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quinta-feira, 8 de novembro de 2018

AS ESCRITURAS NÃO SÓ AFIRMAM QUE CRISTO CONTINUA ESPIRITUALMENTE PRESENTE NA IGREJA, COMO TAMBÉM NÃO REGISTRAM A EXISTÊNCIA DE UM VIGÁRIO SEU NA TERRA

Algumas vezes Paulo nos pinta a Igreja com cores vivas. Ele não faz menção alguma de uma cabeça da Igreja na terra; ao contrário, à luz de sua descrição é fácil coligir que tal figura é estranha à instituição de Cristo. Com sua ascensão, Cristo retirou de nós sua presença visível [At 1.9]; contudo subiu para preencher todas as coisas [Ef 4.10]; portanto, a Igreja agora o tem ainda presente, e haverá de tê-lo sempre. Quando Paulo quer mostrar a maneira pela qual ele se manifesta, nos traz aos ministérios dos quais faz uso. “O Senhor está em todos nós”, diz ele, “segundo a medida da graça que conferiu a cada membro” [Ef 4.7]. Por isso, “a uns constituiu primeiramente apóstolos; a outros, porém, pastores; a outros, evangelistas; a outros, mestres”; etc. [Ef 4.11]. Por que o apóstolo não diz que o Senhor constituiu um sobre todos, para que fosse seu vigário? Pois a matéria que trata o exigia; e não teria deixado de dizê-lo, se fosse verdade. Cristo, diz o Apóstolo, está presente conosco. Como? Através do ministério de homens a quem deu à Igreja para ser por eles governada. Por que não antes pela cabeça ministerial, a quem pôs em seu lugar? Ele menciona, sim, a unidade, porém em Deus e na fé em Cristo. Quanto aos homens, não lhes atribui nada, senão o ministério comum e a cada um sua porção particular. Ao nos encomendar a unidade, dizendo que somos um corpo e um espírito, que temos uma mesma esperança de vocação, um só Deus, uma mesma fé e um só batismo [Ef 4.4, 5], por que não acrescenta logo que temos um sumo pontífice, que sustenta a unidade da Igreja? Porque, se fosse assim, não poderia dizer nada que viesse mais a propósito. Que ponderem bem esta passagem, e tomem nota dela. Não há dúvida de que Paulo quis aí representar o governo total, sagrado e espiritual da Igreja, o qual os que vieram depois chamaram hierarquia. Ora, ele não admite monarquia nem principado algum de um homem só entre os ministros. Ao contrário, ele dá a entender que tal coisa não existe. Tampouco se pode duvidar que ele quisesse expor a maneira da união com que os fiéis estão unidos com Cristo, sua Cabeça. Pois aí ele não só não menciona nenhuma cabeça ministerial, mas inclusive atribui a cada membro sua operação particular [Ef 4.16], segundo a medida da graça distribuída a cada um [Ef 4.7]. Tampouco existe razão para estabelecer sutilmente comparação da hierarquia celestial e terrena; pois da hierarquia celestial não necessitamos saber mais que aquilo que a Escritura diz; e para constituir a ordem que temos sobre a terra não devemos seguir outro padrão além daquele que o Senhor mesmo nos deu.

João Calvino