Acrescenta
que há também outras mui excelentes razões pelas quais o consenso da Igreja não
carece de seu peso. Pois, nem se deve julgar ser de importância mínima que,
desde que a Escritura foi publicada, constantemente se lhe anuiu à obediência o
querer de tantos séculos, e por mais que Satanás, com todo o mundo, a tenha
tentado,
por meios perplexivos, seja oprimindo, seja destruindo, seja de todo refreando e
obliterando da lembrança dos homens, entretanto sempre, como a palmeira, tem ela
subido mais alto e persistido de forma inexpugnável. Se é fato que,
em dias passados, quase não houve alguém de intelecto mais agudo, quer sofista,
quer retórico, que não intentasse contra ela seus recursos, todos,
no entanto,
nada conseguiram. À sua destruição se armou o poderio da terra inteira, e em fumaça
se lhe dissiparam todas as arremetidas. Tão acerbamente acometida de todos os
lados, como poderia ela haver resistido, a não ser que se arrimasse
não apenas
em salvaguarda humana? Antes, deste próprio fato a Escritura mais se
comprova haver provindo de Deus: que, batalhando contra ela todos os
esforços humanos, entretanto até hoje não prevaleceram por seu próprio poder.
Aqui
acrescenta ainda que a recebê-la e abraçá-la, concertou não apenas uma cidade,
não apenas uma nação; ao contrário, quão ampla e vastamente se impele o orbe
terrestre, por um santo acordo de variadas nações que, doutra sorte, nada
tinham em comum entre si, a Escritura logrou sua autoridade. Ademais,
como nos deve emocionar profundamente uma tal conjunção de espíritos tão
diversos e em todas as coisas doutro modo discordantes entre si, quando
transparece que ela não se alcançou senão por injunção celeste! Todavia, não de
pouco peso se lhe acresce quando miramos a piedade dos que assim concordam,
certamente não de todos, mas daqueles que, como luzeiros, o Senhor quis
que sua Igreja refulgisse.
João
Calvino