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terça-feira, 17 de abril de 2018

Função e limitação Litúrgicas da Arte


Entretanto, nem me deixo tomar dessa superstição a tal ponto que postule não dever-se admitir, em hipótese alguma, qualquer imagem. Mas, uma vez que a escultura e a pintura são dons de Deus, postulo o uso puro e legítimo, tanto de uma quanto da outra, para que não aconteça que essas coisas que o Senhor nos outorgou
para sua glória e nosso bem não só sejam poluídas por ímpio abuso, mas ainda também se convertam à nossa ruína.
Julgamos não ser próprio representar a Deus por forma visível, porquanto ele próprio o proibiu [Ex 20.4; Dt 5.8]; e, aliás, não se pode fazer isso sem alguma degradação de sua glória. E para que não pensem que estamos sozinhos nesta opinião, os que lerem os livros dos antigos doutores verão que estamos de acordo com
eles, pois condenaram todas as figuras que representavam a Deus. Se na realidade não é próprio representar a Deus por efígie material, muito menos justificável será cultuá-la em lugar de Deus ou a Deus nela.
Resta, portanto, que se pinte e esculpa somente aquilo que está ao alcance dos olhos, de sorte que a majestade de Deus, que paira muito acima da percepção dos olhos, não se corrompa mediante representações descabidas e fantasiosas. Nesta classe de elementos que se podem representar pela arte estão, em parte, histórias e fatos acontecidos; em parte, imagens e formas corpóreas sem qualquer conotação de eventos consumados. Aqueles têm certa aplicação no ensino ou no conselho; estas, não vejo o que possam proporcionar, além de mero deleite. E contudo salta à vista terem sido assim quase todas as imagens que até o momento foram exibidas nos templos. Donde procede julgar que elas foram aí implantadas não em virtude de ponderado julgamento ou sábia decisão, mas por paixão estulta e inconsiderada.
Deixo de focalizar quão despropositada e indecentemente têm sido em grande parte representadas, quão licenciosamente pintores e estatuários têm aqui cedido à sua lascívia, ponto este em que toquei pouco antes. Estou apenas a frisar que, mesmo se nada de impróprio subsistisse nelas, todavia nada de valor têm para o ensinar.


João Calvino