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sábado, 21 de julho de 2018

O RESPALDO DESTA FUNÇÃO RECURSIVA DA LEI EM RELAÇÃO À GRAÇA, EM AGOSTINHO


Quanto ao proveito de implorar-lhe a graça da assistência, Agostinho se expressou amiúde, como quando escreve a Hilário: “A lei ordena que, tentando nós cumprir-lhe as injunções e fatigados em nossa fraqueza debaixo da lei, saibamos pedir ajuda da graça.” De igual modo, a Asélio: “A utilidade da lei é que convença o homem acerca de sua enfermidade e o compila a implorar o remédio da graça que está em Cristo.” Também, a Inocêncio de Roma: “A lei ordena; a graça ministra o poder para cumprir.” Ainda, a Valentino: “Deus ordena as coisas que não podemos, para que saibamos o que lhe devamos pedir.” Então: “A lei foi dada para que vos fizesse culpados; feitos culpados, temêsseis; temendo, buscásseis perdão e não vos fiásseis em vossas próprias forças.” Ademais: “A lei foi dada para isto: que de grande pequeno te fizesse; que te mostrasse que, de ti mesmo, não tens poder para a justiça; e assim, pobre, necessitado e carente, recorras à graça.” A seguir, Agostinho dirige a palavra a Deus: “Assim faze, ó Senhor; assim faze, ó Senhor misericordioso; ordena o que não se pode cumprir; sim, ordena o que não se pode cumprir, a não ser por tua graça, para que, uma vez que os homens não o possam cumprir por suas próprias forças, toda boca se cale e ninguém se faça grande a si mesmo. Sejam todos pequeninos e o mundo todo se faça culpado diante de Deus.” Eu, porém, sou tolo em acumulartantos testemunhos, quando esse santo varão escreveu seu próprio tratado, a que deu o título de De Spiritu Litera [Do Espírito e da Letra]. Agostinho não expõe tão significativamente a segunda utilidade da lei, ou porque a reconhecia como dependente dessa primeira, ou porque não a apreendia tão exaustivamente, ou porque não tinha palavras com que lhe expusesse tão distinta e lucidamente como gostaria. Contudo, esta primeira função da lei não deixa de aplicar-se também aos próprios ímpios. Pois, embora não avancem com os filhos de Deus até este ponto, a saber, que apôs a degradação da carne são renovados e refloresçam no homem interior, ao contrário, atônitos pelo primeiro terror, prostram-se no desespero; todavia, ao agitar-se-lhes a consciência com ondas desta natureza, servem para manifestar a eqüidade do juízo divino. Verdade é que os ímpios sempre desejam de bom grado tergiversar contra o juízo de Deus. E ainda que por ora não se revele o juízo do Senhor, contudo suas consciências de tal maneira se vêem abatidas pelo testemunho da lei e de suas próprias consciências, que de forma bem nítida deixam ver o que de fato mereceram.

João Calvino