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segunda-feira, 16 de abril de 2018

O uso das imagens conduz à Idolatria



À essa representação segue-se imediatamente a adoração, pois, uma vez que os homens julgavam contemplar a Deus nas imagens, nelas também o adoraram. Por fim, nelas fixados tanto em espírito quanto em visão, começaram todos a embrutecerse cada vez mais e a deslumbrar-se com elas e a nutrir-lhes admiração, como se nelas residisse algo da divindade. É já evidente que os homens não se atiram ao culto das imagens antes que estejam embebidos de certa opinião mais crassa, certa mente não que as tenham por deidades, mas porque imaginam habitar nelas algum poder da divindade.
E assim, quer a Deus, quer à criatura, representas para ti na forma de uma imagem, quando te prostrares à veneração, já de certa superstição te deixas fascinar. Por esta razão, o Senhor proibiu não só que se erijam estátuas modeladas para representálo, como também consagraram-se gravuras de qualquer espécie e lápides que se antepusessem para adoração. Também pela mesma razão, no preceito da lei se anexa outra parte a respeito da adoração dessas representações. Ora, tão logo se inventou forma visível para Deus, também se vincula o poder a essa representação. Os seres humanos são a tal ponto néscios que identificam Deus com tudo com que o representam, e daí não pode acontecer outra coisa, senão que nisso o adoram. Nem vem ao caso se simplesmente adoram o ídolo ou Deus no ídolo: quando, qualquer que seja o pretexto, se proporcionam honras divinas a um ídolo, isto é sempre idolatria.
E já que Deus não quer ser cultuado supersticiosamente, dele é subtraído tudo quanto se confere aos ídolos.
Atentem para isso os que andam à cata de míseros pretextos para a defesa dessa execrável idolatria, ou, seja, que por muitos séculos passados a religião verdadeira tem sido submersa e subversa. As imagens, dizem eles, não são consideradas como seres divinos. Nem tão absurdamente obtusos eram os judeus, que não se lembrassem de que fora Deus quem por cuja mão tinham sido conduzidos para fora do Egito [Lv 26.13], antes de haverem forjado o bezerro [Ex 32.4]. Pelo contrário, afoitamente
anuíram a Arão a proclamar que aqueles eram os deuses pelos quais tinham sido libertados da terra do Egito [Ex 32.4, 8], expressando, não em sentido dúbio, que desejavam que se conservasse que aquele era o Deus libertador, contanto que o pudessem contemplar indo a sua frente na forma do bezerro.
Nem se deve crer que os pagãos fossem tão boçais, que não entendessem que Deus não era o próprio lenho e pedra, pois mudavam as imagens a seu talante, mas retinham sempre em mente os mesmos deuses, e as imagens para um Deus único
eram muitas, contudo não imaginavam para si tantos deuses quanto era a multidão dessas imagens. Além disso, consagravam novas imagens, dia após dia, contudo não pensavam que estavam assim a constituir novos deuses.
Leiam-se as justificativas que Agostinho menciona, as quais eram usadas por pretexto pelos idólatras de seu tempo. Realmente, quando eram acusadas de idolatria, as pessoas comuns respondiam que não adoravam aquela representação visível, mas, ao contrário, a deidade que ali habitava invisivelmente. Já aqueles que, em
seu próprio dizer, eram de uma religião mais refinada, afirmavam que não adoravam nem a imagem, nem a potestade aí figurada, mas, mediante a representação material, visualizavam um sinal dessa entidade que deveriam cultuar.
E então? Todos os idólatras, quer dentre os judeus, quer dentre os gentios, não têm sido motivados de outra forma além da referida: não contentes com uma compreensão espiritual, pensavam que, por meio das imagens, haveriam de imprimirlhes compreensão mais segura e mais íntima. Desde que uma vez lhes foi do agrado
esta canhestra representação imitacional de Deus, não houve limite até que, iludidos por postulações sucessivamente novas e fantasiosas, viessem a pressupor que Deus exibe seu poder nas imagens. Mais ainda, os judeus não só foram persuadidos
de que, sob tais imagens, adoravam ao Deus eterno, o único e verdadeiro Senhor do céu e da terra, mas, igualmente, os gentios criam que assim adoravam a seus deuses, ainda que falsos, os quais, no entanto, imaginavam que habitassem o céu.

João Calvino