Entretanto,
nem me deixo tomar dessa superstição a tal ponto que postule não dever-se
admitir, em hipótese alguma, qualquer imagem. Mas, uma vez que a escultura e a
pintura são dons de Deus, postulo o uso puro e legítimo, tanto de uma quanto da
outra, para que não aconteça que essas coisas que o Senhor nos
outorgou
para sua
glória e nosso bem não só sejam poluídas por ímpio abuso, mas ainda também se
convertam à nossa ruína.
Julgamos
não ser próprio representar a Deus por forma visível, porquanto ele próprio
o proibiu [Ex 20.4; Dt 5.8]; e, aliás, não se pode fazer isso sem alguma
degradação de sua glória. E para que não pensem que estamos sozinhos nesta
opinião, os que lerem os livros dos antigos doutores verão que estamos
de acordo com
eles, pois
condenaram todas as figuras que representavam a Deus. Se na realidade não é próprio representar a Deus por efígie
material, muito menos justificável será cultuá-la em lugar de Deus ou a Deus
nela.
Resta,
portanto, que se pinte e esculpa somente aquilo que está ao alcance dos olhos,
de sorte que a majestade de Deus, que paira muito acima da percepção dos olhos,
não se corrompa mediante representações descabidas e fantasiosas. Nesta classe de
elementos que se podem representar pela arte estão, em parte, histórias e fatos
acontecidos; em parte, imagens e formas corpóreas sem qualquer conotação de
eventos consumados. Aqueles têm certa aplicação no ensino ou no conselho; estas,
não vejo o que possam proporcionar, além de mero deleite. E contudo
salta à vista terem sido assim quase todas as imagens que até o momento foram
exibidas nos templos. Donde procede julgar que elas foram aí implantadas
não em virtude de ponderado julgamento ou sábia decisão, mas por
paixão estulta e inconsiderada.
Deixo de
focalizar quão despropositada e indecentemente têm sido em grande parte
representadas, quão licenciosamente pintores e estatuários têm aqui cedido à sua
lascívia, ponto este em que toquei pouco antes. Estou apenas a frisar que,
mesmo se nada de impróprio subsistisse nelas, todavia nada de valor têm
para o ensinar.
João
Calvino