Ademais,
tampouco a Escritura se abstém do designativo Deus, quando fala a
seu respeito. Ora, do fato de que seu Espírito habita em nós [1Co 3.17;
6.19; 2Co 6.16], Paulo conclui que somos templos de Deus, o que não se
deve passar por alto sem atenção mais detida. Na verdade, quando tantas
vezes Deus promete que nos haverá de escolher por seu templo, esta promessa não
se cumpre de outra forma senão quando o Espírito habita em nós. De fato, como
Agostinho68 o afirma mui luminosamente: “Se nos fosse ordenado edificar
ao Espírito um templo de madeira e pedra, uma vez que esta honra só se deve a
Deus, seria cristalino argumento em prol de sua divindade. Ora,
pois, temos aqui um argumento muito mais luminoso: que não devemos
fazer-lhe um templo, ao contrário, nós mesmos somos seu templo!
E o próprio
Apostolo escreve, ora que somos templo de Deus, ora, na mesma acepção, que
somos templo do Espírito Santo.
Com efeito
Pedro, repreendendo a Ananias por este haver mentido ao Espírito Santo,
dizia que ele não mentira aos homens, mas a Deus [At 5.3, 4]. E onde
Isaías introduz o Senhor dos Exércitos a falar, Paulo ensina que é o Espírito
Santo quem fala [6.9; At 28.25]. Mais ainda, quando os profetas, a cada passo,
dizem que as
palavras
que proferem são do Deus dos Exércitos, Cristo e os apóstolos as atribuem
ao Espírito Santo, do quê se segue que Aquele que é o autor primordial
das profecias é o verdadeiro Senhor. Igualmente, onde Deus se queixa de que fora
provocado à ira
pela
obstinação do povo, Isaías escreve que o Espírito Santo, em lugar dele [Deus], foi
contristado [Is 63.10]. Por fim, a blasfêmia contra o Espírito Santo não é
perdoada nem nesta era, nem na vindoura [Mt 12.31; Mc 3.29; Lc 12.10]; quando
quem blasfemou contra o Filho alcança perdão, daqui sendo afirmada abertamente
sua majestade, e que ofendê-la ou diminuí-la constitui crime inafiançável.
Deixo,
cônscia e deliberadamente, de considerar muitos testemunhos de que os antigos
fizeram uso. Para provarem que o mundo é obra do Espírito Santo não menos que
do Filho, citaram Davi com muito prazer: “Pela Palavra do Senhor foram feitos
os céus, e pelo Espírito de sua boa todo o exército deles” [Sl 33.6]. Como, porém,
é costumeiro nos Salmos a dupla repetição da mesma coisa, e como em Isaías
[11.4] a expressão “a boca do Espírito” equivale a “palavra”, tal argumento se torna
precário. Por isso preferi abordar, um tanto seletivamente, apenas elementos
em que as
mentes piedosas pudessem solidamente arrimar-se.
João
Calvino