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sábado, 14 de julho de 2018

AS CAPACIDADES HUMANAS SÃO DONS DO ESPÍRITO, AINDA QUE AGORA ESTEJAM CORROMPIDAS


Enquanto isso, não esqueçamos, porém, que estes são mui excelentes dons do Espírito Divino, os quais, para o bem comum do gênero humano, ele dispensa àqueles a quem quer. Ora, se a Bezalel e a Ooliabe foi indispensável que se instilassem neles, pelo Espírito de Deus, a inteligência e o conhecimento que se requeriam para a construção do tabernáculo [Ex 31.2-11; 35.30-35], não é de admirar caso se diga que nos é comunicado através do Espírito de Deus o conhecimento dessas coisas que são mui relevantes na vida humana. Nem há por que alguém pergunte: Que os ímpios, que se alienaram totalmente de Deus, têm a ver com o Espírito? Ora, quando lemos que o Espírito de Deus habita somente nos fiéis [Rm 8.9], é preciso que se entenda isso como referência ao Espírito de santificação, através de quem somos consagrados por templos ao próprio Deus [1Co 3.16]. Entretanto, nem por isso menos preenche, aciona, vivifica a todas as coisas pelo poder do mesmo Espírito, e isso segundo a propriedade de cada espécie, a que a atribuiu pela lei da criação. Pois se o Senhor nos quis assim que fôssemos ajudados pela obra e ministério dos ímpios na física, na dialética, na matemática e nas demais áreas do saber, façamos uso delas, para que não soframos o justo castigo de nossa displicência, caso negligenciemos as dádivas de Deus nelas graciosamente oferecidas. Mas, por outro lado, para que alguém não julgue ser o homem sumamente ditoso, quando se lhe concede tão grande poder de compreender a verdade sob os elementos deste mundo, deve-se, ao mesmo tempo, apreender que não só toda esta capacidade de compreensão, como também a compreensão que daí resulta, é coisa sem consistência e sem estabilidadediante de Deus, quando não subjaz nela o sólido fundamento da verdade. Pois, com muita procedência ensina Agostinho, a quem, como dissemos, o mestre das Sentenças e os escolásticos foram obrigados a subscrever: como, após a queda, foram subtraídos ao homem os dons graciosos, assim também foram corrompidos estes dons naturais que lhe restavam. Não que, até onde procedem de Deus, possam de si mesmos corromper-se, senão que ao homem corrompido deixaram de ser puros, de modo que daí não logre ele algum louvor.

João Calvino