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terça-feira, 6 de novembro de 2018

OS FUNDOS DESTINADOS À ASSISTÊNCIA AOS POBRES SÃO APROPRIADOS SACRILEGAMENTE PELO CLERO PARA SEUS FINS PESSOAIS

Aqui, todas essas normas antigas que expusemos foram não apenas conturbadas, mas até inteiramente mudadas ou abolidas. A maior parte dos fundos e bens destináveis aos pobres os bispos e presbíteros urbanos, que se tornaram ricos com essa presa, se transformaram em canônicos, a açambarcaram entre si. Entretanto, que a partilha foi tumultuária disto se faz evidente: até hoje estão a litigar quanto aos respectivos limites. O que quer que seja, com esta decisão se proveu que nem um óbolo sequer, de todos os bens da Igreja, fosse consignado aos pobres, de quem pelo menos a metade deveria destinar-se. Ora, os cânones lhes atribuem expressamente a quarta parte; outra quarta parte, porém, destinam aos bispos, para que a gastem em hospitalidade e outros deveres de benevolência. Deixo aos clérigos a decisão quanto ao que deveriam fazer com sua quarta parte, e em que deveriam empregá-la,66 pois já foi demonstrado sobejamente que o restante, que se destinava a templos, edifícios e outros gastos, deve estar à disposição dos pobres caso seja necessário. Pergunto: se tivessem no coração uma só centelha de temor de Deus, porventura suportariam o senso de que tudo quanto comem e de que são vestidos provém de furto, mais ainda, de sacrilégio? No entanto, visto que se deixam mover bem pouco pelo juízo de Deus, deveriam ao menos refletir que aqueles a quem querem persuadir de que em sua Igreja existem ordens tão belas e dispostas, como costumam alardear, são homens dotados de senso e razão. Respondam-me de forma bem sucinta se porventura o diaconato seja a liberdade de roubar e assaltar. Caso neguem isto, serão ainda compelidos a confessar, quando entre eles toda a administração dos bens eclesiásticos foi abertamente convertida em sacrílega pilhagem: não existe nenhum diaconato remanescente.

João Calvino