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domingo, 22 de julho de 2018

A FUNÇÃO TELEOLÓGICA DA LEI PARA O CRENTE


Certos espíritos ignorantes, ainda que não saibam discernir isso, rejeitam animosamente a Moisés todo e dizem adeus às Duas Tábuas da Lei, porquanto julgam ser obviamente impróprio aos cristãos que se apeguem a uma doutrina que contém a dispensação da morte [2Co 3.7]. Esteja longe de nossa mente esta opinião profana, pois Moisés ensinou com muita propriedade que a lei, que entre os pecadores não pode gerar nada mais que a morte, deve ter entre os santos um uso melhor e superior. Pois, estando para morrer, assim decretou ao povo: “Ponde vosso coração em todas as palavras que eu hoje vos testifico, para que as ordeneis a vossos filhos e lhes ensineis a guardar, a fazer e a cumprir todas as coisas que foram escritas no rolo desta lei, porque não vos foram preceituadas em vão, mas para que, um a um, nelas vivessem” [Dt 32.46, 47]. Ora, se ninguém negará que nela sobressai um modelo absoluto de justiça, ou se impõe não nos haver nenhuma regra de viver bem e retamente, ou dela não nos é seguro afastar-nos. Na verdade, porém, a perpétua e influxível regra de viver não são muitas, mas uma única. Pelo que, o que diz Davi, que o homem justo medita dia e noite na lei do Senhor [Sl 1.2], não se deve entender como a referência a uma só era,157 pois que é muitíssimo aplicável a todas as épocas, uma a uma, até o fim do mundo. Tampouco nos deixemos afastar pelo temor ou nos subtraiamos à sua instrução porque prescreve uma santidade muito mais estrita do que haveremos de experimentar enquanto carregarmos conosco o cárcere de nosso corpo. Pois a lei já não desempenha a nosso respeito a função de um rígido exator, a quem não se satisfaz a não ser que se efetue o requerido. Mas, nesta perfeição a que nos exorta, ela aponta a meta em relação à qual não nos é menos proveitoso porfiar por toda a vida, que é consistente com nosso dever. Nessa porfia, se não falharmos, tudo bem. Com efeito, toda esta vida é um estádio, do qual, corrido o percurso, o Senhor nos concederá que alcancemos aquela meta a que agora nossos esforçosse empenham à distância.

João Calvino