Aqui,
porém, o propósito é compendiar uma síntese da doutrina geral. E observem os
leitores, primeiramente, que de fato a Escritura, para dirigir-nos ao Deus verdadeiro,
exclui e rejeita expressamente a todos os deuses dos povos, pois ao longo de
quase todos os séculos a religião foi a cada passo adulterada. Por certo é verdadeiro
que tem sido conhecido e celebrado, por toda parte, o nome do Deus único. Ora, mesmo
os que adoravam ingente multidão de deuses, quantas vezes têm falado de
acordo com o genuíno senso da natureza, têm usado simplesmente o termo
Deus, como se um Deus único lhes fosse bastante. E isto
assinalou com muita propriedade Justino, o mártir, o qual, a este propósito,
compôs um livro, A Monarquia de Deus, no qual,
mediante numerosíssimos testemunhos, mostra ter sido impressa no coração de
todos a unicidade de Deus. Tertuliano também prova o mesmo
à base de
linguagem comum.
Mas, visto
que, em decorrência de sua fatuidade, todos à uma foram ou arrastados ou
impelidos a falsas invenções, e com isso se lhes embotaram os sentimentos, tudo
quanto em bases naturais sentiram a respeito do Deus único de nada lhes valeu,
a não ser que ficassem inescusáveis. Ora, até os mais sábios dentre eles, todos
põem
à mostra o
vaguear sem rumo da própria mente, quando anseiam a que sejam assistidos por um
Deus, não importa quem seja ele, e dessa sorte invocam em suas preces a
deidades incertas. Acrescenta que, ao imaginarem ser múltipla a natureza de
Deus,
ainda que
sentissem menos absurdamente do que o vulgo rude sentia acerca de Júpiter,
Mercúrio, Vênus, Minerva, entre outros mais, também eles próprios não foram
imunes às enganosas sutilezas de Satanás. E já o dissemos em outro
lugar, todos e quaisquer subterfúgios que os filósofos têm argutamente
imaginado, não lhes diluem o crime de apostasia, senão que evidenciam
que a verdade de Deus foi corrompida por todos eles.
Por esta
razão, Habacuque, que condenou a todos os ídolos, ordena que busquem a Deus em
seu templo [2.20], para que os fiéis não admitissem outro Deus senão aquele
que se revelara por meio de sua Palavra.
João
Calvino