contrapor-se à verdade que estamos a defender; aliás, ainda mais, a confirma. Ora, como Jeremias havia já antes testificado que Cristo é o verdadeiro Jehovah de quem promana a justiça, declara agora que a Igreja de Deus haverá de sentir isto verdadeiramente, de tal modo que se haverá de se gloriar no próprio nome. Daí, na passagem anterior, refere-se a Cristo como a fonte e causa da justiça; nesta, adiciona-se o efeito disso.

João Calvino