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sábado, 21 de julho de 2018

A FUNÇÃO INIBIDORA DA LEI A RESTRINGIR A PRÁTICA DO MAL


A segunda função da lei é que aqueles que, a não ser que a isso sejam obrigados, não são tangidos por nenhuma preocupação do justo e do reto, tenham de ser contidos ao menos pelo temor dos castigos, enquanto ouvem as terríveis sanções nela exaradas. São, porém, contidos, não porque a disposição interior lhes seja acionada ou afetada, mas porque, como que interposto um freio, contêm as mãos de ação externa e coíbem internamente sua depravação, a qual, de outra sorte, teriam de derramar desabridamente. Na verdade, isto não os faz nem melhores, nem mais justos diante de Deus. Pois, ainda que, impedidos ou de pavor ou de pudor, não ousam executar o que conceberam na mente, nem extravazar abertamente as fúrias de sua licenciosidade, contudo não têm o coração inclinado ao temor e obediência de Deus. Antes, quanto mais se reprimem, tanto mais fortemente se incendem, fervem, ebulem, predispostos a fazer qualquer coisa que seja e a precipitar-se aonde quer que seja, salvo se fossem refreados por este pavor da lei. Não só isso, mas também tão acerbamente odeiam a própria lei e execram a Deus o Legislador que, se pudessem, suprimiriam completamente esse a quem não podem suportar, nem quando ordena o que é reto, nem quando toma vingança dos que desprezam sua majestade. A uns, de fato, mais obscuramente; a outros, mais claramente; a todos os que ainda não são regenerados, entretanto, é tão inerente este sentimento, que são arrastados à observância da lei apenas pela violência do temor, não por submissão voluntária, mas a contragosto e renitentemente. No entanto, esta justiça, coata e compulsária, é necessária à sociedade comum dos homens, a cuja tranqüilidade este se vota, enquanto se vela para que todas as coisas não se misturem em confusão, o que aconteceria, se a todos tudo se permitisse. Ora, até mesmo aos filhos de Deus é útil que sejam exercitados por esta tutela, por quanto tempo, antes de sua vocação, destituídos do Espírito de santificação, se esbaldem na insipiência da carne. Pois, enquanto pelo temor da vingança divina se retraem pelo menos ao desregramento exterior, e de alguma forma ainda não quebrantados no espírito faça pouco progresso no presente, contudo, ao levarem o jugo da justiça, são por outro lado acostumados, de modo que, quando forem chamados, não sejam inteiramente inexperientes e noviços em relação à disciplina ou coisa desconhecida.
Tudo indica que o Apóstolo tenha abordado especificamente esta função, quando ensina [1Tm 1.9, 10] que a lei não foi promulgada para o justo, mas para os injustos e os devassos, os ímpios e os pecadores, os depravados e os profanos, os parricidas, os homicidas, os fornicários, os pederastas, os raptores, os mentirosos e os perjuros, e qualquer outra coisa que porventura se contraponha à sã doutrina. Dessa forma ele mostra que a lei é um inibidor das paixões da carne, atuantes e de outra sorte prontas a alastrar-se sem medida.

João Calvino