Mas, uma
vez que ensinamos que o conhecimento de Deus, sob outro aspecto, não se
evidencia obscuramente na estrutura do universo e em todas as criaturas,
contudo se desdobra ainda mais íntima e vividamente na Palavra, compensa agora
ponderar se o Senhor nos é representado na Escritura tal qual anteriormente se
viu delinear-se em suas obras.
A matéria é
certamente extensa, se alguém quiser demorar-se em tratá-la mais diligentemente.
Eu, porém, dar-me-ei por satisfeito com haver proposto um como que índice,
assistidas pelo qual as mentes piedosas saibam que se deve acima de tudo investigar
nas Escrituras sobre Deus e dirigir-se ao escopo preciso de sua perquirição.
Não toco
ainda no pacto especial através do qual Deus distinguiu dos demais povos
a raça de Abraão [Gn 17.4]. Ora, recebendo como filho, em graciosa adoção, àqueles
que eram inimigos, então se revelou como seu redentor. Nós, porém, até
aqui nos movemos nesse conhecimento que subsiste na criação do mundo, nem
ascende a Cristo, o Mediador. Mas, ainda que pouco adiante seja necessário
citar algumas passagens do Novo Testamento, uma vez que também daí se prova não
só o poder de Deus, o Criador, mas ainda sua providência na preservação
da natureza primária, quero, contudo, que meus leitores sejam avisados quanto
ao que me proponho fazer agora, para que não vão além dos limites que lhes
foram prescritos. Em suma, baste no presente apreender como Deus o Criador do
céu e da terra governa o mundo por ele fundado.
Na verdade,
reiteradamente se celebra através das Escrituras não só sua paternal bondade,
mas ainda a vontade inclinada à beneficência, e se oferecem nelas exemplos
de sua severidade, a qual o evidenciam ser justo vingador dos
feitos iníquos, especialmente onde de nada aproveita sua tolerância para com os
obstinados.
João
Calvino